QUE PEDRO SOU EU?
FOTOS: JOÃO MIGUEL JUNIOR/TV GLOBO
Dom Pedro 2º (Selton Mello) em Nos Tempos do Imperador; monarca é peça-chave da identidade brasileira
Nos Tempos do Imperador, novela inédita das seis que estreia na próxima segunda (9), deve esquentar ainda mais a conturbada relação entre a Globo e Jair Bolsonaro. Os autores Alessandro Marson e Thereza Falcão deixaram claro o desejo de resgatar a figura de liderança de dom Pedro 2º (1825-1891), batendo de frente com os interesses do presidente --abertamente apoiado por parte dos Orleans e Bragança.
Os roteiristas já explicaram ao Notícias da TV que pretendem ressaltar a figura do imperador como um governante realmente comprometido com o país, sem passar pano para seus erros. "Nós vamos destacar a relação dele com o ensino, com a cultura e com a ciência, em como ele tinha um olhar para outro Brasil possível", disse Thereza.
A questão é que uma grande parcela dessa narrativa também é fundamental para o bolsonarismo, que tenta se aproveitar de um verniz nacionalista para se apresentar como um sucessor natural do Império e, principalmente, de seus ideais --resumidos basicamente no lema "Deus, pátria e família".
Em suma, o público vai se ver dividido entre dois Pedros, bastante antagônicos entre si. O interpretado por Selton Mello no folhetim é bem mais cosmopolita, liberal e "moderninho" do que a imagem fetichizada pelos apoiadores do militar, para quem o imperador é um dos baluartes do conservadorismo no Brasil.
Essa disputa pelo legado do monarca não vai ser tão sutil quanto se pensa. E não só porque os autores devem repetir as críticas que fizeram a Michel Temer em Novo Mundo (2017), com eventuais alfinetadas ao atual presidente na produção inédita.
As diferenças ficarão claras já no choque de narrativas sobre o fim da escravidão do Brasil, que vai ser o "fio na navalha" para cada um dos lados reivindicarem as "barbas" do imperador para si.
Pedro e Teresa Cristina na novela das seis
A novela frisa que o nobre foi um abolicionista, mas não compra a ideia de que a questão foi resolvida simplesmente por decreto da princesa Isabel (1846-1921). Nessa versão, a família imperial foi muito mais refém dos proprietários de terra, principais apoiadores do regime e favoráveis ao escravismo, do que protagonista nesse processo.
"Não quisemos retratar os nossos personagens negros apenas como pessoas escravizadas, como sempre aconteceu na teledramaturgia. Eles são figuras complexas, que construíram a própria luta pela liberdade, até para que a gente possa lembrar que a Abolição não foi resultado de uma canetada", acrescenta Thereza.
Do outro lado, a perpetuação de Isabel como uma redentora é fundamental para a direita mais afinada com Bolsonaro, que assim pode limpar a barra de outras personas que lhe são fundamentais, como Borba Gato (1649-1718). Como se a Lei Áurea fosse parte integrante do próprio processo de colonização levado a cabo pelos antepassados de Pedro.
Essa visão reforçaria o mito da "democracia racial", em que a própria elite branca reconheceu o seu erro e se redimiu com a população negra. Ou seja, não haveria necessidade de políticas afirmativas, como cotas, porque o racismo não seria intrínseco da sociedade brasileira --e, sim, um problema "importado", como definido pelo próprio Bolsonaro.
A família imperial brasileira na ficção
Bolsonaro sai na frente da Globo na briga pelo legado de Pedro 2º ao ter o deputado federal Luiz de Orleans e Bragança ao seu lado. Ele foi um dos candidatos a vice na chapa de 2018, perdendo espaço posteriormente para o general Hamilton Mourão. Ele representaria uma ligação direta entre os projetos de poder de Bolsonaro e seu tataravô Pedro.
O autointitulado príncipe do Brasil, cargo que para efeitos oficiais foi extinto com a proclamação da República em 1889, acabaria ainda se tornando um dos apoiadores mais ferrenhos do chefe do Executivo na Câmara.
Além do apoio direto, Bolsonaro é um pouco mais sutil ao se apropriar das cores da bandeira como uma maneira de simbolizar também que seu governo é uma tentativa de restaurar a "glória" do Brasil dos tempos do Império.
Afinal, o verde não remete às matas, mas sim a casa dos Bragança de dom Pedro 1º (1798-1834). O losango amarelo, diga-se de passagem, também não é uma alusão ao ouro que embarcou para a Europa e hoje decora as igrejas barrocas portuguesas. Trata-se da cor oficial da Casa dos Habsburgo, da imperatriz Leopoldina (1797-1826).
Nesse sentido, Nos Tempos do Imperador estaria antenada com o desejo de parte da sociedade civil, que reúne espectros que vão da direita à esquerda, de resgatar os símbolos nacionais da mão do bolsonarismo. E dom Pedro 2º é só mais um deles.
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