A Dona do Pedaço abusa de situações rocambolescas e beira o constrangimento

À medida que a trama de A Dona do Pedaço avança, o público é "presenteado" com situações cada vez mais rocambolescas. Nessa última semana, a novela das nove da Globo trouxe cenas e diálogos que beiraram o constrangimento. Walcyr Carrasco abusa sem pudores de viradas inacreditáveis e compromete a qualidade de sua história.

Como numa espécie de jogo dos sete erros, A Dona do Pedaço pode ser dividida em duas: ao mesmo tempo em que tem uma direção bem cuidada, com estética primorosa (mérito total de Amora Mautner), a novela peca pelo texto e pelos exageros de seu desenvolvimento. Além disso, algumas peças do elenco contribuem para que o jogo cênico penda mais para o negativo do que para o positivo.

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Muito já foi dito sobre a capacidade intelectual de Maria da Paz (Juliana Paes) de ligar os pontinhos e descobrir a cobra que criou. Mas Josiane (Agatha Moreira) também faz outro personagem de gato e sapato: o fotógrafo Téo (Rainer Cadete) é tão imbecil quanto a boleira e, por mais que a vilã tenha dado mostras de que não vale um tostão furado, ele invariavelmente cai na lábia dela e passou os últimos capítulos arrumando emprego para a mimada.

A situação fica ainda mais grotesca quando Téo vai se aconselhar com Maria da Paz, como no capítulo de quarta (9), a respeito da suposta regeneração de Jô. Por falar nela, o calvário que a suposta digital influencer enfrenta é quase um furacão de ciladas. Desde segunda (7), Jô já passou por três empregos diferentes: começou como hostess de restaurante, virou "porteira de balada" e acabou como feirante. Foi tudo tão vertiginoso que sequer houve tempo para maturar o sofrimento da vilã.

Para piorar, Jô faz bico quando é contrariada, enruga a testa, range os dentes, algo semelhante a um pinscher raivoso. Agatha Moreira usa e abusa das caretas para compor sua vilã maquiavélica, e o resultado atinge a comicidade involuntária.

Já a outra ponta de maldade da história, Fabiana (Nathalia Dill), que tinha tudo para se tornar uma grande vilã, é digna de chacota, a despeito de todo o esforço da atriz para manter a dignidade da personagem. Muito além das inúmeras vezes em que repete que foi criada em um convento, Fabiana mostra que não tem uma linha de personalidade bem traçada e suas ações, de tão descabidas, passam a impressão de que acontecem apenas para cumprir tabela.

O pior exemplo foi o capítulo de terça (8), quando ela se prestou a ir até a agência bancária em que Maria da Paz havia feito um empréstimo para denunciar a concorrente. Não bastasse o absurdo da denúncia, Fabiana ouviu uma DR dos gerentes, que, para completar, ainda foram bater na porta da boleira para cobrar a dívida. Oi? SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e Serasa são instituições que não existem na São Paulo de A Dona do Pedaço.

Por fim, mas não menos degradante, é a dobradinha dos personagens sem função com seus diálogos constrangedores. O núcleo supostamente cômico da família de Eusébio (Marco Nanini) é uma das piores coisas que já existiram em novelas. É de dar dó ver tanta gente boa, como Betty Faria (Cornélia) e Rosi Campos (Dorotéia), em papéis tão ruins.

A cereja do bolo é o jogral infantilizado que são obrigados a decorar na tentativa de fazer rir. Eusébio, por exemplo, chegou ao cúmulo de explicar a Cornélia que subterrâneo "quer dizer que nasceu embaixo da terra".

Diante de tantos absurdos, surgem alguns questionamentos: precisamos mesmo de uma novela tão rasteira quanto essa? Até que ponto vale sacrificar a qualidade de um produto em nome do crescimento da audiência? A Dona do Pedaço é um desserviço para quem ainda aprecia uma boa história folhetinesca e não apenas assiste à TV passivamente.

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