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AGRESSORES LIVRES

Com feminicídio, Coisa Mais Linda escancara que nada mudou em 60 anos no Brasil

REPRODUÇÃO/NETFLIX

Gustavo Vaz aponta uma arma de fogo com expressão de ódio em cena como o personagem Augusto de Coisa Mais Linda

Augusto (Gustavo Vaz) em cena de Coisa Mais Linda; assassino fica livre após matar a mulher

DÉBORA LIMA

debora@noticiasdatv.com

Publicado em 26/6/2020 - 5h28

[Atenção: este texto contém spoilers]

Ambientada nos anos 1960, Coisa Mais Linda definitivamente não é uma série de época. A produção escancara que nada mudou no Brasil em 60 anos quando o assunto é violência contra a mulher. Assassino confesso de Lígia (Fernanda Vasconcellos), Augusto (Gustavo Vaz) segue a vida normalmente e planeja até uma carreira política. Situação não muito diferente da vivida em 2020.

Na segunda temporada do drama da Netflix, o público descobre o desfecho do crime cometido na noite de Réveillon. Lígia não registiu ao tiro disparado pelo marido, sendo mais uma vítima fatal da violência doméstica. A morte da aspirante a cantora abala as protagonistas, principalmente Malu (Maria Casadevall), que também foi atingida por um disparo do agressor.

Augusto passa parte da nova leva de episódios foragido, mas resolve reaparecer de surpresa na reta final. O assassino se diz pronto para enfrentar as consequências de seus atos e encarar seu julgamento. As cenas no tribunal são bastante fortes. Malu, Thereza (Mel Lisboa) e Adélia (Pathy Dejesus) dão depoimentos marcantes sobre as agressões sofridas por Lígia durante o casamento.

Tudo indica que o agressor será preso pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio, mas, por ser réu primario e não ter antecedentes criminais, ele apenas é "condenado" a uma pena de quatro anos em regime aberto. Augusto, então, segue com sua vida como se nada tivesse acontecido. Ele arranja uma nova namorada, frequenta festas da alta sociedade e almeja uma candidatura a vereador.

A impunidade em casos de violência contra a mulher, porém, não é coisa da ficção. Retrato do que é ser mulher em uma sociedade machista, Coisa Mais Linda reproduz uma história vivida na pele por milhares de vítimas da violência doméstica há anos. Augusto não está sozinho e acumula semelhanças com assassinos famosos que tomaram as páginas policiais dos jornais, mas que hoje vivem normalmente, livres.

A vida imita a arte?

Em 1992, o ator Guilherme de Pádua assassinou Daniella Perez, filha de Gloria Perez. Eles faziam parte do elenco da novela De Corpo e Alma, a primeira que Gloria assinou como autora principal. Após ser condenado, preso e libertado, ele virou pastor. Pádua voltou à mídia por ter participado de uma manifestação a favor do presidente Jair Bolsonaro em frente ao Congresso Nacional em maio.

Já em 2000, a jornalista Sandra Gomide foi morta por Pimenta Neves, ex-diretor de Redação do jornal O Estado de S. Paulo. Os dois namoraram durante quatro anos, mas o homem não aceitou o fim do relacionamento e assassinou a namorada. Neves foi preso somente em 2011, com uma pena de 19 anos. Mas ficou atrás das grades durante apenas cinco anos e passou para o regime aberto em 2016.

Eliza Samúdio é mais um nome marcado pela violência. A modelo foi morta em 2010 por Bruno Fernandes, na época goleiro do Flamengo. O corpo da mulher não foi encontrado até hoje, e a suspeita é que Bruno teria jogado o cadáver da ex-companheira aos cachorros de seu sítio.

Condenado a 22 anos e três meses pelo envolvimento no crime, o goleiro conseguiu uma progressão para o regime semiaberto em outubro de 2019, e foi liberado a jogar no Poços de Caldas FC. Bruno voltou a ser notícia nesta semana após fazer propaganda de um canil no Rio de Janeiro.

Estes são somente alguns dos exemplos em que a violência contra a mulher é fatal. Mas não são raros os nomes famosos envolvidos em agressões contra suas respectivas companheiras. Victor Chaves, Netinho de Paula, Dado Dolabella, Naldo Benny, Kadu Moliterno, o rapper norte-americano Chris Brown...

A lista é gigante; as semelhanças, gritantes. Afinal, qual destes homens realmente teve a vida prejudicada pelos atos de violência? O mesmo não pode se dizer das vítimas. As mulheres que conseguiram sobreviver à violência doméstica levam as cicatrizes pelo resto da vida.

Feminicídio no Brasil

Cinquenta e cinco anos separam a trama de Coisa Mais Linda da Lei do Feminicídio. Em 9 de março de 2015, o Código Penal foi alterado para a inclusão de tal crime como uma modalidade do homicídio qualificado.

A nova lei é aplicada quando a violência é praticada contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Ou seja, quando uma mulher é morta pelo simples fato de ser mulher. "A lei considera feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima", explica a Agência Câmara de Notícias.

Aliada à Lei Maria da Penha, de 2016, ela foi uma importante vitória para as mulheres brasileiras, que agora têm um respaldo da Justiça nessas situações. É um pequeno acalento para Lígias, Daniellas, Sandras, Elizas e tantas outras mulheres que sofrem este tipo de agressão. Se o Brasil não mudou nada nos últimos 60 anos, só nos resta a esperança de que parem de nos matar no futuro.


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