MUDOU TUDO
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Atores fazem piquete em Nova York durante greve que paralisou cinema e TV dos Estados Unidos
Ainda tentando se recuperar do baque provocado pela pandemia de coronavírus, a indústria do entretenimento sofreu um novo golpe neste ano. E, dessa vez, seus efeitos serão sentidos a longo prazo. As greves dos roteiristas e dos atores, que paralisaram os trabalhos nos Estados Unidos entre maio e novembro, abalaram as dinâmicas do poder. "Vaquinhas" virtuais e até Taylor Swift ajudaram a cimentar 2023 como o ano que destruiu as estruturas de Hollywood.
O "terremoto" começou em 2 de maio, quando o WGA (Sindicato Norte-Americano de Roteiristas) decidiu cruzar os braços para protestar por melhores condições de trabalho e salários, além de lutar contra o uso indiscriminado de inteligência artificial em roteiros.
Dois meses depois, em 14 de julho, foi a vez de os atores se juntarem aos escritores na paralisação, por motivos similares. Rodadas intensas de negociações mostraram que as classes trabalhadoras não iam ceder tão facilmente, com a promessa de lutar por cada um dos itens desejados.
A internet também teve um papel importante na "guerra" --a última greve dos roteiristas tinha ocorrido entre 2007 e 2008, quando as redes sociais ainda não eram tão populares. O público pôde acompanhar a narrativa em tempo real, e a AMPTP (Aliança dos Produtores de Filmes e Televisão) foi facilmente pintada como vilã --afinal, é mais fácil torcer por Davi na luta contra Golias.
Os produtores, vale ressaltar, não se ajudaram muito nesse aspecto. Alguns deles chegaram a dizer que estavam preparados para prorrogar a negociação durante meses, até que os roteiristas não tivessem condições de pagar suas contas e perdessem suas casas. Tudo isso enquanto executivos dos grandes estúdios tinham seus salários milionários divulgados, para escancarar a hipocrisia do argumento de "não temos dinheiro para pagar mais".
Também ficou feia a situação da NBCUniversal, que mandou cortar e aparar árvores nas proximidades de seus estúdios em Los Angeles --mesmo elas estando em um local público e sendo responsabilidade da prefeitura, não da empresa. O motivo? Elas faziam sombra para roteiristas e atores durante os piquetes em pleno verão norte-americano.
A greve dos escritores só chegou ao fim em 27 de setembro, e a dos atores em 9 de novembro. Estima-se que as paralisações, somadas, tenham custado mais de US$ 6,5 bilhões (mais de R$ 32 bilhões) para a economia do sul da Califórnia, onde se localiza a sede dos estúdios e que concentra boa parte das grandes produções de TV e cinema.
Fran Drescher, atriz conhecida do público brasileiro por ter estrelado a série The Nanny (1993-1999) e atual presidente do SAG-AFTRA (o sindicato dos atores), foi considerada uma grande heroína pelos seus colegas de profissão. A estrela provou ter mão firme na condução das negociações e, apesar de ter recebido críticas pelo acordo sobre uso de inteligência artificial, conseguiu ser reeleita para o posto até 2025, com o quádruplo de votos de sua adversária.
Os contratos dos sindicatos com a AMPTP é válido até 30 de junho de 2026, quando todas as partes precisarão se sentar à mesa para discutir novos termos. A inteligência artificial deve ser um dos grandes temas da vez, mas a negociação terá um peso diferente: afinal, os produtores agora sabem que estão lidando com uma classe unida, que não cederá a pequenos avanços.
O esquema de crowdfunding (popularmente, uma "vaquinha") também alterou a dinâmica do poder em Hollywood. Teoricamente, um filme só consegue fazer sucesso e faturar muito dinheiro se tiver um grande estúdio (como Disney, Universal, Warner, Paramount, Netflix ou Amazon) por trás.
Mas 2023 quebrou esse paradigma de vez. Em março, o Oscar consagrou o longa Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, da distribuidora A24, a primeira a vencer as seis principais categorias em um mesmo ano. A produção estrelada por Michelle Yeoh também faturou mais de US$ 139 milhões (R$ 690 milhões) no mundo todo, provando que uma boa história é capaz de conquistar o público mesmo sem a força de um grande estúdio por trás.
As bilheterias do ano ainda trouxeram duas grandes surpresas. A primeira foi Som da Liberdade, filme sobre um norte-americano que decide combater a pedofilia com as próprias mãos e acaba desafiando até as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no processo.
Abraçado por Donald Trump, apoiadores de Jair Bolsonaro e pela extrema direita, o longa faturou quase US$ 250 milhões (R$ 1,2 bilhão) nas bilheterias e virou um fenômeno. O curioso é que o projeto só chegou aos cinemas por meio de crowdfunding --a Disney desistiu de lançar o projeto, rodado em 2018, e os produtores fizeram uma vaquinha para colocar a história nas telonas. Arrecadaram US$ 5 milhões (R$ 24,8 milhões) em duas semanas --o dinheiro foi devolvido (com juros) para os "investidores" que apostaram na ideia.
E, claro, impossível falar de entretenimento em 2023 sem citar Taylor Swift. A cantora não se contentou em movimentar mais de US$ 1 bilhão (R$ 4,97 bilhões) com sua Eras Tour e lançou uma versão para os cinemas. Faturou US$ 250 milhões (R$ 1,2 bilhão) com o filme do show.
O curioso é que, pasme, ela não precisou de nenhum estúdio. Taylor e seu pai, Scott Kingsley Swift, negociaram diretamente com a cadeia de cinemas AMC para colocar The Eras Tour em milhares de sala. A rede, por sua vez, fechou com outros exibidores (como Cinemark e Cinépolis), fazendo a alegria de milhões de Swifties que não puderam ir às apresentações ao vivo --além de vários outros que viram o show, mas quiseram uma dose extra.
É claro que nem todo mundo tem o poder de fogo de Taylor Swift para driblar o sistema, mas o crowdfunding é um caminho para o futuro da indústria. Basta você convencer algumas pessoas de que seu projeto tem potencial para tirá-lo do papel. Isso já ocorre com livros, HQs, jogos de tabuleiro e até produtos inovadores, era questão de tempo até que a TV e o cinema entrassem na onda.
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