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'PIRAM E SURTAM'

Vítima de preconceito, Zezé Motta dispara contra racistas: 'Perdem a razão'

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

Zezé Motta em publicidade para seu Instagram em novembro de 2021

Zezé Motta em publicidade para seu Instagram; atriz é exemplo para militância negra

ELBA KRISS

elba@noticiasdatv.com

Publicado em 28/12/2021 - 7h00

Zezé Motta, de 77 anos, dedicou sua vida à arte e à cultura no Brasil. Ela tem mais de meio século de carreira, e boa parte desse período à frente da militância negra, um posto que admite ter assimilado quando se viu diante dos holofotes com Xica da Silva (1976). Ícone e referência para uma geração, a veterana já enfrentou o racismo dentro e fora da televisão. Segundo ela, a batalha ainda está longe de terminar. "Racistas perdem a razão", dispara.

Mesmo quando já estava consolidada como atriz, ela foi atacada. Em 1984, Zezé viveu Sônia em Corpo a Corpo, na Globo. No folhetim de Gilberto Braga (1945-2021), sua personagem tinha um relacionamento com Cláudio, interpretado por Marcos Paulo (1951-2012). O casal interracial não agradou à audiência, que escancarou o vergonhoso preconceito em ataques aos atores.

"Foi uma loucura, porque eu estava muito feliz em ter um papel de destaque numa novela. Estava feliz de participar de uma trama que fazia uma denúncia. Trabalhar com o Marquinhos era prazeroso, e em uma produção do Gilberto Braga! Enfim, tinha tudo a favor. Eu estava feliz, mas ficamos impressionados quando um jornal do Rio de Janeiro resolveu fazer uma pesquisa sobre o que o público estava achando disso", relembra em entrevista para o Notícias da TV.

Zezé Motta e Marcos Paulo (1951-2012) em Corpo a Corpo (1984) (Foto: Reprodução/Instagram)

Zezé Motta e Marcos Paulo (1951-2012) em Corpo a Corpo (1984) (Foto: Reprodução/Instagram)

"As pessoas falavam loucuras. Tipo assim: 'Não acredito que o Marquinhos está precisando tanto de dinheiro para passar por essa humilhação' e 'se eu fosse obrigado a beijar uma negra horrorosa como ela, eu lavaria minha boca com água sanitária quando chegasse em casa'", recorda a atriz.

Vítima do preconceito, a intérprete dispara contra o racismo e a discriminação. "Acho que as pessoas racistas perdem a razão e piram. Nunca tiveram [razão]. Surtam, ficam surtadas. Não é possível. Elas se sentem superiores, se sentem parte de um grupo superior, enquanto somos todos sujeitos a todas as coisas. Somos todos frágeis", observa.

Em sua luta pela igualdade na dramaturgia brasileira, Zezé analisa que o cenário mudou muito desde que estreou como atriz no espetáculo Roda Viva, escrito por Chico Buarque nos anos 1960. Ela abriu portas para uma nova leva de talentos negros. Mas reconhece que há muito mais a ser feito.

"Tenho 54 anos de carreira artística. Na militância, são uns 45 ou 50 [anos]. Estreei profissionalmente em 1967, com Roda Viva e ainda na Ditadura Militar [1964-1985]. Fico muito feliz de ter sido inspiração [para atores negros]. Não vou ficar aqui com modéstia. Tenho consciência disso", destaca.

"Hoje, acho que existe uma preocupação com relação a essa questão [da igualdade na televisão], mas é muito lenta e ainda temos muita luta pela frente. A única solução seria a distribuição de papéis independentemente da cor. No começo, eu pensava: 'Os autores têm que escrever bons papéis para os atores negros'. Depois parei e pensei que não", considera.

reprodução/instagram

Zezé Motta como Xica da Silva (1976)

Zezé Motta como Xica da Silva (1976)

O legado de Xica da Silva

Em 1976, Zezé foi vista por milhões de pessoas no cinema graças a Xica da Silva, filme de Cacá Diegues. O trabalho a transformou em uma estrela e colocou uma personagem emblemática na história do cinema nacional. Nos bastidores, a intérprete entrega que o longa-metragem a posicionou também no movimento negro. Uma luta que já era sua, mas que ela confessa ter aprendido a desempenhar.

"O que aconteceu comigo foi o seguinte: quando Xica da Silva estourou, eu já tinha oito anos de carreira. Eu tinha consciência de que havia alguma coisa errada. Eu tinha vontade de fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. De repente, abri um jornal e li que uma antropóloga, por acaso negra, chamada Lélia Gonzalez [1935-1994] ministraria um curso de cultura negra no Parque Lage [no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro]. Soltei fogos", detalha.

"A partir do momento em que virei uma atriz popular e dava não sei quantas entrevistas por dia, eu tinha um sentimento e sabia que havia alguma coisa errada. Mas eu não tinha um discurso articulado para essa reflexão: 'Que história é essa? Que país é esse?'. Fui fazer esse curso para ter um discurso articulado, comprar essa briga e entrar nessa luta. E não parei mais", conta.

Ícone negro da cultura brasileira, Zezé integrou o elenco de novelas marcantes da televisão. Fez Beto Rockfeller (1968), na TV Tupi. Na Globo, atuou em A Patota (1972), Duas Vidas (1976), Transas e Caretas (1984), A Próxima Vítima (1995), O Outro Lado do Paraíso (2017), entre muitas outras. Na Record, tem Rebelde (2011) e Escrava Mãe (2016) no currículo.

"Agradeço sempre. Tenho agradecido muito a Deus por esse dom. Adoro fazer o que faço, que é cantar e representar. A minha saudosa comadre Marília Pêra [1943-2015] dizia que achava que a gente escolhia essa profissão para ser amada. E faz sentido (risos). Ela dizia: 'Nós somos um bando de carentes que ficam se exibindo' (risos)", opina. Uma curiosidade: ela nasceu Maria José Mota. Zezé Motta foi o nome artístico dado justamente pela amiga Marília.

reprodução/instagram

Marília Pêra [1943-2015] e Zezé Motta

Marília Pêra (1943-2015) e Zezé Motta

Luto na pandemia

No último ano, a pandemia da Covid-19 afastou a artista da frente das câmeras e dos palcos. E a distanciou também de sua mãe, Maria Elazir Mota, que morreu aos 95 anos em maio do ano passado. A tristeza profunda, lamentavelmente, embalou seu confinamento. "Foi sofrido e doloroso para todo mundo. Foi complicado para os profissionais de todos os segmentos. Eu tive que apelar para a análise. Faço terapia eventualmente, mas há anos que não fazia", admite.

"Calhou de acontecer de eu perder minha mãezinha logo no início [da pandemia]. Fiquei desnorteada. Embora ela já tivesse 95 anos, eu não estava preparada. Acho que ninguém está. O que foi doloroso é que, como ela morreu um mês depois que começou a pandemia, eu não a via. Nós tínhamos um ritual de que todo fim de semana, quando não estava viajando, eu passava com ela. E aí foi uma loucura na minha cabeça, porque antes de ela partir, fiquei uns dois ou três meses sem vê-la", lamenta.

Ainda em luto, Zezé voltou a sorrir para a vida com a retomada da agenda profissional. Na quarentena, fez uma live e participou do especial Falas da Vida, da Globo, e do show de Roberto Carlos. Também voltou aos estúdios para narrar o documentário Vozes do E!, do canal pago E!, sobre a posição da mulher nas telas e na sociedade. E há mais por vir.

"Tenho vários convites. Estou com dois roteiros de cinema e um convite para fazer Arcanjo Renegado [série do Globoplay]", adianta. O lado musical foi igualmente retomado, com propostas de shows pela Europa.

Há ainda uma novidade na vida da veterana. Nos últimos meses, ela descobriu o posto de influenciadora digital. Com mais de 700 mil seguidores no Instagram, partiu também para o TikTok. "Sou uma iniciante. Estou tomando intimidade. Nunca imaginei isso (risos)", diverte-se.

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