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ANÁLISE

BBB21 expõe racismo e machismo do Brasil de maneira inquestionável

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

João Luiz chora no BBB21

João Luiz Pedrosa teve seu cabelo comparado ao de um homem das cavernas no BBB21

MIGUEL ARCANJO PRADO

pauta.arcanjo@gmail.com

Publicado em 7/4/2021 - 6h45

O Big Brother Brasil, um dos destaques da Globo em audiência e faturamento, reflete em sua atual edição dois problemas graves do Brasil: o racismo e o machismo. Ambos, infelizmente, ainda arraigados na estrutura social da nação.

Contudo, chama a atenção a maneira diferente com que a sociedade reage aos assuntos do BBB21, incluindo aí nomes famosos que buscam navegar no tsunami digital do reality, no intuito de faturar com seguidores.

Comecemos pelo machismo estrutural refletido no reality. É interessante notar como os homens com atitudes negativas logo são relativizados, perdoados ou simplesmente neutralizados do lado de fora da casa.

Isso aconteceu, por exemplo, com Projota, que não foi tão achincalhado como ocorreu com Karol Conká ou Lumena Aleluia, mesmo o rapper tendo cometido falhas graves.

O perdão para ele do lado de fora foi praticamente imediato, no estilo "vida que segue". Já para Karol e Lumena, o clima foi de "que suas carreiras sejam destruídas para todo o sempre, amém". Outro que usufrui das benesses de ser um macho alfa e, neste caso, ainda ser um homem branco em um país estruturalmente racista, é Rodolffo.

reprodução/tv globo

Rodolffo reproduz preconceitos

O cantor insiste em justificar ações injustificáveis, como quando comparou o cabelo de João Luiz ao de um homem das cavernas. A frase é típica de um olhar racista para o cabelo crespo, o mesmo que durante anos obrigou repórteres ou recepcionistas negras a alisarem, bem como os homens negros a rasparem com máquina seus cabelos.

E em seu erro, como é típico em uma sociedade doente, Rodolffo está tendo mais apoio do que deveria, inclusive com o silêncio de muitos famosos, que antes não mediam voz para atacar Lumena ou Karol Conká.

Por que Rodolffo é tão protegido?

É aí que entra outro calcanhar de Aquiles deste BBB21 e do próprio Brasil: o racismo estrutural. Rodolffo, em sua tentativa de associar o cabelo black power de João Luiz à selvageria de um homem das cavernas, apenas repete um comportamento típico do racismo estrutural brasileiro.

E também na forma como se defende, tentando roubar o lugar da vítima e esconder seu erro por trás do fato de seu pai ter cabelo crespo, como se isso o blindasse de ser racista.

Como o próprio BBB21 nos mostrou, até mesmo Nego Di, que é negro, pôde ser capaz de proferir uma frase estruturalmente racista, quando chamou de "sujinho" o tom de pele de Gilberto Nogueira e quis questionar a negritude do colega, esquecendo-se que negros são a somatória de pretos e pardos.

Outra coisa: não há nada mais estruturalmente racista do que dizer que não é racista por ter amigos ou algum parente negro.

Em vez de admitir sua falha e tentar melhorar, sobretudo em relação a um assunto que não sente na própria pele, Rodolffo prefere permanecer em uma típica birra infantil de justificar o injustificável. Falta maturidade.

Entretanto, não há surpresa no comportamento do cantor, porque ele é o mesmo que existe em grande parte do Brasil e em todos os estratos sociais. Raros são os que conseguem perceber seu racismo estrutural, admitir seus erros e aprender com eles.

A fala racista de Rodolffo não é caso isolado em seu comportamento. Basta lembrar o tom homofóbico de suas atitudes para com Gil, demonstrando-se incomodado --por que será?-- com o jeito mais sensível do brother.

Dono de masculinidade frágil, o sertanejo parece não conseguir conviver com tranquilidade com um gay ou com um negro que demonstram orgulho de sua sexualidade ou etnia. Se fosse uma pessoa mais bem resolvida, Rodolffo poderia levar suas questões para a terapia e repensar a relação frágil que tem com a sexualidade e a etnia alheia --o que diz muito mais sobre ele mesmo do que sobre os outros.

No reality mais visto da TV, o cantor acaba por representar uma parcela da população que vê seu comportamento preconceituoso ser revelado dia a dia nos últimos tempos. E que se irrita com isso. Afinal, as antes ditas minorias descobriram ser maioria e encontraram voz nas redes sociais, recusando-se a se manter no silêncio ao qual foram relegadas por séculos.

reprodução/tv globo

Ludmilla se apresentou no BBB21

Como demonstrou muito bem Ludmilla no show que fez no próprio BBB21, é preciso respeito ao povo negro, à música negra, ao cabelo negro. Não mais vai ser possível calar as vozes contra o racismo, o machismo ou a LGBTfobia no mundo contemporâneo.

O padrão social que Rodolffo representa está em desconstrução. Um tipo como ele, quando deslocado de sua bolha de conforto, hoje não só é questionado publicamente como também é rechaçado por boa parte das novas gerações.

Gente que deseja dar um basta a qualquer tipo de padrão de beleza, de comportamento sexual ou de gênero, padrões impostos pelo macho alfa heterossexual branco nos últimos séculos, para que este permanecesse acima de tudo e de todos.

O próprio BBB, que durante décadas ignorou a representatividade negra proporcional à da população dentro do reality, hoje parece ser uma resposta a essa pressão social, feita pelas novas gerações, que compram os produtos dos anunciantes que sustentam a atração.

Já que estamos falando de mercado, espanta que muitas celebridades que ganham rios de dinheiros com publicidade não tenham se atentado que seu comportamento é lido pelo público, inclusive seu silêncio.

Por que os que antes adoravam atacar falhas de Karol Conká ou Lumena agora ficam quietinhos diante do comportamento equivocado de Rodolffo?

O fato de o sertanejo ser o típico macho alfa branco heterossexual o torna inatacável pelas mesmas celebridades que antes não mediam esforços para expulsar as participantes mulheres e negras?

Ou será que, no fundo, esses famosos e famosas concordam com tudo o que Rodolffo faz e diz na casa e não o atacam justamente por se identificarem ou, quem sabe, acharem que tipos como ele são superiores?

São perguntas indigestas que pairam no país ainda atormentado pelo machismo e pelo racismo estrutural chamado Brasil.


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