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COLUNA DE MÍDIA

Cortes de custos e saída de talentos trazem risco de apagão criativo na Globo

Reprodução/TV Globo

O apresentador Faustão com a mão levantada e expressão de choque

O apresentador Fausto Silva, um dos talentos prestes a sair da Globo, no comando do Domingão

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 11/6/2021 - 7h05

Nos anos 1990, a Disney lançou a estratégia de levar seus personagens de maior repercussão para o vídeo. Foi um enorme sucesso do ponto de vista financeiro. Assim, uma sequência de obras irrelevantes foram lançadas, como Aladdin 2, Aladdin 3, Rei Leão 2, Rei Leão 1½, Bambi 2, 101 Dálmatas 2: A Aventura de Patch em Londres e A Pequena Sereia 2: Retorno ao Mar. 

"A estratégia direto para o vídeo da Disney fez mais do que ignorar o amor do público [pelas obras], também encerrou o chamado renascimento da Disney e acabou destruindo os estúdios de animação da Disney. Na década de 2000, as vendas em cinema e as críticas das produções da empresa despencaram (alguns filmes foram completamente destruídos). Além do mais, 15 anos de padrões rebaixados sugaram a energia criativa dos estúdios de animação da Disney e levaram muitos de seus principais animadores e escritores a saírem”, afirma o analista Matthew Ball.

O resultado da estratégia da Disney foi o aumento de lucros em um primeiro momento, seguido por uma gradual queda da criatividade na Disney. Isso levou a empresa, inclusive, a perder o surgimento da animação por computador. Embora a Disney tenha sido pioneira em muitos dos avanços mais importantes em animação do século 20, ficou para trás. Concorrentes iniciantes como a Pixar e a DreamWorks Animation assumiram a liderança do segmento, superando seguidamente os recordes de público da Disney. 

Decisões financeiras em áreas criativas podem levar vários anos para serem percebidas. A situação da Disney foi resolvida com a chegada de um novo CEO, Bob Iger, que comprou a concorrente Pixar e entregou os estúdios de animação da Disney aos diretores da rival.

A novata realizou um trabalho brilhante, que resultou no lançamento de obras como Procurando Nemo (2003). Isso ajudou a empresa a recuperar seu posto de líder no segmento de animações (no ótimo livro Criatividade S.A., Ed Catmull, um dos fundadores da Pixar, conta sobre a operação de salvamento dos estúdios de animação da Disney). 

Pandemia e menos produções

Nos últimos anos, a Globo tem sido marcada por sucessivas diminuições de custos, com saída de talentos e executivos experientes. Os resultados financeiros da emissora são admiráveis. Mesmo em um ano de pandemia como 2020, a Globo conseguiu fechar o ano no lucro (vale registrar que o feito só foi alcançado com o cancelamento de contratos com parceiros de longa data, como a Conmebol, e pesados cortes em seus quadros).

Por outro lado, a Globo vive uma de suas piores fases no Ibope. Desde o fim do BBB21, a audiência já caiu 15% na faixa nobre. Em outros horários, as perspectivas também não são animadoras para a emissora. Durante décadas a Globo esteve isolada à frente do Ibope, e principalmente, mantinha a indiscutível liderança criativa no conteúdo audiovisual brasileiro. 

Mas isso parece um cenário cada vez mais distante. O programa No Limite, ressuscitado após mais de uma década fora do ar, não decolou. As novelas são reprises, e os programas esportivos, particularmente os jogos de futebol, estão deixando a grade da emissora rumo aos canais concorrentes ou streaming. 

O reality Power Couple Brasil, da Record, tem gerado mais tráfego para sites de entretenimento do que o No Limite. Uma busca nas últimas duas semanas no Google Trends mostra claro aumento de interesse pelo programa da Record em comparação ao apresentado por Andre Marques. E, enquanto a Globo suspendeu e modificou as gravações de suas novelas, a Record, que tem investido em contratações e ampliação de sua estrutura de dramaturgia nos últimos anos, vê suas tramas crescerem no Ibope.

Nos esportes, a situação é ainda mais complexa para a Globo. Ao deixar os parceiros de futebol na mão em 2020, a emissora se indispôs com muitas organizações relevantes como a Conmebol, com a qual inclusive tentou se desculpar este ano. Sorte do SBT e da Record, que tiveram expressivo crescimento no Ibope com as competições que herdaram da Globo. A Band, além de se beneficiar da Fórmula 1, que deixou a Globo rumo à emissora paulista, ainda terá de volta Fausto Silva, o maior apresentador da TV brasileira. 

E olhando adiante, o que se vê são atrações como The Masked Singer (no qual parece ter faltado criatividade até para criar um nome em português). É mais um reality que, fazendo sucesso ou não, poderia ser realizado por boa parte das emissoras brasileiras. É difícil para um executivo de TV resistir à tentação. Reality shows são programas com ótimo retorno de investimento, baratos para se produzir (em comparação a obras dramatúrgicas, por exemplo) e trazem audiência fácil. 

Mas fica a sensação de que uma seca criativa e de atrações relevantes ronda a Globo. Ao adotar o caminho fácil de importar um reality show e fórmulas prontas, a emissora abre mão de seu maior diferencial, sua capacidade criativa reconhecida mundialmente. 

Concorrência com o Globoplay

Provavelmente, o maior concorrente da Globo no momento é o próprio Globoplay. Mais de 100 produções estão em andamento no streaming, entre novelas e reality, e crescentes investimentos são realizados na plataforma.

A possível aposta da Globo é de que o fim da TV tradicional chegará rapidamente e, quanto antes se consolidar no streaming, mais confortável estará. Mas o streaming é uma batalha altamente competitiva e cara.

Enfrentar algumas das empresas mais ricas do mundo, como Netflix, Amazon, Apple e conglomerados de mídia globais como Disney, Warner Bros. Discovery e NBCUniversal é uma tarefa hercúlea. A Netflix investiu mais de R$ 1 bilhão para criar oito capítulos da série O Legado de Júpiter. O valor gasto pela Netflix em uma única produção é praticamente 10% de todo o faturamento da Globo em 2020, que foi de R$ 12,5 bilhões

Apesar do investimento, O Legado de Júpiter não caiu no gosto do público e foi encerrada poucas semanas após a estreia. Mas os planos da Netflix de investir pesadamente em grandes produções e talentos não mudou. Por sinal, a empresa aposta nas grandes produções para seguir na liderança do streaming.

Outro lado

Após a publicação deste texto, a comunicação da Globo entrou em contato com a coluna para apresentar a sua versão dos fatos. Segue a nota, na íntegra:

Vimos a sua coluna publicada hoje, ‘Cortes de custos e saída de talentos trazem risco de apagão criativo na Globo’, e achamos importante trazer algumas informações para a sua consideração, já que não fomos procurados antes da publicação.

Como é de amplo conhecimento, a Globo vem passando por uma revisão de seu modelo operacional para se adequar às diversas transformações vividas pelo mercado de mídia e entretenimento. É reducionista olhar para essa evolução apenas sob a ótica do ‘corte de custos’. Nos últimos anos, revisamos a nossa estrutura organizacional, adotamos novos modelos de gestão, revisamos nossa política de gestão de talentos e ampliamos a nossa capacidade de produção, fomentando ainda mais a parceria com produtoras independentes – gerando benefícios para toda a cadeia do audiovisual.

Esses movimentos mostram que estamos no caminho certo e que não houve nenhum impacto na oferta e no consumo dos nossos conteúdos. As nossas audiências em todas as plataformas e a capacidade de engajamento de seus programas e realities shows seguem na liderança isolada e são incontestáveis, como mostram os seguintes indicadores:

  • A audiência da TV Globo é maior do que a soma das quatro concorrentes na TV aberta. A emissora é líder de audiência em qualquer dia da semana e em todas as faixas horárias.

Manhã (6h às 12h) – 7,6pts de audiência. 159% maior que a 2ª colocada (Record)

Tarde (12h às 18h) – 13,5pts de audiência.  118% maior que a 2ª colocada (Record)

Horário Nobre (18h às 24h) – 23,2pts de audiência. 217% maior que a 2ª colocada (Record)

  • Em 2021, a TV Globo tem metade do share (51,3pts) entre as abertas (7h às 24h)
  • Se olharmos o comparativo de audiência entre 2021 x 2020, vemos um crescimento em diversos targets. Alguns exemplos: crescimento de 5% de audiência na classe AB no prime time (18h – 24h);  + 7% na audiência da classe C nas manhãs (06h – 12h); + 7% de share de audiência na classe D/E na madrugada (24h – 30h);
  • Se considerarmos o alcance diário, o programa ‘No Limite’ tem uma audiência 254% maior que o Power Couple. E mais: o alcance acumulado cresceu 77% entre a primeira e a quarta semana de exibição, o que significa dizer que, a cada semana, mais pessoas assistem e se engajam com o programa. O mesmo fenômeno é observado no Mulstishow.
  • No Limite é a melhor linha de show pós BBB na TV Globo desde 2014 (19,1pts de audiência 39,1pts de share)
  • É o segundo programa de TV mais visto nas propriedades digitais da Globo. E nas redes sociais, é o programa de TV mais comentado – com uma volumetria 88% maior do que o segundo colocado.
  • O Power Couple nunca chegou no mesmo patamar de busca do No Limite no Google.
  • A Vida da Gente (20,8pts) é a maior audiência desde Órfãos da Terra em 2019 (Considerando todas com 88 cap.) - 15,3pts de audiência e 35,3pts de share.
  • Os movimentos recentes de competições esportivas que migraram para outros canais de TV aberta mostram que elas perdem visibilidade quando saem da TV Globo. A queda é, em média, de 50% de público em comparação quando eram exibidas pela TV Globo. Isso reforça o poder de engajamento da TV Globo, que conquista uma audiência que vai além do amante do esporte. O alto investimento da Globo em direitos esportivos ajudou a construir a relação do brasileiro com o esporte. Hoje, esse investimento vem sendo feito de forma mais consciente e sustentável, adequada aos resultados que geram, seja de audiência, relevância ou mesmo financeiro. E, ainda assim, continua a ser um dos maiores do mundo em comparação a qualquer TV internacional. Temos direitos da Copa do Mundo, Jogos Olímpicos, Brasileirão, Copa do Brasil, Eurocopa, Eliminatórias, Mundial de Clubes, Superliga de vôlei, Mundial de Vôlei de Praia, Wimbledon, US Open, Roland Garros, UFC, só para citar alguns dos principais.

Por tudo isso, refutamos a teoria de que a Globo acredita no fim da TV aberta. Não é verdade. Muito pelo contrário. Nunca se viu tanta televisão. A população brasileira cresceu, assim como o número de lares com aparelhos de TV e a oferta de devices para consumo de conteúdo. Nesse cenário, graças à sua relevância e qualidade, abrangência e capilaridade, os indicadores mostram que a TV Globo se mantém na preferência do público. Nós acreditamos que esta vitalidade é evidenciada pela qualidade de seus conteúdos, que continuam evoluindo e se renovando. Como no caso dos seus realities shows, como No Limite, The Voice, Mestre do Sabor e BBB Brasil, que se tornou referência mundial em inovação, criatividade e engajamento com a população.


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