ANÁLISE
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Mãe e filha em Feel Good, Mae (Mae Martin) e Linda (Lisa Kudrow) têm relacionamento conflituoso na série
HENRIQUE HADDEFINIR
Publicado em 23/3/2020 - 4h43
Mae Martin é uma comediante canadense conhecida por construir seu material em torno de suas experiências pessoais. Então, é natural que em Feel Good --nova série da Netflix-- sua personagem, além de ter seu nome, também fale um pouco demais quando ocupa o palco de seus stand ups. Em meio a um relacionamento complicado, a Mae da série está descobrindo as vantagens da exposição.
Na verdade, está tudo lá. A decisão de usar o próprio nome em um personagem é comum em séries de comédia americanas e inglesas; também indica que a protagonista vai exercitar uma narrativa que mistura realidade e ficção. A Mae de mentirinha reflete uma série de comportamentos da Mae do mundo real, como o passado com drogas e a dificuldade em se ajustar no meio LGBTQ+.
Tudo isso não significa, necessariamente, que aquilo que é mostrado na série é totalmente autobiográfico. Mas, dentro de um contexto ficcional, em que quase tudo que a cerca é inventado, estão detalhes factuais e emocionais que fazem parte de uma experiência real. Isso costuma dar certo quando o texto é inteligente... E o de Feel Good, sem dúvida, transborda inteligência.
A história de Mae começa quando, após uma das noites em que não vai tão bem assim em seu show de stand up, ela conhece George (Charlotte Ritchie, extremamente parecida com Margot Kidder, a Lois Lane do primeiro Superman). George é linda, esperta, sexy, tudo o que Mae deseja numa mulher. Mas ela ainda está no armário e é completamente heteronormativa.
Assim que elas se apaixonam e o período de alienação passa, começam a aparecer os problemas típicos desse tipo de relação. George (que tem um nome masculino propositadamente) reluta em apresentar Mae para os amigos e para a família; e o fantasma de nunca ter namorado mulheres paira na relação como se ela a qualquer momento fosse "voltar atrás" em seu desejo.
Não ajuda o fato de Mae ser absolutamente ansiosa. Seu passado envolve um pesado vício em cocaína e um longo período de recuperação. Contudo, a ameaça de recair e voltar aos antigos padrões autodestrutivos está ali o tempo todo, como um apito agudo a cada vez que a cocaína surge convidativa nas cenas.
A personagem não tem muito onde se refugiar do próprio turbilhão de emoções. Ela tenta numa peculiar reunião do AA, mas até a própria família já lhe abandonara. Linda, sua mãe, internaliza as próprias mágoas e dificulta o diálogo. Lisa Kudrow, a Phoebe de Friends (1994-2004), assume o papel com surpreendente controle de seus trejeitos cômicos.
Criada pela própria Mae Martin e com todos os episódios dirigidos por Ally Pankiw, Feel Good consegue o feito de flertar com a estrutura narrativa de Fleabag (vencedora dos principais prêmios de melhor série cômica na temporada), e reforça o humor por meio da vida extremamente ferrada da protagonista. Porém, ela faz isso sem nunca parecer realmente uma cópia.
É fato que a presença de Lisa Kudrow é uma vitrine, uma tentativa de dar ao programa uma credibilidade e uma visibilidade. Porém, ao menos a Netflix Brasil não demonstrou nenhum interesse em divulgar a série, tornando o lançamento dela na plataforma praticamente uma estreia fantasma. Nem mesmo a presença de Lisa garantiu uma atenção especial da gigante do streaming.
A postura é preocupante, visto que assim como em I'm Not Okay With This, a temporada curta, de 6 episódios de 25 minutos cada, é fácil de ser assistida, sobretudo quando roteiro, direção e atuações são tão corretamente dispostos.
O espectador não vai gargalhar, mas vai dar sorrisos satisfeitos quando notar a inteligência das piadas e torcer para que o casal encontre um jeito de ficar junto.
Enfim, a ideia de uma série com uma trama central voltada para o público LGBTQ+ pode parecer compartimentada demais. Mas qualquer um que dê a Feel Good uma chance vai perceber que o afeto e as inseguranças que permeiam a história são parte da vida de qualquer um de nós. As angústias de Mae e as de George são diferentes, mas, ao mesmo tempo, iguais às de todos que já amaram e tiveram muito medo justamente por causa disso.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do Notícias da TV.
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