TOCA O BERRANTE
FOTOS: REPRODUÇÃO/TV GLOBO
José Leôncio (Marcos Palmeira) em Pantanal; novela das nove chama a atenção da direita na web
O berrante de José Leôncio (Marcos Palmeira) atrai muito mais do que só os bois de sua fazenda em Pantanal. O som também seduz o gado que se aperta nos cercadinhos do presidente Jair Bolsonaro. A direita brasileira avança cada vez mais contra a história, seja para apontar contradições da Globo ou se apossar de maneira torta da novela das nove.
Além do instrumento, o fazendeiro também encanta os bolsominions por meio de um ou outro absurdo machista que insiste em saltar da sua boca. O contexto de crítica é completamente ignorado por essa parcela do público, que vê na falta de diversidade um aceno a uma "volta às origens".
A Globo é vista como uma das principais adversárias do atual chefe do Executivo, mas Pantanal estranhamente repercute na bolha bolsonarista. O ator Thiago Gagliasso, rompido por questões políticas com o irmão Bruno Gagliasso, até quis se apoderar da espingarda de Juma (Alanis Guillen).
"A Globo passa o dia [quase] inteiro fazendo campanha contra o desarmamento, mas de 21h até 22h29 [seu horário nobre], sua principal novela mostra uma menina que protege sua propriedade e só se mantém viva por causa da arma que tem em casa", tergiversou ele.
Jove (Jesuita Barbosa), por sua vez, mudou tanto de espectro político nas redes que quase poderia fazer parte do centrão. Alguns perfis mais à esquerda insistiram que o fotógrafo utilizava os métodos de Paulo Freire (1921-1997) para alfabetizar Juma.
Os influenciadores mais à direita insistiram que o rapaz era justamente oposto ao educador por utilizar uma cartilha --rechaçada pelo intelectual-- para ensinar o bê-a-bá.
José Leôncio (Marcos Palmeira)
Bruno Luperi fez uma opção por evitar didatismos ao abordar uma série de questões políticas, mas fica evidente que Bolsonaro não é exatamente uma das figuras exaltadas pelo remake.
O político foi alvejado diversas vezes no capítulo de quarta (18), e uma das mais óbvias foi quando Eugênio (Almir Sater) criticou as queimadas no Pantanal. Em outro momento, José Leôncio sugeriu que Tenório (Murilo Benício) estava envolvido com garimpo em áreas de proteção ambiental.
A questão é que parte da direita parece não ver ou deliberadamente ignorar esses pontos diante da dificuldade de Pantanal em abrir espaço para as chamadas "questões identitárias". Elas são fundamentais para a esquerda hoje que são rechaçadas pelos adversários, ainda que urgentes para o debate --como o machismo, o racismo, a xenofobia.
O identitarismo até está presente na trama, uma vez que Luperi incluiu mais atores negros e retirou o alívio cômico de Zaquieu (Silvero Pereira), até então o único personagem LGBTQIA+. O problema é que as adaptações ao texto original soaram como penduricalhos e foram rejeitadas pelo público, que se refere a elas como "palestrinhas" nas redes sociais.
Para evitar essa sensação, o autor teria de mexer mais profundamente na estrutura da novela e, consequentemente, no texto do avô Benedito Ruy Barbosa. Ele, no entanto, optou pelo tom de homenagem. Pantanal da Globo é uma cópia quase fiel à versão exibida pela extinta Manchete (1983-1999) em 1990, com trechos idênticos e alguma mea culpa.
O autor Benedito Ruy Barbosa
Como Luperi não modificou estruturalmente a história, Pantanal soa um tanto anacrônica em 2022. Não à toa, o folhetim chama a atenção de alguns autodenominados conservadores. São pessoas mais tomadas pela nostalgia de um tempo em que minorias não tinham espaço para demandar direitos do que, necessariamente, politicamente interessadas.
Apesar de Benedito Ruy Barbosa não ser um homem de fácil classificação, soa um tanto absurdo enfiá-lo no mesmo balaio desses tais "conservadores".
Em uma análise mais fisiológica, o autor tem ideias claramente mais próximas a uma esquerda mais clássica. Não à toa, ele abordou importantes temas sociais como a reforma agrária em Meu Pedacinho de Chão (1971) ou o MST (Movimento dos Sem-Terra) em O Rei do Gado (1996).
Um dos pontos centrais é que Pantanal foi escrita há três décadas, em uma época em que direita e esquerda se encontravam em uma configuração bem distinta da de 2022.
As ideias do novelista tem um tom de vermelho à italiana, de que a luta por justiça social em si só é capaz de reparar todos os erros. E, nesse balaio, inclui-se o racismo, o machismo e toda uma série de questões identitárias que até já existiam, mas ainda não estavam em discussão na TV.
Não à toa, o autor é capaz de ter escrito uma das cenas antológicas da televisão brasileira em que o senador Caxias (Claudio Vereza) faz um discurso sobre os sem-terra para um plenário. E, ao mesmo tempo, ter dito que jamais escreveria um beijo gay durante o lançamento de Velho Chico (2016).
Esse texto é uma versão revista e ampliada do originalmente publicado na quinta (19) no site Tangerina.
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