'Eu te repudio' de O Clone: Divórcio de Jade é prática ultrapassada em Marrocos

Jade (Giovanna Antonelli) foi humilhada por Said (Dalton Vigh) ao ouvir a frase "Eu te repudio" três vezes em O Clone. O ato, conhecido como triplo talaq na religião islâmica, é uma forma de confirmar o divórcio. O gesto verbal, no entanto, tornou-se ultrapassado em Marrocos após um novo código de família ter sido aprovado no país em 2004. Parte da novela é ambientada lá.

Professora de antropologia no Departamento de Psicologia Social da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em teologia islâmica, Francirosy Campos Barbosa explica ao Notícias da TV como acontece a separação nos países islâmicos que não aboliram o triplo talaq.

"Quando o homem diz talaq uma vez, que significa 'Eu me divorcio', a mulher [espera um período] de três meses para saber se está grávida. Se o casal mantiver relações sexuais neste período, eles não precisam realizar novo casamento, mas se não houver contato físico, o divórcio está confirmado. No segundo talaq, a regra é a mesma do primeiro. Mas, quando ele repudia três vezes, não tem retorno", diz a especialista.

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Essa situação também foi vista na trama de Gloria Perez. Jade nunca concordou em se casar com Said e decidiu atiçar o ódio do marido para se separar. Ela, então, arrumou formas diferentes para dar motivos de ser rejeitada e ter o caminho livre para ficar com Lucas (Murilo Benício). 

Na primeira vez, a protagonista salgou o chá do companheiro no meio de uma reunião de negócios. A mocinha também jogou as mercadorias do marido pela janela na segunda tentativa e, por fim, foi acometida pela ira de Said quando tentou fugir com Khadija (Carla Diaz).

Após o primeiro repúdio de Said, os dois se acertaram. Já na segunda vez, a protagonista descobriu estar grávida, e o processo foi paralisado até o nascimento da menina. Jade, no entanto, retrocedeu por temer que não veria a filha com o fim do casamento.

A separação só se tornou definitiva com o terceiro talaq. Cansada das grosseiras do marido, Jade fugiu com a primogênita nos braços, e a situação foi a gota d’água para Said. Ele a repudiou durante um conselho de família. 

Em benefício da mulher

Embora o triplo talaq pareça estranho aos ocidentais, a dissolução do casamento na religião islâmica não é tão simples assim e precisa passar por algumas etapas para assegurar que a mulher não seja abandonada. 

A especialista acrescenta que a espera dos três meses é uma regra a ser cumprida para assegurar que a divorciada não saia da união com a possibilidade de estar grávida: "Caso ela esteja, o casamento só pode ser desfeito após o nascimento da criança. Após a separação, a companheira deve receber todos os direitos e deve ser assistida".

Apesar da lei do talaq assegurar que a mulher não seja abandonada "ao vento" pelo cônjuge, casos do tipo podem acontecer durante dissoluções matrimoniais. Francirosy Barbosa, no entanto, ressalta:

Abandonar a mulher [desamparada] não é islâmico. Isso são traços culturais e não da religião. De fato, pela lei islâmica, você não pode abandonar uma mulher à sua própria sorte. Isso tem muito mais a ver com a cultura misógina, machista e não islâmica.

Só homem pode pedir divórcio?

Diferentemente do que O Clone mostra, Jade poderia manifestar o desejo de se separar de Said conforme a jurisprudência islâmica, mas isso tem que acontecer de um juiz ou líder religioso. Francirosy acrescenta:

Como ela não é a provedora da casa, o islã entende que ela não pode ser 'jogada ao vento' sem proteção, nem casa. Por isso, a separação é mais demorada e tem uma série de questões. Isso varia conforme o entendimento. O mais importante é que, no caso da novela, esse código mudou e tanto homens como mulheres podem pedir, porque os dois são considerados responsáveis pela família.

Na vida real, Said não conseguiria voltar com Jade

E como funciona agora?

Francirosy Barbosa afirma que Marrocos tem umas das legislações mais modernas sobre separação na comunidade islâmica. Por causa do novo código de família do país, o divórcio é feito com uma negociação familiar e deve ser concluído apenas com autorização prévia de um tribunal.

A professora também desmente a manobra feita por Said para voltar com Jade. Após ter se arrependido do terceiro talaq, o empresário pediu que Zein (Luciano Szafiar) se casasse com a protagonista para que ela pudesse ser devolvida para ele. 

De acordo com o Alcorão, livro sagrado da religião islâmica, a mocinha só poderia ser devolvida para o primeiro marido após fazer todo esse trâmite e manifestar o desejo de retomar o antigo relacionamento. No caso de Jade, ela quer ficar bem longe do personagem interpretado por Dalton Vigh. 

"O que acontece [em O Clone] é uma ilustração. É uma história de romance de Jade e, para ter efeito, deverá ter o maior grau de dificuldade. Está sendo aplicada a lei ao extremo, não o que de fato acontece", disse a professora. 

O Clone (2001) substituiu Ti Ti Ti no Vale a Pena Ver de Novo. A novela de Gloria Perez foi originalmente exibida na faixa nobre da Globo e reprisada em 2011 na sessão vespertina da emissora.

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