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GRADE EM APUROS

Crise na Globo: De Cara e Coragem a Fuzuê, por que a faixa das sete coleciona flops?

FOTOS: REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Giovana Cordeiro caracterizada como Luna; ela tem o semblante choroso em cena de Fuzuê

Giovana Cordeiro em Fuzuê, atual novela das sete, que enfrenta uma fuga da audiência

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 25/12/2023 - 6h10

A Globo iniciou e encerrou o ano de 2023 com um problemão em suas novelas das sete: a falta de audiência. Fuzuê, atual folhetim da faixa, é um exemplo claro disso. A novela acumula média de 19,3 pontos na Grande São Paulo desde sua estreia, número menor que o de Cara e Coragem (2022) e o de Quanto Mais Vida, Melhor! (2021), tramas que também foram consideradas fracas --mas que fecharam com 21 pontos.

A exceção nesse cenário foi Vai na Fé (2023), que conseguiu encerrar sua exibição com uma média de 23 pontos. Mas a novela tinha um perfil bem diferente daquele de suas "companheiras" de horário. O folhetim de Rosane Svartman até tinha um núcleo cômico, mas era bem mais sóbrio e ancorado em questões sociais do que os outros.

Fuzuê e Quanto Mais Vida, Melhor!, por sua vez, apostaram numa comédia mais "escrachada"; uma "farofa", como os noveleiros costumam se referir nas redes sociais. A atual novela das sete também tem uma característica em comum com Cara e Coragem: um mistério em forma de tesouro, ao redor do qual toda a trama é baseada.

Não é exatamente um problema. Silvio de Abreu fez tanto sucesso com tramas deste gênero neste horário que acabou criando um "padrão" para a faixa --assim como outros autores o fizeram para a faixa das seis e das nove. São dele as novelas Guerra dos Sexos (1983), Cambalacho (1986) e Sassaricando (1987), referências nesse estilo.

Carlos Lombardi seguiu a mesma esteira e se deu bem. Mas, em 2023, parece que a fórmula não funciona mais. A pergunta que fica é: por quê?

Lucas Martins Néia, autor de uma tese sobre a história das novelas no Brasil, na Universidade de São Paulo (USP), acredita que a questão seja uma mudança nos hábitos de consumo do público. Segundo ele, boa parte do público que costuma assistir à novela das seis --normalmente mais voltada ao romance do que ao humor-- passou a ocupar também a faixa das sete.

O público das sete, por sua vez, se voltou ao horário das nove. Não à toa, as novelas das nove mais cômicas fizeram bastante sucesso nos últimos anos: A Dona do Pedaço (2019) e a reprise de Fina Estampa (2011, reapresentada em 2020 devido à pandemia de Covid-19) são exemplos.

Ou seja: só o perfil das seis continua praticamente o mesmo que a Globo mapeou há 50 anos, quando instaurou a grade com a tríade de novelas. E olha que ela já fez experimentações com esse público. Em 2008, a emissora colocou na faixa Negócio da China, novela de Miguel Falabella que foi pensada para as sete. A ideia era recuperar a audiência de Ciranda de Pedra (2008), romance de época que não somou bons números.

Claro, muita coisa mudou de lá para cá. Mas também podemos usar como exemplo o remake de Elas por Elas, no ar atualmente. A versão original, exibida em 1982 na faixa das sete, foi um sucesso. Agora, às 18h, o mesmo enredo coleciona números bem abaixo da média --para se ter ideia, a audiência do horário caiu 39% quando comparamos a audiência da primeira semana de dezembro e a do mesmo período do ano passado, quando Mar do Sertão (2022) estava no ar.

Alessandro Marson e Theresa Falcão, autores do remake, até prometerem focar mais o romance do que a comédia para o remake, mas, como é de se perceber, não foi o suficiente. 

Isso não significa que chegamos ao fim da "era comédias escrachadas" na faixa das sete. Haja Coração (2016, mas reapresentada em 2020) e Salve-se Quem Puder (2020) funcionaram, e elas também pertencem a essa safra. Mas, segundo o estudioso, é nítido que a grade consolidada pela Globo desde a década de 1970 precisa de mudanças.

Crise geral

Ligia Prezia Lemos - pesquisadora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e autora do artigo Ficção Televisiva Brasileira e Covid-19: Reconfigurações e Estratégias de Programação, tem uma opinião parecida:

As mudanças, tanto em relação à audiência quanto em relação à produção, tiraram a certeza que uma emissora tinha quanto a sua grade. Isso de que a novela das sete funcionava para uma audiência específica, com tal conteúdo, com tal gênero... Isso não existe mais, porque o ambiente comunicacional mudou.

Mas qual seria esse novo "ambiente comunicacional"? Isso ela não sabe dizer. Esse conceito vem sendo construído com a inclusão das novas formas de consumir um conteúdo televisivo, como o streaming e as redes sociais. 

As emissoras também não sabem como lidar com esse novo cenário, e o jeito é apelar à boa e velha experimentação. Cara e Coragem foi um exemplo disso. Claudia Souto quis apostar na ação do universo dos dublês para tentar atrair o público jovem, um dos alvos da emissora para o horário.

Paolla Oliveira em Cara e Coragem

Paolla Oliveira como Pat em Cara e Coragem

A Globo apostou tanto nessa ideia que decidiu colocar uma segunda faixa de exibição para a novela, durante as madrugadas --em que grande parte do público com a TV ligada é, justamente, quem tem entre 18 e 30 anos. 

Não funcionou, mas serviu como experiência. Assim como os remakes, as novelas mais dramáticas e as que tratam de temas sérios, mas com leveza.

Outro problema é o fato de a emissora apostar todas as cartas em uma único ponto que deu certo. Pantanal (2022) foi um exemplo: a novela fez sucesso, e, agora, a emissora agarrou de vez o universo rural com Terra e Paixão. De quebra, apostará num outro remake de Benedito Ruy Barbosa: Renascer, que estreará em janeiro. 

Segundo Ligia, muito disso tem a ver com um pensamento redutor, ou cartesiano. O equivalente a 1 + 1 = 2; ou remake + universo rural = sucesso. Só que isso não leva em consideração vários outros fatores que podem ter feito o sucesso de determinada novela (no caso de Pantanal, o Notícias da TV fez uma análise aqui).

Mas e Vai na Fé?

Mas, no ano de 2023, não tem como analisar a faixa das sete sem falar do fenômeno Vai na Fé. A trama, que até levou o prêmio de melhor novela do Melhores do Ano, teve uma boa performance na TV aberta, no streaming e até em menções nas redes sociais.

Parte do sucesso da novela reside no fato de ela ter se apropriado deste novo "ambiente comunicacional". A trama brincava com o tradicional, usando a história da teledramaturgia como pano de fundo, e com o moderno, trazendo discussões que são mais latentes nas redes sociais --passando por tópicos como os relacionamentos interraciais e a cultura do estupro.

Para Lucas Martins Néia, o folhetim é um exemplo de como manter o estilo consolidado do horário, mas com motivações pertinentes aos novos tempos. "Um feito que eu acho importante é que a novela conseguiu dialogar com o jovem. Não foi só a ideia de ter novelas mais leves, mas também atrair esse público. Passa um pouco pelas questões de você entender quem é o público-alvo e quais os desejos dele. E, então, pensar nas mudanças para cada faixa."

O surpreendente é que a novela falava de um tema bem delicado: as diferentes formas de fé. Isso tudo enquanto discutia questões sociais. Claro, trazer novos debates é algo comum para as telenovelas, mas mexer num vespeiro tão grande numa faixa cujo objetivo era ser "leve" pareceu arriscado. Ainda mais num Brasil tão polarizado como o de agora.

Sol (Sheron Menezzes) e Ben (Samuel de Assis), os mocinhos de Vai na Fé

Sheron Menezzes e Samuel de Assis em Vai na Fé

"Hoje, há uma diminuição da 'coragem' de se apresentar esses debates, porque essas discussões podem se tornar um pouco mais acaloradas, né? Acho que isso passa um pouco pelo Espírito do Tempo, que é cíclico. Nosso mundo passa por períodos em que as pessoas estão mais abertas para discutir certos temas, e outros, não", define Ligia.

Funcionou com Vai na Fé, mas pode não funcionar no futuro. Assim como o remake de Pantanal funcionou, mas o de Elas por Elas, não. 

O que será do futuro?

Por enquanto, não há como prever qual será a nova "identidade" da faixa. Só resta nos atermos às novelas que já estão programadas pela emissora: a própria Fuzuê e sua predecessora, Família É Tudo.

Apesar do cenário negativo, o pesquisador Martins Néia ainda tem esperanças na recuperação de Fuzuê. "É uma obra aberta. Enquanto você tiver essa frente de capítulos, e você estiver construindo a obra, você pode pensar em diversas estratégias para modificar a novela e conseguir uma melhor receptividade do público, uma melhor repercussão de alguns núcleos, enfim", defende.

De fato: a Globo colocou um supervisor de texto, o veterano Ricardo Linhares, para auxiliar Gustavo Reiz numa mudança de percurso --inclusive em uma tentativa de deixar a novela mais dramática e menos cômica.

Família É Tudo já preocupa mais o especialista. A novela também deve seguir para o lado da comédia, dado o histórico de Daniel Ortiz, autor do remake de Haja Coração e de Salve-se Quem Puder. E unir duas novelas com a mesma pegada pode, sim, cansar o público. 

"A Globo poderia ter pensado melhor nessa fila. Seria mais interessante. Mas o Daniel Ortiz tem um histórico de reverter a situação, mesmo em novelas que não começaram tão bem, como Alto Astral [2014]", finaliza.

De fato, Alto Astral pulou dos 24 aos 28 pontos durante sua exibição. Resta saber se ele conseguirá repetir o feito quando seu ponto de partida, por enquanto, será os 19,3 pontos de Fuzuê.


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