OPINIÃO
DIVULGAÇÃO/CBS
Príncipe Harry e Meghan Markle em entrevista bombástica com Oprah Winfrey
Aos 94 anos de idade e 68 de reinado, a rainha Elizabeth 2ª já aprendeu que o tempo pode ser o melhor amigo diante de crises políticas ou familiares. Quem assistiu à série The Crown, na Netflix, sabe que ela já superou várias. Fato é que esta semana começou com uma verdadeira dinamite metafórica jogada contra o Palácio de Buckingham nas últimas décadas, o que fez com que duas nações irmãs discordassem no tom com que enxergam tudo.
Essa bomba tem nome: a entrevista do príncipe Harry e sua mulher, a atriz Meghan Markle, para Oprah Winfrey, exibida no último domingo (7) pela rede norte-americana CBS. No Brasil, o canal GNT vai mostrar a conversa na íntegra nesta quinta-feira (11), às 22h30 (horário de Brasília).
A principal acusação do casal foi de que um membro da família real teria se preocupado com qual seria o tom de pele do primeiro bebê dos dois, Archie, que nasceu em 2019. Isso teria acontecido pelo fato de o menino ser afrodescendente, já que Meghan é filha de pai branco e mãe negra.
Os dois também se mostraram ressentidos de o menino não ganhar o título de príncipe ao nascer, apesar de a legislação britânica não prever isso. Afinal, Archie não é herdeiro automático ao trono, ao contrário dos filhos de William.
Outra acusação grave foi a revelação de Meghan, que sofria forte depressão e tinha pensamentos suicidas, sem que ninguém no palácio auxiliasse em sua saúde mental.
Se nos Estados Unidos a acolhida foi maior às falas do duque e da duquesa de Sussex, ditas menos de um mês depois de abdicarem de vez aos direitos, benesses e obrigações para com a Família Real, no Reino Unido a história é outra.
Na terra da rainha, a repercussão não é tão favorável assim ao casal. Até mesmo porque a imprensa britânica foi apontada como a grande vilã da fuga dos dois da fria Londres rumo à ensolarada Califórnia.
Segundo o casal, os tabloides ingleses fazem coberturas maldosas e não seriam contestados pelo Palácio de Buckingham. Um dos principais temas de tamanha revolta foi a suposta briga de Meghan com a cunhada Kate Middleton, mulher de William, que a teria feito chorar por conta do modelo dos vestidos das daminhas de honra de seu casamento. Algo que não deveria ter tomado tal dimensão. Até porque há coisas muito mais importantes no mundo, como uma pandemia.
Mas a mais terrível acusação foi mesmo a de racismo. A gravidade do tema, com um de seus membros acusados, doeu profundo na família real. Sobretudo porque Harry e Meghan não disseram quem fez o tal comentário racista sobre a possível cor da pele do bebê, nem quando, nem qual foi o tom e em que contexto. A imprensa inglesa ainda pergunta por que só agora, com Archie às vésperas de seu segundo aniversário, o casal resolveu trazer a público tal história.
Ao não dar nome ao boi, Harry e Meghan tornaram a situação complicada para a família real e a própria rainha Elizabeth 2ª junto à opinião pública internacional. A crise nos bastidores foi tamanha que a própria Oprah Winfrey precisou dizer, após a entrevista ir ao ar, que o comentário racista não havia sido feito pela rainha, nem por seu marido, o príncipe Philip, de 99 anos.
Aliás, no momento, o príncipe Philip, o duque de Edimburgo, está internado e recém-operado do coração, em situação médica delicada, o que fez a rainha se entristecer ainda mais pela decisão do neto em lavar a roupa suja familiar em praça pública, distanciando-se de todos os protocolos reais.
Uma acusação de racismo da família real é ainda mais grave hoje em dia, até porque Elizabeth 2ª é rainha de países com variadas etnias, como a própria Inglaterra nos dias atuais, país que viveu as fortes manifestações anti-racistas de 2020.
Foi por conta de ver o Palácio de Buckingham acusado de racismo que a soberana, após muito refletir, resolveu se pronunciar, dois dias depois da entrevista em um comunicado de sucintas 60 palavras, divulgado na última terça (9).
"A Família Real inteira está triste ao saber a extensão de quão desafiadores os últimos anos têm sido para Harry e Meghan. As questões levantadas, particularmente as de raça, são preocupantes. Embora algumas lembranças possam variar, elas são levadas muito a sério e serão tratadas pela família em particular. Harry, Meghan e Archie sempre serão membros da família muito queridos", diz o econômico texto.
Não é mentira que a Elizabeth 2ª gosta de Harry e Meghan --os dois inclusive confirmaram isso a Oprah. Em agosto de 2020, no dia do aniversário de 39 anos da atriz, a conta oficial da Família Real no Instagram postou uma foto da rainha ao lado da mulher de seu neto, desejando-lhe "um aniversário muito feliz". E nessa época Meghan e Harry já viviam nos EUA, de onde Elizabeth os atendia por videochamadas.
É importante ressaltar duas coisas no pronunciamento real: a decisão da rainha de que tudo será tratado no ambiente familiar privado, ao contrário da exposição que o casal fez do assunto, e ainda o fato de que a ela reforça que "algumas lembranças possam variar", dando a entender que nem tudo que Harry e Meghan contam é verdade absoluta.
Elizabeth já lidou em sua longa vida com outros membros da realeza que deflagraram crises, como seu tio, o ex-rei Edward 8º (1894-1972), que abdicou do trono, a sua irmã, a sempre inconformada em ficar em segundo plano princesa Margaret (1930-2002). E ainda a própria nora e neto, a princesa Diana (1961-1997) e o príncipe Charles, com seu casamento de infelicidade pública.
Boa parte da imprensa britânica tomou as dores da família real. Houve até quem interpretou a entrevista de Harry e Meghan como uma afronta ao Reino Unido. O jornalista britânico Tony Parsons, especializado em assuntos relacionados à coroa, escreveu artigo no The Sun em tom contrário ao casal. Classificou a entrevista de "um ataque a um país que só lhe desejava felicidade".
Além de lembrar o apoio da família real e da sociedade britânica --e mundial-- ao casamento, o jornalista ressaltou que Harry e Meghan, com seu casamento inter-racial, representavam um avanço para o Reino Unido, fazendo a monarquia ficar mais próxima de um país transformado etnicamente.
Parsons ainda reiterou que a mãe de Harry, a princesa Diana, demorou 14 anos desde seu casamento com Charles, em 1981, até revelar na bombástica entrevista a Martin Bashir na BBC em 1994 que havia três pessoas em seu casamento. E lembra que a acusação de Diana de que o príncipe herdeiro a traía com Camila Parker Bowles era tão verdadeira que os dois se casaram em 2005, quase oito anos após a morte de Lady Di.
Contudo, o jornalista observa que Meghan demorou menos de três anos após "um ensolarado casamento no Castelo de Windsor" para sentar-se com Harry diante das câmeras de TV e jogar uma bomba na família real e no Reino Unido, mas sem as provas que Diana tinha.
Na visão do articulista, a entrevista fez parecer de forma errônea que a família real inteira é racista. E vai além: que a sociedade inglesa também o seria. Ele ainda pontua, colocando seu próprio casamento anglo-nipônico como exemplo, de que famílias de casais de etnias diferentes geralmente fazem especulações sobre com quem o bebê se parecerá ao nascer, sem que isso seja necessariamente uma frase com intuito racista.
Na visão do articulista, como não se sabe quem disse a frase sobre a tom de pele que Archie teria nem em que contexto ela foi dita, não é possível classificá-la como racista sem antes ouvir o outro lado ou outras testemunhas.
Nem a própria Oprah Winfrey fica longe das acusações da imprensa britânica. Apesar de ter dito depois que o casal não recebeu pela entrevista --que teria sido vendida por R$ 40 milhões para CBS--, a apresentadora, que é amiga de Meghan e até esteve no casamento dos dois, é acusada de ser condescendente na entrevista, não exercendo a função jornalística de duvidar de suas fontes.
Uma pergunta que faltou, segundo a imprensa inglesa, foi: já que Meghan critica tanto a família do marido, chamada por ela e Harry de "ambiente tóxico", por que apenas sua mãe foi convidada ao casamento, e outras pessoas de sua família, inclusive o pai da atriz, não estiveram presentes?
Boa parte da imprensa inglesa critica o fato de Oprah ter comprado a história dita pelo casal como a mais absoluta verdade, deixando de lado uma regra básica do jornalismo: toda história tem outros lados. E não apresentá-los nas duas longas horas de conversa com Harry e Meghan.
O Palácio de Buckingham tentou passar uma imagem de que está acima de todas essas acusações, já que, momentos antes de a entrevista ir ao ar nos Estados Unidos, a rainha Elizabeth 2ª publicou um vídeo parabenizando as 54 nações independentes que integram a Commonwealth, a reunião de países que a consideram soberana, em uma demonstração de seu poder e tentativa de chegar ao coração dos súditos.
Ao que tudo indica, a rainha Elizabeth 2ª desejou passar com suas sutis mensagens neste episódio, classificado por ela mesma de "triste", um pensamento típico de qualquer avó: roupa suja se lava em casa.
Fica então a pergunta: será que Harry e Meghan se precipitaram ao conceder a bombástica entrevista a Oprah? Só o tempo responderá.
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MIGUEL ARCANJO PRADO é jornalista pela UFMG, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e mestre em Artes pela Unesp. É crítico da APCA, criador do Prêmio Arcanjo de Cultura e coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro. Passou por Globo, Abril, Folha, Record, Band e UOL. Clique para ver mais textos do Miguel e conheça também o Blog do Arcanjo
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