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ENTREVISTA

Com novela adiada, Tony Ramos rejeita o novo normal: 'Uma bobeira esse termo'

FABIO ROCHA/TV GLOBO

Tony Ramos em ensaio para divulgar reprise de Laços de Família (2000), na Globo

Tony Ramos em ensaio para divulgar reprise de Laços de Família (2000), na Globo; ator prepara volta à TV

ELBA KRISS

elba@noticiasdatv.com

Publicado em 23/5/2021 - 7h15

Se não fosse a pandemia, Tony Ramos, 72, anos estaria a todo vapor nos estúdios da Globo. O ator está escalado para ser o vilão de Olho Por Olho, futura novela das nove escrita por João Emanuel Carneiro. Adiada, a produção tem previsão para iniciar gravações em outubro ou novembro. O veterano que está acostumado a emendar um trabalho no outro quer de volta sua rotina, a de antes da Covid-19. Para ele, não existe o chamado novo normal. "Eu acho uma bobeira esse termo", declara.

"Para mim não tem nada de voltar para o novo normal. Temos que voltar ao normal. Não é que eu não aceite. Se disserem: 'É obrigado a falar novo normal', eu falo. Falo, mas sem acreditar. Eu sempre digo: 'Quero voltar ao normal'. O que era o normal? Era eu poder sair, ir a um restaurante, trabalhar no meu estúdio, fazer minhas externas, criar meus projetos, fazer cinema etc. Esse é meu normal", explica ao Notícias da TV.

Desde que tudo parou por causa do coronavírus, Ramos se isolou em sua casa no Rio de Janeiro. Ele e a mulher, Lidiane Barbosa, ficaram até seis meses sem ver os netos. A insegurança por ter um vírus inimigo pairando pelo ar preocupou a família. Intelectual, o artista foi atrás de médicos e de estudos da ciência para se informar sobre a nova doença. Para ele, estudar, ler e cultivar conhecimento são sinônimo de trabalho.

Ele até ficou longe do ofício que mais ama: a atuação. Mas seguiu trabalhando, ou melhor, alimentando seu conhecimento na comunicação. Aproveitou o momento em casa para conferir as reprises de novelas que rechearam a programação da televisão. Conferiu o próprio trabalho em Laços de Família (2000), na Globo, e em Mulheres Apaixonadas (2003), no Viva. Também surfou pelo streaming do Globoplay.

Agora vacinado, o ator se diz pronto para voltar. O rigoroso esquema de segurança da Globo por causa da Covid-19 não o assusta. "Isso aí é o menor dos problemas. É seguir o protocolo e não ficar com nhe-nhe-nhem. Vai lá, faz o protocolo e vai trabalhar", considera.

O que ele teme é que a população se conforme com a nova forma de viver que surgiu durante a pandemia. Daí a rejeição ao termo novo normal. "Não é que eu negue. Sabe a coisa chata que sou contra? Não é nada disso. Apenas não aceito para a minha vida e para o jeito que eu penso esse novo normal. Eu quero voltar ao normal. A anormalidade foi a epidemia", esclarece.

Em conversa com o Notícias da TV, Ramos fala sobre seu isolamento, adianta curiosidades de sua próxima novela, relembra personagens marcantes na televisão e lamenta a morte de Paulo Gustavo (1978-2021), Eva Wilma (1933-2021) e Nicette Bruno (1933-2020).

Confira entrevista exclusiva de Tony Ramos ao Notícias da TV:

Notícias da TV - Como está sendo sua quarentena nesta pandemia?
Tony Ramos - Claro que está sendo muito difícil para todo mundo. O começo era uma incógnita. Você não sabia direito como lidar com o vírus. A própria ciência estava buscando caminhos. Mas logo depois a ciência veio com a resposta. Então, foi assim, começo de expectativa ali em meados de março, abril e maio.

A partir de junho, quando a gente viu estabelecida aquela pandemia mundial, tivemos que nos proteger, eu, minha companheira, meus netos... Enfim, ficamos, por exemplo, sem nos vermos, seguramente, uns seis meses. Usávamos o Facetime, essa coisa toda. Foi um exercício de aprendizado. Mas para mim não tem nada de voltar para o novo normal. Temos que voltar ao normal.

Notícias da TV - Você já tomou as duas doses da vacina?
Tony Ramos - Estou vacinadíssimo. As vacinas vêm para nos ajudar e não para nos atrapalhar. Por isso, daqui um ano, quando tiver de novo a vacinação anti-Covid-19, lá estarei tomando mais uma dose como faço com a vacina da gripe. Vacinas existem há quase 200 anos. Por isso a ciência é fascinante. Eu não misturo minha religiosidade com a ciência. Elas andam de mãos dadas de outra maneira. É uma panaceia, uma besteira, quando tentam fazer ligação da religiosidade com a ciência.

Notícias da TV - Você diz que não aceita esse novo normal...
Tony Ramos - Não é que eu não aceite. Eu acho uma bobeira esse termo. Se disserem: "É obrigado a falar novo normal", eu falo. Falo, mas sem acreditar. Eu sempre digo: "Quero voltar ao normal". O que era o normal? Era eu poder sair, ir a um restaurante, trabalhar no meu estúdio, fazer minhas externas, criar meus projetos, fazer cinema etc. Esse é meu normal. Não fazer um novo normal. O normal eu já tinha. Não é que eu negue. Sabe a coisa chata que sou contra? Não é nada disso. Apenas não aceito para a minha vida, para o jeito que eu penso esse novo normal. Eu quero voltar ao normal. A anormalidade foi a epidemia.

Notícias da TV - Sua próxima novela seria com o João Emanuel Carneiro, certo?
Tony Ramos - Sim, João Emanuel. A que eu estou pré-escalado é essa. Se não mudar, é esse o ritmo.

Notícias da TV - Você está pronto para voltar aos estúdios no novo protocolo contra Covid-19?
Tony Ramos - Claro que sim. Isso aí é o menor dos problemas. É seguir o protocolo e não ficar com nhe-nhe-nhem. Vai lá, faz o protocolo e vai trabalhar. É lógico que estou pronto. Agora é evidente também que até eu voltar a ir para o estúdio -- só lá para final de outubro--, eu quero crer que a população estará chegando perto da sua totalidade já vacinada. Mas não é por isso que você vai deixar de ter os cuidados.

Eu continuarei usando máscara para ir para a Globo quando for a hora de eu voltar para o estúdio. Vou usar máscara, álcool e ficar na distância regulamentar. Já é assim lá agora. E mesmo depois de todo mundo vacinado, continuará sendo pelo menos durante seis meses.

Notícias da TV - O que você pode adiantar dessa novela com o João Emanuel Carneiro?
Tony Ramos - Da novela, nada. Estou literalmente impedido. Não por maldade ou porque a Globo não permite. Mas, por exemplo, os contratos da Netflix e do Prime Video, não sei se você sabe, mas mesmo que o cara faça participação em um episódio, ele assina cerca de 20 e 30 páginas de um contrato em que ele não pode abrir nada até a estratégia de lançamento se manifestar.

É claro que eu sei como é a novela, sei da personagem. Vocês não perdem por esperar. João Emanuel vem, no bom sentido, babando porque ele está com uma ótima história. Daquelas que você está vendo e quando tem intervalo comercial você fala: "Meu Deus, vou correr porque eu quero ver" ou "E agora, o que vai acontecer?". De intervalo para intervalo tem suspense.

Paulo Belote/tv globo

Tony Ramos em cena de O Sétimo Guardião

É aquela novela em que os primeiros 28 capítulos são acachapantes. Para você ter uma ideia, a sinopse da novela --já estou com ela há um ano-- tem 110 páginas. E ele [Carneiro], para se preparar, continua lendo e relendo a obra dele. O que é ótimo porque, às vezes, ele descobre: "Ah, não, vou mexer nisso aqui", "vou fazer isso aqui", "vou criar esse personagem", "esse personagem vem para cá e outro vai para lá". Ele está tendo tempo de ler e reler a obra dele.

Notícias da TV - E você também está tendo tempo extra para se inspirar e preparar o personagem, não?
Tony Ramos - É, mas eu não recebi os capítulos escritos, só a sinopse. Os capítulos ainda não foram liberados justamente por isso, porque até entrar no estúdio, ele [Carneiro] pode ter outras ideias. A gente deve receber os primeiros 18 capítulos, que são três semanas…. Só devemos receber isso em meados de novembro.

Notícias da TV - E quando você se preparará para o personagem de fato? Aquela coisa de cabelo, bigode, o visual do personagem.
Tony Ramos - Estou com o cabelo sem cortar. Eu só cortei o cabelo, acho que sei lá, com o cabeleireiro da minha mulher que veio um dia e deu um toque nele (risos). Mas acho que isso foi há três meses. E estou deixando, não tenho compromisso com nada oficial. Tudo isso é até bom, porque se tiver que raspar o cabelo, eu raspo. Se tiver que cortar miudinho ou se tiver que passar máquina dois, eu passo. Não tenho esses problemas.

Então, vou aguardar. Porque aí entra figurinista, entra o diretor-geral, o Carlos Araújo. Entra toda a parte visual da novela e, obviamente, o autor. Ele tem lá na cabecinha dele algumas coisas que gostaria que eu fizesse. Existe uma base de orientação, mas poderá ser totalmente diferente quando a figurinista ou o cenógrafo falarem. Todo mundo participa dessa discussão que só vamos ter a partir de novembro.

Notícias da TV - Você citou Netflix e Prime Video. Percebo que está por dentro dos novos moldes de contratação e do streaming, certo?
Tony Ramos - Há muito tempo. Eu sou assinante de duas publicações americanas. Sou assinante da Variety [revista especializada em cinema e televisão] e da TV Guide [revista especializada na programação televisiva dos Estados Unidos].

Estão anunciando sobre a AT&T, que é uma empresa de telefonia. Eles estão anunciando a fusão, a maior gigante de streaming do mundo. Vão juntar Discovery, Warner e a AT&T. É uma empresa que nascerá valendo perto de US$ 300 bilhões. Então, são novos momentos. O mundo da comunicação está convivendo e coabitando com outras plataformas. E uma não matará a outra.

Notícias da TV - Isso quer dizer que você já foi procurado por algum streaming?
Tony Ramos - Eu não falo sobre isso porque tenho um contrato com a TV Globo até o ano que vem. Portanto, jamais falaria isso. Não é nem ético.

Notícias da TV - Mas está de olho e se inteirando de tudo, certo?
Tony Ramos - Estou de olho porque sou um homem de comunicação. Eu faço televisão há 57 anos. Com a graça de Deus, continuamente. Eu sempre estudei televisão. Eu já participei de workshops fora do Brasil na década de 1980 e 1990. Eu leio muitos livros. Leio meus jornais, como Folha de S.Paulo, Estadão, O Globo, porque sou assinante dos três. Leio de manhã com o cachorro correndo pela casa e tomando o meu café.

Tenho também a assinatura digital do Corriere della Sera [Itália] e do Le Monde [França]. Gosto da publicação de domingo do The New York Times. Então, eu estou sempre antenado com tudo. Só não estou em rede social. Não me interesso porque não é o meu perfil. Não quero saber da vida dos outros, não quero saber se estão falando isso e aquilo.

Notícias da TV - A pandemia trouxe as reprises de novelas para a programação da TV, como Laços de Família. Você conferiu alguma?
Tony Ramos - Claro, muita coisa por curiosidade. Não se esqueça de que eu faço novelas. Então, às vezes, ela está no ar e eu não assisto porque estou no estúdio. Quando chego na minha casa às 22h, muitas vezes, a novela está no último bloco.

Teve a reprise de Êta Mundo Bom! [2016], maravilhosa novela do Walcyr [Carrasco], que eu acompanhei. Quantos e quantos momentos de Laços de Família me emocionaram agora. Mas muitos! Agora Mulheres Apaixonadas [2003] foi para o Globoplay. Ela já era reprisada pelo canal Viva. Quantas e quantas noites eu fui lá ver e matar a saudade de momentos lindos de Mulheres Apaixonadas. E agora, no Globoplay, é uma maravilha porque quando eu quiser, por exemplo, posso rever a cena do tiroteio quando a personagem da Vanessa Gerbelli [Fernanda] acaba vindo a falecer e minha personagem leva uma bala perdida na cabeça.

Notícias da TV - Cena memorável essa.
Tony Ramos - Aquilo foi um momento lindo quando nós filmamos dois dias na rua Dias Ferreira, em pleno Leblon. E com o silêncio do povo, o que é difícil no meio da rua.

Eu lembro do Rogério Gomes, o diretor Papinha, com o microfone aberto dizendo: "Senhoras e senhores, eu sei que a invasão é nossa. Apesar dos senhores terem sido avisados com a devida antecipação que haveria dois dias de gravação aqui. Mas quando eu disser: 'Por favor, atenção gravando'. Eu conto apenas com --não que a vida de vocês não siga normal--, mas apenas que não tenha muito barulho para a gente poder entender depois quando for para o ar".

Ele com toda essa educação, e a TV Globo já tinha feito 15 dias antes todo um trabalho de preparar a rua, todo aquele quadrilátero e os comerciantes. Eram 300 metros de rua.

joão Miguel junior/tv globo

Vanessa Gerbelli e Tony Ramos

A gente chegava às 6h da manhã e tinha só de 7h até 13h, até a hora de começar o almoço nos restaurantes. Então, era um horário muito limitado. "Ah, mas tinha seis ou sete horas de gravação". Sim, mas isso é difícil. Você não faz um tiroteio, perseguição, carros alugados para fazer congestionamento... Você não faz em meia hora. Então, precisou-se de dois dias para fazer isso.

Você sabe que quando ele dizia: "Por favor, senhores. Atenção, gravando". Não havia tosse! É só pegar no Globoplay. Não tinha nada! No último dia, quando terminamos de gravar aquele tiroteio, tinha que fazer um silêncio para eu dar um olhar [para a câmera], eu olhava como quem diz: "O que foi que aconteceu?". O diretor viu que valeu e gritou no microfone: "Amigos, que delícia. Ficou ótimo! Muito obrigado, meu Deus. Obrigado a todos. Obrigado aos senhores pela compreensão".

Naquele momento, irrompeu uma salva de palmas dos prédios, dos restaurantes, das ruas em volta, como se fosse o teatro grego. Eu não tenho como esquecer isso. Só se eu fosse um maluco, insensível ou ignorante. Isso está para o resto da minha vida. Quando eu quero ver e mostrar para alguém, está lá no Globoplay.

Notícias da TV - Essa e outras novelas estão no Globoplay.
Tony Ramos - O acervo do Globoplay é muito rico. Vocês têm que entender que muitos streamings no mundo não têm um acervo de telenovelas como o nosso. Então, por essa razão eu sei conviver com tudo isso. Eu sei conviver com streaming, com o meu trabalho em TV aberta, com séries e novelas. É isso, o streaming veio para somar. Mas não veio para parar a TV aberta.

Aliás, ai de qualquer televisão que não tratar bem a TV aberta. Estará assinando um futuro não muito bom para sua empresa. Então, isso a Globo faz muito bem. Ela tem a TV aberta, em que ela investe. Hoje estão gravando, em plena pandemia, seis novos produtos, sendo três minisséries e três novelas.

Então, na verdade, a TV Globo está cuidando da sua TV aberta e propondo novos produtos com muito afinco. E é isso que me fascina na empresa. Posso amanhã ou depois não estar mais lá. Faz parte do jogo. Mas isso é lindo nela. É uma empresa que tem essa absoluta consciência do seu mercado.

Notícias da TV - Quando você diz "amanhã posso não estar lá", com essa história de contratos de veteranos não sendo renovados… Não sei se você gosta dessa palavra: veterano.
Tony Ramos - É uma palavra bem-vinda. Eu fui veterano, assim como fui novato (risos). Eu adoro a idade. A idade significa que estou vivo.

Notícias da TV - Então, lembro que nessa onda de desligamentos, você declarou que apenas trabalhava. Hoje está nesta empresa e amanhã pode estar em outra, sem se consumir com o que vai acontecer amanhã com seu contrato. É assim mesmo?
Tony Ramos - Para mim, a vida é trabalho. A vida não é outra coisa. Às vezes, sou convidado para aulas inaugurais em universidade, para inaugurações de cursos novos. Com a pandemia, é claro que não faço mais. Só quando voltar ao normal. Sempre disse e digo para colegas muito jovens, de 20 e 30 aninhos: "Não se iludam com essa profissão", "não se iludam com rede social". "Ah, meu Instagram tem 80 milhões de seguidores". Que bonito. Legal. Mas isso não vai te qualificar na profissão para o resto da vida.

O importante na nossa profissão é leitura, aprofundamento de personagens, conhecimento, discrição e, principalmente, entender que você precisa se precaver com a profissão. Se você está ganhando agora aquilo que você não sonhava e queria ganhar muito mais... Mesmo assim, tenta guardar 10% disso aí.

Reprodução/TV Globo

Tony Ramos em cena de O Astro (1977)

Agora estão falando muito "a Globo cortou". Assim como a Globo fez isso, outras estão chegando e também contratando. O mercado está muito aquecido. Tudo isso depende muito do momento financeiro e econômico de um país. Eu te garanto uma coisa, a TV Globo está de olho nisso tudo. Ela sabe que o mercado se move e se mexe.

Agora a coisa ficou maior porque, com problemas de economia, as empresas têm que tentar enxugar custos e começar a se mexer de outra maneira. Por isso que eu disse nessa entrevista, o importante é se precaver. Você nunca vai ficar milionário com essa profissão. Esqueça. Se você quer entrar nesse negócio, esqueça essa palavra milionário. Uma palavra, aliás, mal-usada. Meu avô dizia sempre: "Milionário compra e não pergunta o preço. A gente que é classe média remediada pergunta o preço, vê se vai dar e tenta ainda fazer em alguns meses".

Notícias da TV - A gente parcela ou pede um desconto à vista, Tony.
Tony Ramos - A grande classe média, e eu estou incluído nisso. Não é charme, como muitos rapidamente e bobamente vão falar: "Classe média você?". Claro! Classe média, cara. Não é média mediana, é média alta. Mas eu também quero saber quanto é, quanto vai valer amanhã ou depois, se dá para fazer em quantos meses, quais os juros da prestação do carro. Tudo igual.

Independentemente disso, você tem que se precaver. Saber o que é importante para você e o que não é. Esse dever de casa eu fiz há muitos anos. Não fiz com a pandemia, não. Eu estou fazendo há pelo menos 30 anos. Eu criei meus filhos com essa teoria de vida. Saibam aproveitar a vida, saibam curtir seus momentos. Mas o mais importante de tudo, é saber precaver-se com sua velhice e idade avançada.

Notícias da TV - Muitos da nova geração não só querem ficar milionários, procuram também a fama. Como você vê isso?
Tony Ramos - Acho isso um equívoco, ser famoso hoje nos tempos novos desses sistemas de internet. Escreva aí: quantas experiências que vieram do YouTube para a TV deram certo? Me mostra, por favor. O que funciona é a manifestação criativa e espontânea numa TV aberta.

Você tem que ter uma história com começo, meio e fim. Você precisa ter amor, paixão e suspense no caso do folhetim e da dramaturgia. Se não estiver estreando amor, paixão ou suspense, você não tem uma história. Ponto final.

Notícias da TV - Com uma trajetória tão extensa, existe um personagem que foi difícil na sua carreira? Você tem isso?
Tony Ramos - É complicado. Vou te dar um número para você entender por que é complicado para mim. Através do Memória Globo, eu fiquei sabendo que tenho 138 personagens na minha trajetória. Personagem difícil? Você tem dificuldades em alguns momentos, dependendo do que é cada coisa.

Personagem difícil foi o Riobaldo de Grande Sertão Veredas [1985], sem dúvida. Fiquei hibernado, enfiado no sertão brasileiro, em lugares que o homem ainda não tinha chegado. Tínhamos o apoio do Exército e do Ibama. Eram cavalos, treinamento militar que eu tive que fazer antes de começar a novela, carregar equipamento militar nas costas, rastejar, luta corporal com faca... Então, isso era difícil. Mas o resultado foi um marco divisório na minha própria carreira. Eu tinha 36 anos e foi uma coisa que a carreira fez um vupt, deu um pulo.

zé paulo cardeal/tv globo

Com Marina Ruy Barbosa em Belíssima (2005)

Fazer o grego Nikos em Belíssima [2005]. Personagem dificílimo. Ou você acha que aprender grego, dialogar em grego, representar com atores e atrizes gregos em grego é mole? Não era. Eu tinha todo o roteiro preparado, uma professora que me acompanhava na pronúncia grega. Eu fui com a minha mulher muito antes da equipe para a Grécia. Fiquei um mês e meio lá trabalhando, pegando todas as relações, expressões, deixando a barba crescer, tomando sol e esperando os colegas chegarem. Aquilo foi fundamental para a criação do Nikos, um dos mais difíceis da minha trajetória.

Notícias da TV - Você tem uma memória incrível, tem algum método para exercitá-la?
Tony Ramos - Nenhum. Nenhum método para memória a não ser ler. Eu leio o texto várias vezes. Depois leio em voz alta. Às vezes, leio para minha mulher, a Lidiane. Nós estamos casados há 52 anos. São anos de parceria, de dividir as coisas nas épocas bem difíceis e bem complicadas. Isso faz parte do nosso exercício de vida também.

Notícias da TV - Em 2020, você foi hospitalizado e deu um susto no público...
Tony Ramos - Tive uma estomatite violenta.

Notícias da TV - Teve medo de alguma coisa depois dessa internação?
Tony Ramos - Não. Essa palavra não entra no meu vocabulário. No meu vocabulário sempre existiu prevenção. Medo é uma palavra muito assim: é como as pessoas usam o nome de Deus em vão. Todo mundo diz: "Ai meu Deus", "ai se Deus quiser" e "tomara Deus que". As pessoas usam o nome de Deus com uma facilidade. É impressionante! E assim usam para medo ou coragem. Eu não tenho coragem de nada e muito menos medo.

A palavra medo joga no imaginário do indivíduo a pior coisa que ele pode ter: tristeza e dúvida. Eu não quero que a tristeza habite minha mente. Quero que habitem na minha mente a perseverança, a fé em Deus e o trabalho. É isso que sou.

Notícias da TV - Certa vez, ouvi de um ator que a pior coisa de envelhecer era ver seus colegas partindo. Você concorda?
Tony Ramos - Isso é para a vida. Eu perdi um primo querido para o Covid-19 em agosto passado. Ele e minha prima entraram no hospital. Minha prima felizmente saiu, mas ele não voltou. Tive um outro primo, também em São Paulo, que foi tomado pela Covid-19 e hoje ainda faz fisioterapia. Então, ninguém precisa me contar o que é Covid-19. Nossa Senhora, isso aí a gente viveu na família: a perda de um querido primo nosso.

Notícias da TV - Tivemos perdas recentes na classe artística também. É difícil assimilar?
Tony Ramos - Agora você imagina quando vê dona Nicette Bruno [1933-2020] indo embora em dezembro. Uma mulher muito determinada, uma grande atriz, um nome da nossa história. Uma perda desesperadora para muitos de nós. Imagine para a família dela. Você perder um menino de 42 anos, talentoso, comunicativo, cheio de empatia como esse Paulo Gustavo [1978-2021]. Um talento! Como é para a família? Você pode imaginar. Como é para a nossa profissão perder um talento tão forte, tão bonito, tão contundente como foi Paulo Gustavo? É duro e terrível.

E agora, perdemos nossa querida Eva Wilma [1933-2021], a Vivinha. Por mais que soubéssemos que ela estava lutando com problemas, é doloroso demais. Não há ninguém que possa ter uma definição para isso. Quantos que estão nos lendo agora vão se lembrar de entes queridos que partiram, de amigos... Tudo é muito difícil.

Notícias da TV - Eva estava gravando a voz para um filme ainda no hospital.
Tony Ramos - Eu sabia disso. Ela estava com texto nas mãos. Ela gostava muito de ler, de trabalhar. Não era uma pessoa derrotista ou negativa. Era uma pessoa maravilhosa e fascinante.

Notícias da TV - Assim como você, ela gostava de trabalhar. Você pensa em aposentadoria?
Tony Ramos - Eu sou aposentado pelo INSS. Portanto, já estou aposentado. Desse ponto de vista, eu e minha mulher somos aposentados. Eu contribuí com 37 anos e quatro meses. Portanto, me aposentei com todos os direitos e com folga. Eu tinha 60 e poucos anos quando me aposentei. Tudo isso faz parte da aposentadoria chamada prática. Mas a aposentadoria de parar de trabalhar, está fora do meu vocabulário. Não contem com isso.

Eu poderei diminuir o ritmo, não querer fazer uma novela atrás da outra. Mas, de repente, farei uma minissérie. Daí um ano faço uma novela. Poderei fazer dois filmes em um ano. Já cheguei a fazer teatro, minissérie e cinema ao mesmo tempo. Já cheguei a fazer um filme à noite e gravava a novela no resto do dia. Não quero mais isso. Isso não vou fazer.

Notícias da TV - Além do profissionalismo evidente, você tem fama de cavalheiro entre seus colegas e os meus da imprensa. Mas creio que já sabia disso, não?
Tony Ramos - Obrigado. Eu sou apenas uma pessoa educada e que não acredita em fama. É isso (risos). Eu sei que tenho renome. Sei que sou muito conhecido aqui e fora daqui. Eu não vou ser hipócrita. Não vou negar isso. Mas isso não me qualifica como um ser humano acima de um pedestal. Eu sou igual a qualquer um.


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