Por que o racismo velado do público é o maior vilão de Nos Tempos do Imperador?

Um país que fecha os olhos para feridas deixadas por quatro séculos de escravidão obrigou a equipe de Nos Tempos do Imperador a redobrar os cuidados para dar um final feliz a Zayla (Heslaine Vieira). A construção de um arco de redenção para a filha de Cândida (Dani Ornellas) foi muito mais complexa do que o esperado para os roteiristas da novela das seis da Globo--obrigando-os a confrontar por diversas vezes o racismo velado de boa parte do público.

De acordo com fontes de Notícias da TV, os autores Alessandro Marson e Thereza Falcão não foram orientados apenas a reescreverem trechos relacionados à princesa Isabel (Giulia Gayoso). A participação de consultores como Nei Lopes, especialista em cultura afro-brasileira, também foi fundamental para definir os rumos do núcleo da Pequena África.

Os escritores já tinham desde o início o plano de redimir a rival de Pilar (Gabriela Medvedovski), e as intervenções foram fundamentais para facilitar o processo. A pandemia de Covid-19 também impôs uma série de restrições que os obrigou a rever a sinopse original e a repensar o desenvolvimento por completo.

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O caminho de Zayla para reparar os erros até é repleto de clichês que se mostraram infalíveis em outras tramas e horários, a exemplo de Félix em Amor à Vida (2013). Ele foi obrigado a vender cachorro-quente na esquina para purgar seus pecados, enquanto a jovem lavou roupa para fora até machucar as mãos. "Que castigo é esse?", reforçou ela.

A personagem de Heslaine Vieira, porém, foi obrigada a engolir calada muito mais sapos do que qualquer outro vilão. Por mais absurdo que possa soar, é mais fácil para uma parcela considerável do público perdoar um homem que jogou a sobrinha no lixo do que uma mulher negra movida pelo ciúme.

Os autores preferiram, por exemplo, não fazê-la reagir de forma violenta às provocações de madame Lambert (Lorena Silva), e até uma tesourada intencional se transformou em um acidente.

Eles ainda acrescentaram falas em que Zayla frisava o orgulho de suas origens, até para fazer contraponto aos impropérios racistas ditos pela francesa. Em outra cena, cortou-se um acesso de raiva em que a modista destruiria um manequim.

Justina (Cinnara Leal) na novela das seis

Balanço positivo

Diversas fontes são consonantes ao afirmar que Marson e Thereza sempre foram muito receptivos aos apontamentos trazidos tanto pela consultoria quanto por parte do elenco. Eles não colocaram empecilhos para rever a história, mesmo com os 155 capítulos já entregues à direção.

O consenso, todavia, é de que esse processo não seria possível se diversos atores negros não tivessem se posicionado dentro e fora dos bastidores. A reivindicação é de que a Globo seja mais diversa não só em frente às câmeras, mas também atrás delas --com pessoas negras assumindo o protagonismo também na hora de se contar histórias negras.

Cinnara Leal, Heslaine Vieira e Maicon Rodrigues ainda são vistos como fundamentais para o jogo ter virado e o triângulo cair no gosto popular. A cena em que Zayla e Justina se apoiam para fugir de traficantes de seres humanos, por exemplo, foi elogiada internamente pela entrega das duas atrizes.

Nos Tempos do Imperador se passa cerca de 40 anos depois dos acontecimentos de Novo Mundo (2017). A novela terminará no próximo mês dando lugar à exibição de Além da Ilusão.

Além dos spoilers, o Notícias da TV também diariamente publica os resumos da novela das seis da Globo.

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