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COLUNA DE MÍDIA

Globo se rende ao Google, ameaça agências e coloca concorrentes em desvantagem

DIVULGAÇÃO/FREEPIK

Um notebook atrás, enquanto o foco é uma mão segurando um celular, no qual a tela mostra a página do Google

Globo e Google fecharam parceria exclusiva que promete beneficiar ambos os lados

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 15/4/2021 - 6h45
Atualizado em 15/4/2021 - 19h18

A Globo surpreendeu o mercado ao anunciar, dias atrás, uma grande parceria exclusiva com o Google. Com isso, a emissora carioca ganhará acesso às mais avançadas tecnologias de machine learning, inteligência artificial e nuvem, e também deverá resolver problemas como as constantes quedas do Globoplay.

Por sua vez, o Google, que há anos vê seu negócio de nuvem patinar e ficou para trás da Amazon e da Microsoft, tem a chance de saltar à frente dos rivais em um dos segmentos que mais cresce na área, o streaming. Segundo o Wall Street Journal, a Amazon em 2015 teve uma grande liderança no mercado de nuvem, o que lhe deu a capacidade de obter alguns lucros enquanto ainda investia pesadamente no negócio.

O Google --que ocupa um distante terceiro lugar, atrás da Amazon (AWS) e da Microsoft (Azure)-- está jogando um jogo caro de recuperação. Suas despesas de capital representaram em média 14% da receita nos últimos cinco anos, em comparação com 10% da Amazon e da Microsoft.

A Microsoft não informa as vendas do Azure separadamente, mas são claramente muito maiores. A receita da Intelligence Cloud sozinha foi de US$ 15 bilhões no último trimestre. Na AWS, a receita cresceu quase 29% no ano passado, para US$ 45 bilhões.

Ao falar sobre o negócio de nuvem do Google, a diretora financeira da empresa, Ruth Porat, disse na última teleconferência sobre lucros que "pretende manter um alto nível de investimento, dada a oportunidade que vê".

Então, trazer para o Google a Globo, que se tornará seu maior cliente de nuvem da América Latina, pode ter sido um grande investimento, possivelmente com preço abaixo da média do mercado.

reprodução/youtube

Globo anunciou a nova parceria

A parceria ainda permitirá ao Google desenvolver know-how para concorrer com a Amazon, que já atende os maiores streamings do mundo, Prime Video, Netflix e Disney+. Vale lembrar que o streaming também concorre com o YouTube, empresa do Google.

Além disso, o Google ganha a oportunidade de entrar no bilionário mercado de publicidade de TV e saltar à frente de seus concorrentes. A publicidade ainda representa 81% da receita do Google --que, como um todo, arrecadou US$ 168 bilhões em seu último ano fiscal.

As vendas do Google Cloud em 2020 aumentaram 46%, para US$ 13 bilhões, de acordo com a divulgação de lucros da Alphabet em fevereiro passado, marcando a primeira vez que a empresa reportou receita independente para a unidade.

O movimento pode ser uma tacada de mestre da Globo e do Google e realizar a máxima de que, se não pode com eles, junte-se a eles. Mas as consequências dessa união devem ter um impacto profundo no mercado brasileiro (e potencialmente global), particularmente nas outras emissoras de TV e nas agências de publicidade tradicionais.

Beco sem saída

Primeiro, é preciso entender o contexto que levou à união desse estranho casal. As TVs no mundo inteiro têm sofrido com a migração de sua audiência para o streaming e com a queda de publicidade, que cada vez mais segue para plataformas digitais. Com a Globo não foi diferente. Em 2020, não fosse por manobras como a rescisão do contrato da Conmebol e os grandes cortes de custo, a emissora teria fechado o ano com prejuízo.

Na outra ponta está o Google, que junto com o Facebook e a Amazon, concentra quase 90% dos investimentos em digital nos EUA, segundo estimativa do GroupM (e caminha para os mesmos patamares no Brasil e restante do Ocidente).

Quando existe um monopólio virtual de um setor, como acontece na publicidade digital, o único modo de crescer é encontrar novos mercados. E a TV, mesmo em queda, ainda é uma oportunidade gigantesca.

Segundo o relatório TV Advertising Global Market Report 2020-30: COVID-19 Growth and Change, o mercado de TV no mundo em 2020 caiu 5%, indo de US$ 102,02 bilhões em 2019 para US$96,92 bilhões em 2020. A queda é significativa e foi acelerada pela pandemia, mas ainda são quase US$ 100 bilhões para o Google correr atrás.

reprodução/TV GLOBO

Canal aberto é transmitido no Globoplay

O crescimento de 320% do streaming no Brasil desde 2019 e as recentes mudanças na TV Globo --como transmitir seus canais abertos no Globoplay, plataforma que já tem mais de 30 milhões de usuários, e unificar todas as suas marcas em uma campanha que exalta sua presença digital-- são exemplos de como o futuro da TV no digital é inescapável e a própria Globo já atua neste sentido.

Mas todo esse esforço de digitalização da Globo esbarrava nas limitações tecnológicas. Toda empresa afirma querer ser de tecnologia atualmente, a questão é ter a cultura e o dinheiro para fazer isso acontecer.

As constantes quedas do Globoplay são uma demonstração de como essa tarefa pode ser desafiadora. Apesar dos milhões gastos em infraestrutura pela Globo (a empresa já é uma das maiores compradoras de nuvem na América Latina), quanto mais usuários ela ganha, pior se torna a experiência de seus assinantes.

Agora, a Globo se liberta de seu maior entrave, a tecnologia, e pode focar seus recursos na produção de conteúdo e em novos negócios. Vale notar que a decisão mais natural para a Globo na escolha de um parceiro de nuvem seria a AWS, da Amazon. A empresa já atende os líderes Netflix, Prime Video e Disney+.

Então, é natural imaginar que o Google ofereceu bem mais do que somente o acesso à nuvem para a Globo. Além de um preço irrecusável, a gigante tem outras tecnologias, principalmente para a venda de publicidade. Netflix, Prime Video e Disney+, grandes clientes de nuvem da Amazon, não têm publicidade e vivem de assinaturas.

Publicidade na TV como no digital

Ao comentar a parceria, Jorge Nóbrega, CEO da Globo, destacou que mais de 50% dos lares brasileiros podem ter acesso a um ecossistema de TV conectada --o que representa uma forte oportunidade para "(re)começar a pensar a TV como um grande meio de comunicação, trazendo todas as métricas e modelos de negócios típicos da publicidade digital para abrir a TV".

Se sua TV tem um sistema operacional, ela é praticamente um computador. E há grandes implicações, particularmente na capacidade de permitir a entrega de publicidade customizada para quem assiste a um programa, da mesma forma que acontece quando você vê publicidade em plataformas digitais.

A addressable TV, essa capacidade de vender publicidade da mesma forma que é negociada no digital, permite até que pequenas e médias empresas anunciem. Hoje, apenas grandes anunciantes conseguem entrar na Globo.

reprodução/youtube

Plataforma Hulu inova nas campanhas

Na plataforma de streaming Hulu, por exemplo, a partir de US$ 500, você já pode rodar sua campanha da mesma forma que acontece no Google Ads, programando tudo em um dashboard na sua conta de anunciante.

E essas mudanças podem se tornar um grande problema para as outras TVs. Além de ter o maior volume de conteúdo, audiência e recursos, a Globo também ganharia uma grande vantagem na venda de publicidade com a capacidade de segmentar seus anúncios da mesma maneira que acontece na internet.

Ou seja, se sua TV é um computador e passa a "armazenar" seu padrão de consumo e perfil, a publicidade da sua casa pode ser diferente da exibida na casa do seu vizinho.

Em tese, um programa como o Big Brother poderia ter milhares de anunciantes, e cada espectador veria uma publicidade diferente. E essas marcas passariam a comprar um perfil específico de audiência, o que tornaria esses anúncios mais eficientes e mensuráveis.

Hoje, nenhuma tecnologia de publicidade no mundo se compara à do Google e de seu volume de dados. Ter acesso a essas plataformas colocaria a Globo em uma posição de vantagem absoluta frente a seus concorrentes. E o Google também ganharia, porque teria ainda mais dados de usuários. A emissora e suas plataformas digitais alcançam diariamente 100 milhões de brasileiros.

Não é acaso que o primeiro projeto nesse trabalho de coinovação, já em andamento, será a integração customizada da Globoplay com o sistema operacional Android TV, com o objetivo de combinar a programação da rede aberta com a da TV online.

O objetivo é criar maneiras de o público assistir à Globo por meio de um sinal digital padrão, criando um ambiente de TV integrado que aprimora a experiência do público e oferece novas formas de segmentação para o telespectador.

A lógica também vale para outros mercados. No México, as redes Televisa e Univision anunciaram na terça-feira (13) que vão se fundir em um único grupo, a Televisa-Univision. O Google será uma das empresas responsáveis por financiar a fusão.

Adeus, agências?

Uma vez implementada a tecnologia de publicidade digital em TV, seria natural que a Globo acabasse com a prática da BV (bonificação por volume), na qual quanto mais ações comerciais uma agência coloca em um veículo durante determinado período de tempo, seja um ano ou um semestre, mais bônus essa agência recebe da empresa de comunicação. A Globo inclusive é alvo de um inquérito no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre a prática.

A prática da BV não existe no mercado digital. Ela é uma jabuticaba, executada somente no Brasil, e principalmente na TV. E essa se tornou uma das grandes brigas entre anunciantes e agências.

As agências tradicionais historicamente beneficiam a TV para receber a BV. Os grandes anunciantes, boa parte multinacionais, se sentem lesados ao ter que pagar por um "pedágio" que não existe em outros países.

Dizer que a BV é a causa da crise da publicidade na TV brasileira é um exagero. No mundo todo a publicidade cresce no meio digital basicamente porque é mais fácil para as empresas mensurarem os retornos.

Mas, com ou sem BV, disparou o número de anunciantes que têm criado equipes internas de compra e produção de mídia. Cada vez mais, até as pequenas e médias empresas ignoram a TV e as agências e compram mídia diretamente no Google e Facebook, nos quais a operação é cada vez mais simples e acessível.

Ou seja, nesse momento, a BV é mais um problema do que uma solução para a Globo, já que os anunciantes comparam o retorno do investimento entre online e offline, com franca vantagem para o primeiro, onde a riqueza de dados torna mais fácil medir o retorno do investimento e os investimentos sem BV tendem a ter melhor custo-benefício.

Então, as agências terão uma vida ainda mais dura com a parceria Globo e Google, à medida que se cortam os intermediários na compra de mídia e diminui a receita de BV. Elas terão de ser mais criativas para convencer seus clientes a seguirem investindo com elas.

Tudo junto e misturado

Sem ter acesso ao contrato, é difícil avaliar a real extensão da parceria. Mas recentes notícias afirmam que a Globo negocia com o Disney+ para produzir conteúdo em seus estúdios no Brasil.

A Globo também negocia a venda fora do Brasil de seu conteúdo para outras plataformas. Por outro lado, o Google tem investido na produção de conteúdo exclusivo para o YouTube e tentado conter o crescimento de Netflix e Disney+.

reprodução/youtube

YouTube proporciona serviço à parte

O YouTube também oferece o YouTube TV, seu serviço com assinatura. Dependendo de como andar a parceria, a Globo poderia até se tornar um fornecedor exclusivo do Google. Além de aumentar o acervo, reduziria a efetividade de Netflix e Disney+ no Brasil. O mercado brasileiro é visto como prioritário para as maiores empresas de streaming.

Certamente, existe o risco de a Globo se tornar a noiva abandonada no altar. O contrato de exclusividade com o Google tem duração de sete anos. No final desse noivado, a empresa de tecnologia poderia oferecer os mesmos serviços e tecnologias para as demais TVs brasileiras. Ou ainda dominar completamente a publicidade da Globo.

Se, como afirmam analistas, o destino da TV for o mesmo da mídia impressa, o movimento da Globo foi um grande acerto. Mas sua dependência do Google crescerá a ponto de sua sobrevivência sem o Google se tornar impossível. De todo modo, viver sob a tutela do Google ainda é melhor que falir.

Outro lado

Após a publicação deste texto, a comunicação da Globo procurou a coluna para apresentar a sua versão dos fatos. Segue a nota, na íntegra:

"Com relação à coluna 'Globo se rende ao Google, ameaça agências e coloca concorrentes em desvantagem', a Globo esclarece alguns fatos que mostram o desconhecimento do colunista sobre o mercado de publicidade brasileiro. Em primeiro lugar, é importante reforçar que a Globo tem relacionamento com mais de 6 mil agências e anunciantes em todo o país, de todos os tamanhos, e tem investido, cada vez mais, para fortalecer o ecossistema de publicidade em todo o país. A visão, portanto, de que apenas grandes anunciantes anunciam na TV não reflete a realidade.

A despeito da bonificação das agências, é importante esclarecer que planos de fidelidade e incentivo são ferramentas de desenvolvimento de negócio legais, legítimas e aplicadas no mundo inteiro, em mercados muito diversos da comunicação. No Brasil, os planos de incentivo às agências são igualmente praticados por todas as empresas de mídia, sejam elas emissoras de TV ou veículos digitais. Não é verdade, portanto, a afirmação de que a prática de bonificação não existe no mercado digital. É importante considerar ainda que o modelo brasileiro, apoiado pelas associações representativas de anunciantes, agências e meios, garantiu as condições para o desenvolvimento do trade e a reputação da propaganda brasileira como uma das mais criativas e sofisticadas do mundo.

Além disso, ao dizer que a publicidade digital no mundo todo estaria crescendo porque é mais fácil para as empresas mensurarem o retorno do investimento, o colunista desconsidera não só os avanços da Globo na construção de modelos de atribuição que enxergam toda a jornada do consumidor nas suas plataformas, como também o inegável retorno que a TV, isoladamente, traz para o anunciante. Basta olhar, por exemplo, para a mobilização provocada pelo BBB e a sua capacidade de gerar conexão entre o público e as marcas presentes na atração.

Outro ponto importante a ser destacado é que o conceito de TV 3.0 está fundamentado na visão de um mundo no qual estão preservados atributos importantes da TV, como qualidade, alcance, transparência e brand safety, que se unem às métricas do digital. Estamos falando de uma experiência integrada, que conjuga o melhor dos dois ambientes, oferecendo uma experiência ainda melhor e maior para o público e para o mercado.

Por último, a parceria entre Globo e Google Cloud não configura uma relação de dependência da nuvem do Google Cloud. A Globo passa a ser dependente da nuvem pública, mas não necessariamente do Google. Todo o trabalho de migração está apoiado na tecnologia multicloud, portanto a migração de workloads para outras nuvens públicas é prerrogativa da Globo. De toda forma, o acordo tem cláusulas bem estruturadas para que isso não venha a acontecer, pois a Globo acredita no crescimento e no valor desta parceria por muitos anos."


Este texto é argumentativo e não expressa necessariamente a opinião do Notícias da TV. A Coluna de Mídia é publicada toda quinta-feira.


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