Como LGBTQIAs driblaram resistência da Globo nas novelas e conquistaram público

Com o aumento do número de evangélicos no Brasil, a Globo fez um aceno para conquistar a audiência dessa parcela do público com Vai na Fé (2023). Só que a emissora não esperava que um casal lésbico fosse cativar o noveleiro a ponto de causar revolta com os cortes em cenas de beijos. Além disso, Terra e Paixão também viu a torcida por um romance gay explodir nas redes sociais e driblar a resistência do público mais conservador.

O amor de Clarena, nome dado pelos fãs de Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman), enfrentou altos e baixos na trama escrita por Rosane Svartman. Até porque a dondoca era casada com Theo (Emilio Dantas) --com quem vivia um relacionamento abusivo.

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O primeiro selinho só aconteceu para fugir do assédio de dois homens em um bar. Mas, assim que o caso engatou, sequências carinhosas entre as duas deixaram de ser exibidas.

Em 10 de maio, Regiane Alves chegou a comentar o assunto com fãs no antigo Twitter. "Devagar e sempre... Um passo de cada vez para a construção de um futuro onde todas as formas de amor podem ser aceitas e celebradas", escreveu ela. Na época, a Globo ressaltou em nota que todas as novelas estão sujeiras à edição.

As atrizes também ironizaram os vetos ao ganharem bonecas de suas personagens dos fãs. Elas rapidamente colocaram as miniaturas para se beijar. "Aqui não pode", soltou Priscila.

Outras cenas de amor entre Clara e Helena foram gravadas, mas acabaram barradas na hora de irem ao ar. As duas só se beijaram realmente em 21 de junho, após a alta cúpula da emissora liberar.

Após a repercussão negativa dos cortes, Amauri Soares rebateu as acusações de censura. "Não baixei nenhuma medida de caráter editorial, artístico, de proibição de assunto. Nunca baixei e jamais baixarei, não é assim que a gente trabalha", defendeu-se o diretor dos Estúdios Globo, da TV Globo e Afiliadas.

Ao menos, a madame teve seu "felizes para sempre" com a personal trainer. Após um desentendimento na reta final, elas reataram e apareceram juntas no último capítulo do folhetim --para a alegria dos fãs.

Beijo de Kelvin e Ramiro na novela das nove

'Beijo de amor'

Kelmiro, nome do shipp de Kelvin (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo) também foi um case de sucesso em Terra e Paixão. Walcyr Carrasco acertou em cheio ao desenvolver melhor a relação do matador com o garçom do bar de Nova Primavera.

O espevitado foi quebrando aos poucos os preconceitos do brutamontes, que insistia que "macho com macho não era certo". Kelvin ainda ajudou o capanga a traçar seu caminho em direção à redenção --mesmo depois de cometer uma série de crimes ordenados pelo patrão.

Apesar da resistência da parcela mais conservadora da população, os dois foram marcando terreno entre um apertãozinho e um sonho mais ousado. Qualquer sequência mais carinhosa entre os personagens era comemorada pelos internautas, que ansiaram muito pelo beijo do casal.

A declaração de amor demorou --e até ajudou a novela a bater um recorde de audiência. A primeira carícia só aconteceu depois de 188 capítulos, mas fez valer a pena a espera com uma sequência delicada e que derreteu até os corações mais peludos assim que Ramiro deu "um beijo de amor" em Kelvin.

A tag "beijo Kelmiro" entrou para os assuntos mais comentados do X (antigo Twitter) em 12 de dezembro. Até Regiane Alves fez questão de parabenizar os atores: "Que beijo lindo! Viva o amor e todas as suas demonstrações".

O folhetim das nove ainda arranjou um final feliz para Mara (Renata Gaspar) e Menah (Camilla Damião), que passaram boa parte da trama escanteadas. Renata, aliás, chegou a reclamar disso nas redes sociais.

"Viramos as tias, que ficam de fundo na festa e ninguém pergunta sobre sua história pois não querem saber. 'É aquela tia que vive com a amiga dela'", alfinetou a atriz.

Outros cortes

Ainda em 2023, uma novela de época ousou trazer um personagem bissexual para a faixa das seis. Érico (Carmo Dalla Vecchia) ficou dividido entre Romeu (Domingos de Alcantara) e Verônica (Ana Cecilia Costa) em Amor Perfeito (2023).

Ele acabou escolhendo a vida ao lado da cozinheira no final, mas teve cenas marcantes com seu antigo amor, mesmo sem a exibição do selinho gravado. Num protesto velado, Carmo Dalla Vecchia e Domingos de Alcantara deram um beijão num vídeo publicado nas redes sociais.

O clima mais quente entre Olga (Camila Pitanga) e Ivona (Elisa Volpatto) foi retirado duas vezes de Aruanas na TV aberta. Elisa até criticou a decisão da emissora no Instagram. "Sinceramente, há avanços que a gente faz em sociedade que a gente não pode voltar para trás", declarou.

Os cortes feitos em 2023, aliás, foram na contramão do que a emissora fez há dez anos, quando Amor à Vida (2013) entrou para a história da dramaturgia ao exibir o primeiro beijo entre homens das novelas brasileiras em pleno horário nobre. Cabe descobrir se todas as formas de amor serão liberadas em 2024 --ou se o público terá de continuar fazendo pressão para ver mais sequências carinhosas de LGBTQIA+ na TV.