ANÁLISE
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Nego Di e Gilberto Nogueira no BBB21; comediante reproduziu racismo em comentário
Com um início quente regado a brigas e julgamentos, o BBB21 agora mergulha em um novo conflito com brothers querendo determinar a etnia de seus pares. O participante Gilberto Nogueira afirmou na festa Herança Africana que é um homem negro. A declaração incomodou a cantora Karol Conká e o comediante Nego Di.
Contudo, Nego Di passou do questionamento sobre a negritude do colega e reproduziu uma declaração altamente racista: "Ele é sujinho. Se esfregar bem...".
Trata-se de uma afirmação terrível para alguém que diz lutar contra o racismo, já que o comediante associa a pele de tom mais escuro à sujeira, um tipo de pensamento racista e condenável.
Não custa lembrar que, para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), negro é a somatória de pretos e pardos. E é isso o que torna a população negra mais da metade do país. Nem todo negro tem pele muito escura. Negros são diversos, com tons de pele variados, incluindo aí tons mais claros.
O IBGE pesquisa a cor ou a raça da população brasileira tendo a autodeclaração como base. A pessoa pode escolher dentre as cinco opções: branca, preta, parda, indígena ou amarela. Ou seja, se Gilberto, por exemplo, declara ao órgão que é pardo ou preto, ele é considerado negro.
Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019, 42,7% dos brasileiros se autodeclararam brancos, 46,8% como pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou indígenas. Negros são a somatória de pretos e pardos, totalizando 56,2%. É preciso reiterar: é isso que faz dos negros mais da metade da população brasileira.
Se estivesse nos Estados Unidos ou na Europa, Gilberto jamais teria sua fala contestada. E causaria surpresa se alguém o questionasse. Muito pelo contrário, um europeu ou um norte-americano não teria dúvida de que o economista é um afrodescendente, o que está evidente nos traços dele.
Essa dúvida, surgida no BBB, parece ser fruto da teoria do colorismo, que postula que negros de pele escura sofrem mais preconceito social do que negros de pele mais clara, gerando um embate interno dentro da própria população negra.
Foi o que aconteceu no caso da cantora Fabiana Cozza, atacada por uma parte mais radical do movimento negro quando foi escalada para viver a sambista Dona Ivone Lara nos palcos. A reação a fez abandonar o papel e continuar cantando a obra da Rainha dos Samba só em seus shows.
Querer dizer quem é ou não é negro por conta do grau de melanina na pele ou nível de cacheamento do cabelo demonstra um reducionismo e desconhecimento inclusive da população da própria África. O continente é diverso e tem multiplicidade étnica: mesmo dentro do recorte negro há variados tons de pele, incluindo aí negros de pele mais clara, como são os do norte africano.
Em um país com forte miscigenação, como é o caso do Brasil, onde a maioria absoluta da população é mestiça, querer zombar da identidade racial do outro, ou mesmo definir o que ele é ou não é, soa uma atitude arrogante e até mesmo violenta.
Se uma pessoa com a aparência da princesa Diana dissesse que é negra, aí, sim, poderia surgir este tipo de questionamento. Agora, no caso de Gilberto, este questionamento vai de encontro a toda uma luta de negros e negras para que as pessoas pardas tenham orgulho de sua ancestralidade negra.
Orgulho este que a gente vê recentemente no grande movimento de transição capilar, com muitas mulheres assumindo seus cachos e seus cabelos black. O que mudou a própria indústria da beleza no país, antes focada em um padrão branco de cabelo liso, e agora assumindo a beleza real da população brasileira em seus produtos. Isso muda vidas e gera autoestima.
Ao querer julgar a negritude de Gilberto, o comediante Nego Di e a cantora Karol Conká incorrem em grave erro, rejeitando na parcela negra as pessoas pardas. E Nego Di ainda faz pior: soltou uma frase racista. Era só o que faltava, agora o BBB tem um tribunal racial.
Confira o comunicado sobre o assunto postado no perfil oficial de Gilberto:
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MIGUEL ARCANJO PRADO é jornalista pela UFMG, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e mestre em Artes pela Unesp. É crítico da APCA, criador do Prêmio Arcanjo de Cultura e coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro. Passou por Globo, Abril, Folha, Record, Band e UOL. Clique para ver mais textos do Miguel e conheça também o Blog do Arcanjo
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