COLUNA DE MÍDIA
Reprodução/Globoplay
O ator Lázaro Ramos: um dos muitos astros da Globo que trocou a emissora pelo streaming
Na última quinta-feira (8) dois dos jornalistas mais experientes da Globo, Alberto Gaspar e Ari Peixoto, foram demitidos. Gaspar, que foi repórter e correspondente internacional, trabalhava há 39 anos na emissora. Peixoto, que ocupou as mesmas funções, estava na Globo desde 1987.
Os cortes fazem parte de mais uma leva de demissões da emissora para reduzir custos. Nos primeiros seis meses deste ano, a Globo já cortou R$ 281 milhões em salários.
A mudança começou em 2019, com o projeto Uma Só Globo. O plano de reestruturação uniu cinco empresas em uma, eliminou posições e reduziu despesas. Porém, apesar dos grandes cortes, a Globo tem dado prejuízo. Fechou o primeiro semestre deste ano com R$ 144 milhões no vermelho. O número representa uma piora de 122% em relação a 2020, quando a empresa teve um prejuízo de R$ 51 milhões no mesmo período.
Mas a Globo está longe de ser uma empresa à beira da falência, como seus detratores gostam de imaginar. Apesar dos prejuízos e de uma ligeira queda de 3% no caixa em relação a 2020, a Globo ainda tem R$ 12,5 bilhões disponíveis em suas contas. Isso é suficiente para seguir durante muito tempo.
O problema é que ainda enxergamos a Globo como uma gigante inabalável. A maior empresa de comunicação da América Latina e uma das maiores TVs do mundo. Mas isso significa cada vez menos em um mundo onde a mídia tradicional encolhe, as TVs perdem relevância para o streaming, e a publicidade migra para o digital.
Nos tempos áureos, as grandes concorrentes da Globo eram SBT, Record e Band. Hoje a Globo disputa a atenção dos brasileiros com Google, Facebook, Amazon, Apple, Netflix, games e todo tipo de empresa de tecnologia. O caixa de R$ 12,5 bilhões da Globo é respeitável, mas diz mais sobre o passado do que sobre o futuro.
O caixa da Apple é de mais de R$ 1 trilhão. Isso mesmo, trilhão. O do Google, mais de R$ 750 bilhões. A Netflix, após mais de uma década de prejuízos e que só começou a dar lucro no ano passado, tem mais de R$ 44 bilhões disponíveis em suas contas bancárias. Em uma escala global e no mundo cada vez mais digital, a nossa gigante brasileira é uma nanica.
Os sucessivos cortes de funcionários, reduções de salários e saídas de estrelas na Globo apontam para uma empresa cujos melhores dias ficaram no passado. O discurso é de cortar para investir no digital. Mas a realidade é que se faz necessário cortar para sobreviver.
Para quem olha de fora, as atitudes da Globo parecem mesquinhas. Mas quem está lá dentro observa uma espécie de declínio lento e constante de uma companhia que perde relevância. Nesse contexto, tomar decisões se torna cada vez mais difícil.
Se os melhores dias da Globo ficaram para trás, é natural que as prioridades e atitudes dos executivos acabem em tentativas cada vez mais desesperadas de encontrar uma saída, o que explica o aparente caos em algumas decisões da companhia.
Os sinais são claros. Por exemplo, o básico do manual de RH é fazer cortes de pessoal de uma única vez, o mais rápido possível. Mas há três anos, a emissora realiza demissões ininterruptamente em espaços de dias. A Globo sonha ser a Netflix, mas se comporta como a Blockbuster.
Mesmo a tentativa de concorrer no digital parece cada vez mais um discurso desconectado da realidade. O Globoplay pode bater de frente com Netflix e demais gigantes de tecnologia quando ele mesmo se torna cada vez mais uma plataforma para venda de seus maiores concorrentes? Disney+ e Apple TV+ levariam anos para ganhar os assinantes que o Globoplay entregou ao fechar a parceria com os dois concorrentes.
A própria Globo destacou essas parcerias com concorrentes como uma relevante fonte de receita da plataforma em relatório para o mercado.
A Globo, diferentemente de outras emissoras brasileiras, escolheu lutar em duas frentes de batalha. De um lado, combate o declínio natural da TV aberta e a cabo. Do outro, tenta vencer a guerra do streaming com gigantescos investimentos no Globoplay. Filmes e séries, depois do futebol, já são os maiores custos da Globo e ajudam a explicar o prejuízo do primeiro semestre.
Mas o Globoplay não para de crescer, e o streaming é o futuro. É verdade. Mas o Globoplay dá lucro? É viável como concorrente das maiores empresas de tecnologia do mundo? E principalmente, no dia que der (se der) lucro, será suficiente para manter a Globo no mesmo patamar de relevância do passado?
A ida de Ingrid Guimarães, Lázaro Ramos e tantas estrelas para o Prime Video e outros serviços de streaming dá indícios de onde está a aposta de quem faz TV. Se você é um astro da Globo e vê a empresa romper com colegas com décadas de carreira sem muita cerimônia, essa é a empresa para você apostar seu futuro profissional? Se a Globo não topou negociar nem com Faustão, o maior apresentador da TV brasileira, quais as chances de qualquer outro talento da casa ter uma discussão salarial ou visão divergente da direção?
Sobre o plano da Globo de ser uma media tech, você imagina um programador ou funcionário da área de tecnologia, disputado por grandes multinacionais ou promissoras startups, recusando propostas de trabalho para ficar na Globo?
Ao apostar todas as fichas no digital, a Globo corre o risco de ficar no meio do caminho e sofrer um apagão criativo ao não reter suas estrelas do conteúdo que se sentem desprestigiadas. Pode ainda não conseguir atrair grandes talentos da área tecnológica. Agora, até tradicionais clientes da TV como o Magazine Luiza, com sua nova área de conteúdo e publicidade, se tornaram concorrentes.
Para quem está no dia a dia da Globo, um fantasma existencial assombra cada decisão. Isso explica por que um produto de 26 anos como Malhação entra nos planos da emissora e, de repente, desaparece.
Para quem vê de fora, um novo corte ou uma demissão na Globo parece mesquinho. Para quem está lá dentro, é parte de outros sinais de declínio.
Gradualmente, a Globo parece se tornar um daqueles personagens de novela que era milionário, mas depois de perder a fortuna é obrigado a viver na periferia e tenta manter os hábitos e discurso dos tempos áureos. O resultado é caótico e caricato. A saída de ícones, sucessivos cortes de funcionários, o discurso da digitalização (desculpe, media tech) e as constantes reviravoltas são parte desse enredo.
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