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CRÍTICA

Sem pudor, A Dona do Pedaço abusa de clichês para mostrar que tem fôlego

Divulgação/TV Globo

Juliana Paes em cena de A Dona do Pedaço que Maria da Paz foge do Espírito Santo para São Paulo - Divulgação/TV Globo

Juliana Paes em cena de A Dona do Pedaço que Maria da Paz foge do Espírito Santo para São Paulo

RAPHAEL SCIRE

Publicado em 25/5/2019 - 6h29

Quanto vale um clichê? A Dona do Pedaço, estreia da semana na Globo, não fez questão nenhuma de economizar no uso de chavões para mostrar que tem histórias para contar. Amor proibido, casamento desfeito à beira do altar, mocinha sofredora que dá a volta por cima, filha que despreza a mãe, gay enrustido, playboy malandro... É um amontoado de recursos desgastados na teledramaturgia, o que só evidencia a tendência de se usar cada vez mais os lugares-comuns nas novelas.

Nada do que foi apresentado até agora em A Dona do Pedaço é novidade. Mas, a julgar pelos primeiros capítulos, é justamente isso que o público quer ver. Com uma agilidade impressionante, Walcyr Carrasco faz uso sem nenhum pudor de recursos batidos, se esquecendo de ligar o botão da sutileza, mas cumpre a meta que lhe foi dada: reconquistar o público perdido com O Sétimo Guardião.

Não há nenhuma chance de A Dona do Pedaço dar errado, uma vez que traz todos os ingredientes para arrebatar o público. É uma história extremamente simplista, de identificação imediata, diálogos de fácil assimilação e protagonizada por uma atriz carismática, Juliana Paes, como a sofredora e batalhadora Maria da Paz.

Além disso, a novela vem complementada por uma trilha sonora para lá de popular, com hits grudentos selecionados para embalar as cenas de bangue-bangue modernizadas pelo olhar artístico da diretora Amora Mautner.

Os diálogos de Walcyr Carrasco, verdade seja dita, estão um pouco melhores do que os apresentados em O Outro Lado do Paraíso (2017), apesar de uma escorregada aqui ou ali. O pecado do autor é ser didático demais, mas também não dá para esperar de suas cenas algo lapidado no nível de Gilberto Braga ou Manoel Carlos.

reprodução/tv globo

Fernanda Montenegro roubou a cena em uma participação rápida, mas marcante, como Dulce

Carrasco promove uma verborragia deslavada: quase não há em cena um momento de contemplação, e sempre aparece um personagem ali para narrar exatamente o que o público está vendo. Espaço para que a imaginação do telespectador corra solta? Inexiste. Mas, de alguma maneira, tudo funciona.

A Dona do Pedaço é o que tem para hoje e, pelo menos em termos de trama, o autor é um talento raro: sabe fisgar seu público, não esconde cartas na manga, ainda que para isso precise mandar a coerência às favas de vez em quando.

A sofisticação fica por conta da direção e do elenco. É um prazer ver Fernanda Montenegro (Dulce), Nívea Maria (Evelina) e Jussara Freire (Nilda) em ação. Já Amora consegue trazer planos diferentes, com tomadas e ângulos mais arrojados.

O desafio da diretora vai ser segurar o nível apresentado até o desfecho da história, já que início de novela é sempre feito para impressionar o público. Além disso, Amora é conhecida por deixar os atores à vontade para improvisos, vide Avenida Brasil (2012) e A Regra do Jogo (2015), e Walcyr gosta de fidelidade ao seu texto. É esperar para ver como essa combinação vai funcionar.

No mais, em comparação com a finada O Sétimo Guardião, A Dona do Pedaço se mostra bem satisfatória --não que isso fosse uma tarefa hercúlea, diga-se de passagem. Ao menos existe agora uma história a ser contada. Como a temática da trama passará a girar em torno do universo da confeitaria, resta ao público torcer para que ao menos o clichê das tortas na cara seja poupado.


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