COLUNA DE MÍDIA
Reprodução/CNN
O presidente Jair Bolsonaro anda irritado com as redes sociais
Esse texto é parte de um especial da coluna sobre o Twitter e os problemas que a rede social tem enfrentado com relação à moderação de conteúdo. No final do texto há uma lista com as demais publicações.
Em novembro de 2017, o Twitter adicionou o selinho azul à conta de Jason Kessler. Esse pequeno ícone, conhecido como verificação de conta, indica que o dono é uma pessoa importante.
Não demorou muito para a verificação de Kessler provocar indignação e uma enxurrada de críticas. Kessler era um conhecido supremacista branco que usava as redes sociais para espalhar mensagens de ódio e organizar passeatas com manifestantes desfilando pelas ruas segurando tochas e entoando gritos racistas.
Dois dias depois da verificação de Kessler, o Twitter anunciou a suspensão do processo de verificação. "O sistema está quebrado e precisa ser reconsiderado", tuitou o presidente-executivo do Twitter, Jack Dorsey, no dia do anúncio. "E falhamos ao não fazer nada a respeito. Trabalhando agora para consertar rápido."
We should’ve communicated faster on this (yesterday): our agents have been following our verification policy correctly, but we realized some time ago the system is broken and needs to be reconsidered. And we failed by not doing anything about it. Working now to fix faster. https://t.co/wVbfYJntHj
— jack (@jack) November 9, 2017
Diferentemente do anunciado, o Twitter não parou o processo de verificação. Em vez disso, a empresa continuou verificando as contas em silêncio, embora não permitisse que os usuários se inscrevessem proativamente para a verificação.
A parte de "consertar rápido" a que se referia Dorsey é ainda mais questionável. Apenas meses atrás, já em 2021, a empresa voltou a aceitar verificações pedidas pelos próprios usuários. Mesmo assim, o processo segue uma bagunça.
Desde a reabertura das verificações de contas, diversos jornalistas e figuras públicas reconhecidas em suas áreas vinham tendo seus pedidos de verificação negados pelo Twitter no Brasil.
1/n D@s economistas progressistas no Twitter, apenas a @lauraabcarvalho tem conta verificada.
— João P. Romero (@Joao_P_Romero) June 23, 2021
Nem mesmo os ex-ministros @nelsonhbarbosa e @BresserPereira são verificados.
Isso é mto estranho dado o número alto de seguidores de mtas das contas.
Vamos mudar isso @TwitterBrasil?
Na segunda-feira (12), o Twitter anunciou que faria mudanças na tentativa de melhorar o processo e passaria a enviar respostas com mais contexto para ajudar os usuários a entender as razões para a negativa da verificação quando isso acontecer.
Ouvimos seu feedback que poderíamos ser mais claros quando rejeitamos os pedidos de verificação.
— Twitter Seguro (@TwitterSeguro) July 12, 2021
Agora, as respostas fornecerão mais contexto sobre nossos critérios. Aqui estão alguns detalhes que você deve ter em mente antes de se candidatar novamente – após 30 dias 🧵
Além da aparente falta de consistência e transparência no processo de verificações, existe ainda a questão dos perfis já verificados que espalham desinformação. No início de julho, a jornalista Laís Martins, publicou no site Núcleo, uma ótima reportagem discutindo a bagunça dos cobiçados selinhos azuis. Laís mostra como a verificação de uma conta aumenta o engajamento, e consequentemente o alcance, dos perfis que a possuem.
Segundo o Twitter, Instagram e Facebook, a finalidade da verificação é apenas garantir a notoriedade do dono da conta, não a veracidade do conteúdo. Mas na prática, não é assim que as pessoas enxergam o selinho. Então, mesmo que o algoritmo não beneficie as contas verificadas, o fato das pessoas entenderem a conta verificada como mais relevante faz com que esse perfil tenha mais interações e alcance.
Todas as redes sociais enfrentam esse problema. Mas no Twitter, onde as notícias tendem a se espalhar mais rapidamente e pautam muitos jornalistas, particularmente os de política, o problema se torna pior.
Questionado por que os critérios parecem inconstantes para a verificação, o Twitter respondeu por meio de sua comunicação estar "continuamente trabalhando para melhorar o processo para obtenção do selo de verificação. Fizemos uma mudança recente, incluindo a revisão da política, para a qual pedimos e contamos com a opinião das pessoas a respeito da reformulação das regras e como deixá-las mais claras. Atualmente, consideramos os critérios descritos nesta política para a concessão do selo azul, critérios esses que vão além do número de seguidores de um profissional e seu cargo".
Sobre a razão das negativas não terem uma explicação, a empresa diz que "o novo processo de verificação é recente. Por isso, estamos trabalhando para dar mais contexto para cada resposta negativa, mas, caso a pessoa que teve seu pedido negado considerar que cometemos um erro, é possível submeter um novo pedido após 30 dias".
Perguntei se verificar a todos os usuários não seria uma solução, já que ao menos asseguraria que estamos todos falando com pessoas reais, além de diminuir o prestígio do selinho azul, que induz à crença de que quem tem esses selinhos seria mais confiável.
Segundo o Twitter, "o objetivo da verificação é informar às pessoas com quem elas estão conversando, atestando a autenticidade de perfis de grande interesse público. Vale dizer que esse é apenas o primeiro passo em um trabalho que estamos desenvolvendo de dar às pessoas caminhos para que elas tratem de sua identidade no Twitter".
O Twitter afirmou que também estão sendo estudadas novas formas de ajudar a identificar as diferentes maneiras de uso e abordagem das contas na plataforma, como perfis automatizados e em memória de alguém, por exemplo. "Também estão em estudo aprimoramentos nos perfis, como a criação de uma página 'Sobre', para permitir que as pessoas se expressem melhor", afirma.
O Twitter não é a única plataforma com problemas de desinformação e falta de transparência. Semana passada, o colunista Leo Dias revelou que a Banca Digital, um grupo que reúne diversos perfis de Instagram com fofoca e fake news, atuava como uma "milícia digital". Os donos da Banca cobravam de artistas para falar bem ou não falar mal de personalidades e marcas. Os pagamentos poderiam chegar a R$ 35 mil reais no caso de celebridades e valores ainda maiores para marcas.
Em outra reportagem, Dias expôs o mercado paralelo de venda de selinhos de verificação no Instagram. "Os valores para verificar uma conta no Instagram variam entre R$ 5 mil até R$ 35 mil", escreveu o colunista.
A posição do Instagram é bastante semelhante à do Twitter. Por meio de sua comunicação, o Instagram disse que "o selo de verificação é uma ferramenta para ajudar as pessoas a encontrar as contas reais de figuras públicas e marcas. Ele indica que verificamos que a conta do Instagram é a presença autêntica da figura pública, da celebridade ou da marca que ela representa. Não usamos o selo de verificação para apoiar ou reconhecer figuras públicas ou marcas".
Na teoria faz sentido, mas na prática não é o que acontece, porque as pessoas têm outra percepção sobre as contas verificadas e acreditam que elas são mais confiáveis. O Instagram também afirma que "pode remover selos de verificação de qualquer tipo de conta a qualquer momento, bem como retirar o seu selo ou desativar a sua conta".
As redes sociais tentam seguir "isentonas" no Brasil e jogam a responsabilidade do conteúdo no colo dos usuários em uma tentativa de não se desgastar politicamente (políticos são notórios disseminadores de desinformação). Até recentemente, as redes sociais fizeram o mesmo nos Estados Unidos com resultados catastróficos que culminaram na invasão do Capitólio em 6 de janeiro.
Aqui, o presidente Bolsonaro aumentou seus ataques às redes sociais desde que alguns de seus conteúdos passaram a ser marcados com alertas de desinformação. Entretanto, ele e outros notórios disseminadores de conteúdo duvidoso seguem ativos nas redes, alguns inclusive com contas verificadas. Situação semelhante acontece na Índia com o governo de Narendra Modi.
Mas como os recentes acontecimentos nos Estados Unidos mostram, as empresas donas das redes sociais precisam descer do muro e assumir suas responsabilidades. O ex-presidente Trump e seus perfis tiveram papel chave na disseminação das fake news que incitaram milhares de americanos a invadir o Capitólio na tentativa de um golpe para manter Trump no poder após ele perder a eleição. Após a invasão, o Facebook (que é dono do Instagram) e o Twitter, baniram os perfis de Trump e outros disseminadores de fake news.
Obviamente, muita gente não gostou da suspensão de Trump, incluindo diversos políticos republicanos. Mas é melhor as redes sociais colocarem ordem na casa antes que se tornem as responsáveis por novas tentativas de golpe.
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