COLUNA DE MÍDIA
Reprodução/TV Globo
O apresentador Fausto Silva, um dos talentos prestes a sair da Globo, no comando do Domingão
Nos anos 1990, a Disney lançou a estratégia de levar seus personagens de maior repercussão para o vídeo. Foi um enorme sucesso do ponto de vista financeiro. Assim, uma sequência de obras irrelevantes foram lançadas, como Aladdin 2, Aladdin 3, Rei Leão 2, Rei Leão 1½, Bambi 2, 101 Dálmatas 2: A Aventura de Patch em Londres e A Pequena Sereia 2: Retorno ao Mar.
"A estratégia direto para o vídeo da Disney fez mais do que ignorar o amor do público [pelas obras], também encerrou o chamado renascimento da Disney e acabou destruindo os estúdios de animação da Disney. Na década de 2000, as vendas em cinema e as críticas das produções da empresa despencaram (alguns filmes foram completamente destruídos). Além do mais, 15 anos de padrões rebaixados sugaram a energia criativa dos estúdios de animação da Disney e levaram muitos de seus principais animadores e escritores a saírem”, afirma o analista Matthew Ball.
O resultado da estratégia da Disney foi o aumento de lucros em um primeiro momento, seguido por uma gradual queda da criatividade na Disney. Isso levou a empresa, inclusive, a perder o surgimento da animação por computador. Embora a Disney tenha sido pioneira em muitos dos avanços mais importantes em animação do século 20, ficou para trás. Concorrentes iniciantes como a Pixar e a DreamWorks Animation assumiram a liderança do segmento, superando seguidamente os recordes de público da Disney.
Decisões financeiras em áreas criativas podem levar vários anos para serem percebidas. A situação da Disney foi resolvida com a chegada de um novo CEO, Bob Iger, que comprou a concorrente Pixar e entregou os estúdios de animação da Disney aos diretores da rival.
A novata realizou um trabalho brilhante, que resultou no lançamento de obras como Procurando Nemo (2003). Isso ajudou a empresa a recuperar seu posto de líder no segmento de animações (no ótimo livro Criatividade S.A., Ed Catmull, um dos fundadores da Pixar, conta sobre a operação de salvamento dos estúdios de animação da Disney).
Nos últimos anos, a Globo tem sido marcada por sucessivas diminuições de custos, com saída de talentos e executivos experientes. Os resultados financeiros da emissora são admiráveis. Mesmo em um ano de pandemia como 2020, a Globo conseguiu fechar o ano no lucro (vale registrar que o feito só foi alcançado com o cancelamento de contratos com parceiros de longa data, como a Conmebol, e pesados cortes em seus quadros).
Por outro lado, a Globo vive uma de suas piores fases no Ibope. Desde o fim do BBB21, a audiência já caiu 15% na faixa nobre. Em outros horários, as perspectivas também não são animadoras para a emissora. Durante décadas a Globo esteve isolada à frente do Ibope, e principalmente, mantinha a indiscutível liderança criativa no conteúdo audiovisual brasileiro.
Mas isso parece um cenário cada vez mais distante. O programa No Limite, ressuscitado após mais de uma década fora do ar, não decolou. As novelas são reprises, e os programas esportivos, particularmente os jogos de futebol, estão deixando a grade da emissora rumo aos canais concorrentes ou streaming.
O reality Power Couple Brasil, da Record, tem gerado mais tráfego para sites de entretenimento do que o No Limite. Uma busca nas últimas duas semanas no Google Trends mostra claro aumento de interesse pelo programa da Record em comparação ao apresentado por Andre Marques. E, enquanto a Globo suspendeu e modificou as gravações de suas novelas, a Record, que tem investido em contratações e ampliação de sua estrutura de dramaturgia nos últimos anos, vê suas tramas crescerem no Ibope.
Nos esportes, a situação é ainda mais complexa para a Globo. Ao deixar os parceiros de futebol na mão em 2020, a emissora se indispôs com muitas organizações relevantes como a Conmebol, com a qual inclusive tentou se desculpar este ano. Sorte do SBT e da Record, que tiveram expressivo crescimento no Ibope com as competições que herdaram da Globo. A Band, além de se beneficiar da Fórmula 1, que deixou a Globo rumo à emissora paulista, ainda terá de volta Fausto Silva, o maior apresentador da TV brasileira.
E olhando adiante, o que se vê são atrações como The Masked Singer (no qual parece ter faltado criatividade até para criar um nome em português). É mais um reality que, fazendo sucesso ou não, poderia ser realizado por boa parte das emissoras brasileiras. É difícil para um executivo de TV resistir à tentação. Reality shows são programas com ótimo retorno de investimento, baratos para se produzir (em comparação a obras dramatúrgicas, por exemplo) e trazem audiência fácil.
Mas fica a sensação de que uma seca criativa e de atrações relevantes ronda a Globo. Ao adotar o caminho fácil de importar um reality show e fórmulas prontas, a emissora abre mão de seu maior diferencial, sua capacidade criativa reconhecida mundialmente.
Provavelmente, o maior concorrente da Globo no momento é o próprio Globoplay. Mais de 100 produções estão em andamento no streaming, entre novelas e reality, e crescentes investimentos são realizados na plataforma.
A possível aposta da Globo é de que o fim da TV tradicional chegará rapidamente e, quanto antes se consolidar no streaming, mais confortável estará. Mas o streaming é uma batalha altamente competitiva e cara.
Enfrentar algumas das empresas mais ricas do mundo, como Netflix, Amazon, Apple e conglomerados de mídia globais como Disney, Warner Bros. Discovery e NBCUniversal é uma tarefa hercúlea. A Netflix investiu mais de R$ 1 bilhão para criar oito capítulos da série O Legado de Júpiter. O valor gasto pela Netflix em uma única produção é praticamente 10% de todo o faturamento da Globo em 2020, que foi de R$ 12,5 bilhões.
Apesar do investimento, O Legado de Júpiter não caiu no gosto do público e foi encerrada poucas semanas após a estreia. Mas os planos da Netflix de investir pesadamente em grandes produções e talentos não mudou. Por sinal, a empresa aposta nas grandes produções para seguir na liderança do streaming.
Após a publicação deste texto, a comunicação da Globo entrou em contato com a coluna para apresentar a sua versão dos fatos. Segue a nota, na íntegra:
Vimos a sua coluna publicada hoje, ‘Cortes de custos e saída de talentos trazem risco de apagão criativo na Globo’, e achamos importante trazer algumas informações para a sua consideração, já que não fomos procurados antes da publicação.
Como é de amplo conhecimento, a Globo vem passando por uma revisão de seu modelo operacional para se adequar às diversas transformações vividas pelo mercado de mídia e entretenimento. É reducionista olhar para essa evolução apenas sob a ótica do ‘corte de custos’. Nos últimos anos, revisamos a nossa estrutura organizacional, adotamos novos modelos de gestão, revisamos nossa política de gestão de talentos e ampliamos a nossa capacidade de produção, fomentando ainda mais a parceria com produtoras independentes – gerando benefícios para toda a cadeia do audiovisual.
Esses movimentos mostram que estamos no caminho certo e que não houve nenhum impacto na oferta e no consumo dos nossos conteúdos. As nossas audiências em todas as plataformas e a capacidade de engajamento de seus programas e realities shows seguem na liderança isolada e são incontestáveis, como mostram os seguintes indicadores:
Manhã (6h às 12h) – 7,6pts de audiência. 159% maior que a 2ª colocada (Record)
Tarde (12h às 18h) – 13,5pts de audiência. 118% maior que a 2ª colocada (Record)
Horário Nobre (18h às 24h) – 23,2pts de audiência. 217% maior que a 2ª colocada (Record)
Por tudo isso, refutamos a teoria de que a Globo acredita no fim da TV aberta. Não é verdade. Muito pelo contrário. Nunca se viu tanta televisão. A população brasileira cresceu, assim como o número de lares com aparelhos de TV e a oferta de devices para consumo de conteúdo. Nesse cenário, graças à sua relevância e qualidade, abrangência e capilaridade, os indicadores mostram que a TV Globo se mantém na preferência do público. Nós acreditamos que esta vitalidade é evidenciada pela qualidade de seus conteúdos, que continuam evoluindo e se renovando. Como no caso dos seus realities shows, como No Limite, The Voice, Mestre do Sabor e BBB Brasil, que se tornou referência mundial em inovação, criatividade e engajamento com a população.
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