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COLUNA DE MÍDIA

Primeira fase da reorganização da Globo chega ao fim sem muito a celebrar

João Cotta/TV Globo

De paletó e camisa azul, Jorge Nóbrega discursa diante de um telão

Presidente do Grupo Globo, Jorge Nóbrega destacou resultados dos últimos três anos

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 6/8/2021 - 20h05

Dias atrás, o jornal Valor Econômico publicou uma reportagem sobre o fim da primeira fase do projeto de reorganização do Grupo Globo. O presidente executivo Jorge Nóbrega foi o porta-voz da empresa e reforçou que o plano de se tornar uma "media tech" segue em curso.

Muitos não entenderam por que a Globo falou ao mercado por meio do Valor, uma vez que não tinha nenhuma novidade ou número de crescimento relevante para destacar. Possivelmente, a iniciativa foi uma maneira de a empresa se mostrar mais acessível e aberta a discutir novas parcerias, disposta a ir além do que toparia até recentemente.

Há um espaço considerável no texto para mostrar como o grupo encolheu (e teria se tornado mais eficiente). Quatro empresas (TV Globo, Globosat, Globoplay e Globo.com) se tornaram uma. Boa parte dos cargos desses diferentes negócios foi extinta. A Som Livre foi vendida

"A tarefa de virar uma 'media tech' exige tornar mais eficientes as operações tradicionais para manter uma boa gestão de caixa e apoiar novos produtos digitais, como o Globoplay, que têm alto crescimento mas ainda requerem investimento pesado", disse Nóbrega na reportagem.

Ou seja, a Globo corta no seu negócio tradicional para investir no Globoplay e em outras iniciativas D2C (direct to consumer). Mas esses negócios digitais demandam altos investimentos e têm receita baixa em comparação com o que a TV fatura. O Globoplay ainda levará anos para dar lucro (se der).

Aposta no digital

"Somos, hoje, uma companhia com dois corações: a produção de conteúdo, que sempre foi nossa fortaleza, e a tecnologia", resumiu o executivo.

Atualmente, 1,5 mil pessoas trabalham no "hub digital" criado para fornecer as ferramentas necessárias à abordagem D2C, de relacionamento direto com o consumidor, segundo o texto.

A Globo afirma ter uma base com 110 milhões de usuários e ser capaz de gerar mais de 10 bilhões de registros do que eles fazem nas propriedades digitais da empresa. O quanto isso representa em receita para a Globo, o crescimento dessa área digital nos últimos anos ou qual o percentual de contribuição para os resultados, são perguntas que ficam sem respostas.

O destaque positivo, segundo o texto, são os podcasts da Globo. Citam como referência o tamanho do mercado americano, superior a US$ 1 bilhão, mas nada sobre números e receita da Globo no segmento. Contam que a área de podcasts da empresa cresce 12% ao mês, mas não se sabe se são 12% de 100 mil ou 10 milhões de usuários. Dependendo do tamanho da base, pode ser muito ou pouco.

A Globo tem usado os podcasts como exemplo de sucesso há meses. Mas não há nenhum indicativo de que a área seja rentável ou mesmo se o faturamento publicitário dos podcasts da Globo tem crescido ou é relevante. Nóbrega explicou que o momento é de educar o mercado (sobre investir em podcasts), o que dificilmente se traduz em uma receita robusta em curto prazo.

Os novos estúdios que custaram R$ 207 milhões são outro destaque no texto, mas foram inaugurados ainda em 2019. No evento de abertura dos estúdios, Nóbrega já alertava que a empresa trabalhava com previsão de resultado operacional negativo para os próximos três anos.

Em 2017 e 2018, os custos da Globo já eram maiores do que as receitas, e a emissora só não teve prejuízo por causa dos ganhos com aplicações financeiras de lucros bilionários de exercícios anteriores.

Reestruturação: fase dois

A reportagem revelou ainda que o projeto de reorganização segue em curso e que os ativos da Editora Globo --que publica o Valor-- devem ser incorporados ao grupo. Traduzindo, a editora deverá ser extinta, a exemplo de outras empresas do grupo. As marcas impressas da empresa devem ser incorporadas ou vendidas. 

Recentemente, a revista Época foi descontinuada e virou uma seção do jornal O Globo. Títulos como Marie Claire, Vogue, Glamour e GQ não pertencem à Globo, são licenciamentos ou parcerias, como no caso das marcas da Condé Nast. Crescer, Globo Rural e Auto Esporte operam com uma fração dos investimentos que já tiveram anos atrás.

Nóbrega afirmou que a Globo busca alianças com bancos, varejistas e empresas de serviço, entre outros tipos de companhias. A ideia seria criar novos modelos de negócio usando a capacidade da Globo de gerar conversas.

O executivo disse ainda que os formatos estariam sendo estudados, mas envolveriam inclusive comissões de vendas. Este ponto possivelmente é a chave para entendermos a empresa vir a público e se comunicar com o mercado. 

Novos concorrentes no Brasil

A Globo pode estar preocupada com os crescentes investimentos de grandes varejistas e bancos na produção de conteúdo e estaria disposta a fazer mais concessões do que no passado para concretizar novas parcerias.

O Magazine Luiza, por exemplo, nos últimos meses comprou o Jovem Nerd, o Canaltech e a InLoco Media. Ou seja, além de Netflix, Amazon, Google e Facebook, e demais gigantes de tecnologia, a Globo também terá de concorrer com gigantes do varejo e sistema bancário brasileiro, como Magazine Luiza, XP, Ambev e demais marcas que apostam na geração do conteúdo dentro de casa.

Para um analista financeiro que acompanha a Globo, fechar parcerias com varejistas e bancos seria perfeito, e o plano de usar os dados dos usuários faz sentido. Mas é difícil fazer isso.

Quem investe quer ter alguma forma de controle,  e no caso da Globo, também existe ainda um potencial conflito de interesses. Por exemplo, se a Globo se tornar sócia da Heineken em um projeto, a Ambev aceitaria seguir anunciando ou se sentiria preterida? No papel, a ideia é boa, mas é difícil de ser executada.

Uma venda do Grupo Globo ou de partes do grupo para empresas que buscam entrar na área de produção de conteúdo seria um caminho mais fácil e poderia gerar mais valor para os acionistas.  

Passados três anos do projeto Uma Só Globo, fica claro que os cortes de custos foram drásticos na TV. Se eles serão efetivos para a Globo de fato se tornar uma empresa digital competitiva e seguir independente, é uma questão que ainda precisa ser respondida. 

Existe ainda o risco da Globo "esquecer" como se faz novelas e até sofrer uma debandada de talentos na área de mídia tradicional, que se sente cada vez mais desprestigiada, apesar de ainda trazer grande parte do lucro. E os novos concorrentes tem levado muita gente boa de conteúdo que já foi da emissora carioca.

Até aqui, a Globo termina a primeira fase do seu projeto de reorganização sem mostrar números detalhados de seu crescimento, com sua grande aposta no digital ainda consumindo grande volume de recursos e com desafios ainda maiores pela frente. Por enquanto, não existe muito a celebrar. 


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