ENTREVISTA EXCLUSIVA
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Apaixonado pelo teatro, Antonio Fagundes torce por vacinação para retomar peça
Um dos medalhões do elenco da Globo, Antonio Fagundes ignorou uma "proposta indecente" ao ser chamado para fazer Pantanal. A emissora queria romper um acordo que eles mantinham há 44 anos, que assegurava ao ator o direito de gravar novelas e séries apenas três dias por semana. Essa flexibilidade permitia ao veterano conciliar seus compromissos na TV com o teatro, sua grande paixão.
Diante das condições ofertadas, Fagundes não hesitou em abrir mão de seu contrato com a Globo. "O novo modelo não me interessa", sintetiza em entrevista exclusiva ao Notícias da TV. Livre desse vínculo, ele não descarta se tornar uma presença bissexta na televisão para priorizar os palcos de vez.
Colecionador de novelas icônicas, o ator se esquiva ao ser convidado a eleger seus personagens mais marcantes. Por outro lado, não esconde seu entusiasmo ao falar sobre a sua experiência no teatro --segundo ele, um ato revolucionário.
Na conversa, Fagundes também faz críticas às ações do governo de Jair Bolsonaro em relação à cultura, lembra episódios de fake news e a incitação de ódio contra a classe artística. Em uma época em que a polarização política está cada vez mais acirrada, ele revela que não acredita na neutralidade.
Por fim, o veterano avalia os impactos da pandemia para seus projetos profissionais e também na esfera pessoal. Na expectativa para que todos possam retomar suas vidas --e aglomerar-- com segurança, ele não esconde sua torcida para que as pessoas tenham a oportunidade de se vacinar.
Confira a íntegra do bate-papo:
Notícias da TV - Você passou 44 anos como contratado da Globo. Tinha liberdade para escolher os seus personagens?
Antonio Fagundes - Eu tinha liberdade para escolher, sim, mas é claro que existia um consenso com a emissora: a partir do momento em que eu era chamado para fazer um trabalho, naturalmente a Globo tinha interesse que eu fizesse determinado personagem. Por outro lado, eu também pude dizer "não" para alguns projetos.
Ao longo destes 44 anos, eu peguei o auge da dramaturgia da emissora e tive a chance de trabalhar com os maiores autores. Das mais de 40 novelas que eu fiz na Globo, pelo menos umas 30 são icônicas, não é? Então eu tive muita sorte, por poder escolher e, ao mesmo tempo, ter um material muito bom, muito forte.
Já que falou em trabalhos icônicos, consegue eleger seus três personagens mais marcantes na televisão? Ou então alguma cena?
Não posso destacar apenas três, não, pois estaria sendo injusto com todos os outros (risos). Se eu não consigo escolher nem personagens, que dirá cenas? Prefiro deixar isso nas mãos do público.
CEDOC/TV GLOBO
Fagundes caracterizado para O Rei do Gado
Um dos autores com os quais você mais trabalhou foi Benedito Ruy Barbosa. Há alguma novela dele que tenha sido especial? A estreia de O Rei do Gado completou 25 anos [no último dia 17].
As novelas do Benedito são extraordinárias, muito bem escritas. Ele tem a habilidade de criar grandes personagens e histórias envolventes. Mas não há como comparar Renascer [1993], O Rei do Gado [1996], Terra Nostra [1999] e Esperança [2002], fora as outras. Então, eu não tenho como fazer uma escolha. Entendo que você gostaria de dizer "fulano gosta de tal novela", mas isso para mim é uma mentira, porque eu gosto de todas.
Você tem o hábito de rever trabalhos antigos, Fagundes? Costuma fazer um exercício de autocrítica?
Quando as novelas antigas voltam ao ar, eu gosto de rever sim. É muito fácil fazer autocrítica 20 anos depois, porque você não se lembra mais de como foi aquele dia, incluindo detalhes da gravação. Dessa maneira, é possível se afastar daquele trabalho e passar a enxergá-lo como um espectador. Então, fica muito simples para você ver exatamente o que foi feito como se fosse uma outra pessoa, entendeu?
Desde o ano passado, você deixou de ter contrato fixo com a Globo. A decisão de romper o vínculo partiu de quem?
A decisão de não renovar partiu de mim. Fui eu que não quis: quando me chamaram para fazer Pantanal, não aceitei as condições que me ofereceram. Para começo de conversa, eles não queriam mais respeitar o acordo pelo qual eu poderia gravar apenas três dias por semana [que permitia a Fagundes conciliar TV e teatro]. Um pacto de 44 anos com a TV Globo foi quebrado nessa proposta, então não aceitei. O novo modelo não me interessa.
Sua decisão de não renovar vem ao encontro de uma política de corte de custos da Globo, que resulta na dispensa de veteranos. Como vê essa estratégia? Acredita que a emissora está deixando a sua história de lado?
A Globo é uma empresa e pode escolher os caminhos que ela quiser, do jeito que ela quiser. A emissora sempre teve autonomia para tomar decisões, e está se valendo mais uma vez dessa liberdade. Se o fato de a Globo estar abrindo mão do seu patrimônio vai trazer algum reflexo para ela, só o futuro dirá.
Agora que está sem contrato e tem mais liberdade, há o risco de o Fagundes se tornar uma presença bissexta na televisão?
Talvez eu me torne sim, talvez eu me dedique mais ao teatro.
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Fagundes e o filho Bruno na peça Baixa Terapia
Por falar em teatro, é nítido o seu prazer em estar nos palcos. Qual a importância dessa experiência para o ator?
A gente sempre vê a importância do teatro sob a perspectiva do ator, mas eu destaco a relação com a plateia. Não só o ator sai lucrando com isso, o público também, porque nenhum outro veículo tem a mesma força social do teatro e é tão rico, tão forte e tão cheio de energia.
Colocar 1.200 pessoas em silêncio durante duas horas, ouvindo um grupo de atores desenvolver uma ideia, é um ato revolucionário. Tanto que, na pandemia, o grande problema é fazer teatro porque precisa da aglomeração. Um filme você pode ver sozinho e não muda nada: ele será repetido sempre da mesma forma. Já o teatro é uma coisa viva, depende dessa relação com a plateia, né?
E você leva essa relação bastante a sério, já que, no final de seus espetáculos costuma promover um bate-papo com o público...
O público tem acesso a poucas informações sobre o fazer teatral no Brasil: a literatura sobre o tema é escassa e, nas escolas, o teatro quase sempre não é ensinado. Para mudar essa situação, eu faço não só o bate-papo, como abro os bastidores. As pessoas podem conhecer os camarins, as coxias, os cenários, a arquitetura toda do espetáculo.
Tenho a impressão de que essa abertura faz com que os espectadores compreendam um pouco mais a mágica do teatro. E esse bate-papo com a plateia é sempre maravilhoso, porque além de permitir que as pessoas se coloquem diante do espetáculo que assistiram, também é uma forma de a gente se comunicar além do texto.
Está ansioso pela retomada da vida normal? Quando for possível, é claro...
Seguimos na expectativa para voltar com a nossa peça, Baixa Terapia. Estávamos há mais de três anos em cartaz, viajamos grande parte das cidades brasileiras, fomos para o exterior, fizemos dois anos de temporada em São Paulo e iríamos estrear no Rio de Janeiro em maio de 2020. Torcemos para que todos tenham a possibilidade de se vacinar para podermos retomar a nossa vida.
Enquanto entusiasta das artes de maneira geral, como vê a situação da cultura no nosso país? Este setor foi um dos mais prejudicados pela pandemia...
A pandemia não é a culpada pela atual situação. Muito antes, esse governo já havia sinalizado que a cultura não interessava e tinha que ser eliminada, inclusive encaminhando fake news e incitando o ódio contra a classe artística. Mas, em maior ou menor grau, este é um setor que sempre enfrentou problemas: sai governo, entra governo, a gente nunca sabe se existirão e como serão as medidas de estímulo.
É preciso que a cultura se torne uma política de Estado. Ou seja, não importa quem seja o inquilino do Palácio do Planalto, interessa que a cultura é importante para o país. Tem que ter verbas perenes --não só pequenos patrocínios e apoios esporádicos-- provenientes da iniciativa privada ou de impostos e subsídios diretos vindos do Estado, como acontece em outros países. Caso as mudanças de governo para governo persistam, nós vamos estar condenados, sob a perspectiva cultural, a um cenário de miséria.
Nesse momento de polarização que a gente vive, muitos cobram que o artista deve sempre se posicionar, outros acreditam que é possível ser neutro. O que você pensa a respeito?
Eu acredito que ser neutro é impossível, porque ser neutro é um posicionamento. Você está sempre se posicionando de uma forma ou de outra, cabe a pessoa definir que tipo de posição ela quer tomar, mas ela sempre terá uma posição política. Não existe neutralidade.
Você acha que o apoio político para A ou B pode comprometer a carreira de alguém? A gente tem, por exemplo, a passagem desastrosa da Regina Duarte pela secretaria de Cultura do governo Bolsonaro...
Ela não estava trabalhando, se ela estivesse atuando eu não sei dizer como esse apoio iria impactar na carreira dela.
Para quem está com saudade do Fagundes no palco ou nas telas, é possível dar um spoiler sobre seus próximos projetos?
Está tudo muito parado, não é? Por mais que a gente tenha projetos --sempre digo que tenho 1800--, mas o projeto só tem sentido se puder ser executado, se não ele é apenas um sonho. Eu gosto de sonhar, ter a possibilidade de realizar, de ir para a frente. A gente está torcendo, mas, para mim, qualquer plano perde o sentido se eu não souber quando vou começar a fazer. Enquanto a pandemia não acabar, a gente não consegue tocar nada para frente.
Pessoalmente, você aprendeu algo nesse período? Acredita em uma transformação das pessoas? O que mudou no Fagundes com a pandemia?
Esse período me chateou muito, só me chateou muito, mas eu acredito que a pandemia tenha exagerado aquilo que as pessoas já eram antes, para o bem ou para o mal. Talvez tenha exacerbado alguns ânimos, mas mudar eu acho muito difícil, porque mudar é um exercício muito superior além de ficar trancado em casa.
No cinema, está previsto que você interprete o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no filme O Último Voo. Compor um personagem real é mais trabalhoso?
Essa é uma ideia que está sendo namorada pelo Gustavo Pinheiro, que é o autor: ele está ainda na fase de pesquisa, tentando entrevistar os ex-presidentes [o filme mostrará o voo que levou FHC, Lula, Dilma Rousseff, José Sarney e Fernando Collor ao funeral de Nelson Mandela na África do Sul]. O processo ainda está no início: é uma coisa muito, muito embrionária ainda para a gente falar sobre isso.
Há poucos meses, você lançou Tem um Livro Aqui que Você Vai Gostar, que traz indicações literárias de diversos gêneros. Como surgiu essa ideia?
Não gosto de falar que é indicação, porque exatamente a coisa mais difícil que tem é recomendar um livro para alguém. Mesmo que você conheça muito essa pessoa, existem algumas nuances do gosto, alguma coisa que não aprova. Até por isso, o livro tem referência a mais de 150 títulos de todos os gêneros. Na verdade, a ideia foi tirar aquela má impressão que dá quando você entra em uma livraria e fica paralisado diante de tantas escolhas possíveis.
Acredita que conseguiu cumprir essa missão? Há outros volumes previstos?
Bom, isso só os leitores é que vão poder me dizer. Meu objetivo é estimular as pessoas a lerem e a descobrirem o seu gênero preferido. Nesse sentido, ele é importante e útil, porque proporciona ao público o contato com todos os gêneros possíveis. Para quem quer começar a ler é um bom caminho, pois traz dicas, além de pequenas biografias dos autores. Para quem já está lendo, não deixa de ser uma referência a um ou outro título. Muitos amigos meus leitores acabaram aproveitando também as menções que eu fiz a alguns livros.
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