COLUNA DE MÍDIA
Reprodução/YouTube
Em entrevista exclusiva, Felipe Neto critica política do Twitter de combate às fake news
Esse texto é parte de um especial da coluna sobre o Twitter e os problemas de moderação de conteúdo que a empresa enfrenta.
Nesta semana, Felipe Neto revelou ter entrado em contato com três altos funcionários do Twitter no Brasil na tentativa de fazer com que a rede social suspendesse a conta de Allan dos Santos, jornalista apoiador do presidente Bolsonaro.
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Desde maio, Felipe intensificou seus esforços para combater os principais propagadores de notícias falsas e mensagens de ódio no Twitter ao anunciar que estava montando um dossiê sobre a atuação da empresa no Brasil para divulgar nos Estados Unidos. Ele diz ainda que o comportamento da empresa tem sido pautado pelo governo Bolsonaro.
Para entender o caso, a Coluna de Mídia entrou em contato com Felipe e com a comunicação do Twitter. Ambos receberam as mesmas perguntas. A ideia era entender como as duas partes avaliavam as questões em torno de liberdade de expressão e moderação de conteúdo.
O Twitter, após dois dias, comunicou que não responderia porque sua política não permite comentar casos específicos. Felipe respondeu por e-mail. A entrevista exclusiva você confere a seguir:
Notícias da TV - Um possível argumento em defesa do Twitter é que a plataforma tem sido alvo de crescentes reclamações tanto da direita quanto da esquerda. Por que o caso do Allan dos Santos é diferente, já que diversos perfis de direita foram derrubados?
Felipe Neto - Não há resposta para essa pergunta, o Twitter simplesmente se recusa a ser transparente. Em todas as reuniões que fiz com os representantes brasileiros, sempre recebi respostas vagas. Ninguém nunca é responsável por nada, tem sempre "alguém" que precisa decidir, mas ninguém nunca sabe quem é. E é sempre essa tal "equipe" que se nega a apagar um post ou bloquear um perfil, embora eles não revelem quem toma essas decisões. Não há qualquer transparência.
Da Índia à Austrália e à Palestina, cada dia há um novo conjunto de histórias sobre indignação com a remoção de conteúdo. Em alguns casos, essas remoções são forçadas pelos governos. Em outros, as políticas de plataforma colocam os grupos minoritários em desvantagem, dificultando a visualização de suas postagens. Mas seja qual for a causa, as reclamações de censura são cada vez mais frequentes. Passar a retirar conteúdo ou autores do Twitter não incentiva uma forma de censura?
Minha defesa é justamente a de que as grandes redes sociais não devem ter o poder de decidir quem pode e quem não pode falar para sempre, com banimentos eternos, por exemplo. Defendo publicamente que é preciso montar um conselho internacional e conselhos nacionais dos países para tratar do assunto, chamando especialistas, acadêmicos, representantes do povo e políticos. Isso quando se trata de punições maiores.
Agora, quanto à remoção de conteúdo, é muito simples: toda plataforma tem regras que você aceita ao criar uma conta. Se você fere essas regras, está passível de ter seu conteúdo removido. Se você mente sobre vacina, isso não é direito à liberdade de expressão. O Twitter está se recusando a apagar publicações claramente em desacordo com suas regras, e ninguém sabe o motivo, pois não há transparência.
Quando você entra pessoalmente em contato com o Twitter para pressionar pela retirada de um post, isso não acaba criando um incentivo para o Twitter manter o post no ar? Se tirarem, poderia parecer que cederam "à pressão do Felipe Neto" e retiraram o post, o que causaria ainda mais críticas à falta de independência da plataforma.
Se o Twitter aplicasse suas próprias regras, ninguém precisaria fazer pressão alguma nesse sentido. Não estou pedindo para seguirem o que eu digo, estou pedindo para seguirem o que eles próprios dizem.
Empresas têm "motivações" políticas e econômicas. Do seu ponto de vista, esse comportamento do Twitter é local e limitado a alguns gestores ou é uma estratégia global da empresa e coordenada pela sede nos Estados Unidos?
Absolutamente local. O Twitter se comporta de maneira diferente em cada país onde atua. Aqui no Brasil, o trabalho está simplesmente uma tragédia. As tais "motivações" políticas e econômicas tornaram-se a preocupação principal da plataforma, e a falta de transparência é absoluta.
Se a legislação brasileira de fato for alterada como o governo trabalha para fazer, e o Twitter seguir as leis locais (que se sobrepõe à própria política da plataforma), qual deveria ser a postura das redes sociais, seguir as leis locais, mesmo que ruins, ou abandonar o Brasil?
É preciso seguir as leis locais. Se isso inviabilizar a operação em determinado país, aí sim pode-se considerar uma medida mais drástica. Contudo, é fundamental que a plataforma atue também em Brasília, com representantes que visem defender seu ponto e mostrar como está a situação no ambiente digital.
Caso o Twitter, ou outra rede social, siga uma eventual nova legislação e se torne complacente com um governo de inclinação antidemocrática, você deixaria a plataforma?
Seria necessário analisar o cenário e a nova legislação. Uma ação de boicote nunca está descartada.
Você afirma que "enquanto Facebook, YouTube e outras redes parecem permanecer lutando contra as mentiras bolsonaristas, o Twitter Brasil decidiu arregar". Por que o Facebook e o Google, do seu ponto de vista, se tornaram mais efetivos no combate às fake news e não arregaram? Não faria mais sentido essas plataformas agirem conjuntamente para terem maior poder de negociação?
Não agem conjuntamente. Na realidade, há um amadorismo gigantesco por parte dessas empresas que você só percebe depois que começa a fazer reuniões. Há bons profissionais, sem sombra de dúvida, mas tem gente que não faz a mínima ideia do que está fazendo, porque esse é um mundo completamente novo. O Facebook e o Google ainda cometem inúmeros erros, e frequentemente eu falo sobre eles, mas nada comparado ao que o Twitter se tornou de um ano pra cá. Acredito que o problema está na gestão, na equipe operacional no Brasil, que optou por não bater de frente com o bolsonarismo.
Você falou sobre a criação de um dossiê sobre a atividade bolsonarista no Twitter e irregularidades da plataforma no Brasil ao não cumprir suas próprias políticas. Esse projeto evoluiu? Em que estágio se encontra?
Estamos montando esse dossiê para entregá-lo à equipe norte-americana do Twitter.
Você já defendeu que a Polícia Federal deveria ser mais atuante no combate às fake news (em entrevista à Folha de S.Paulo). Na Austrália, há uma proposta para criminalizar a propagação de fake news sobre Covid, por exemplo. Essas propostas seriam radicais demais ou fazem sentido do seu ponto de vista? E como isso se alinha ou não ao PL das Fake News?
Quando se fala de criminalização, a questão se torna grande demais para caber numa resposta curta. Estamos falando de inúmeras páginas, parágrafos e emendas. Nosso parlamento definitivamente não está pronto para legislar sobre isso, basta ver o terrível PL das Fake News, que é um desastre do início ao fim e mostra como os senadores brasileiros estão distantes da realidade digital. É preciso investir na criação de comitês, investir no diálogo, na base, na educação digital. Não adianta tentar regular de cima pra baixo, ou teremos um cenário ainda pior.
Pesquisas apontam que o enfraquecimento da mídia local e do jornalismo independente facilitaram a propagação das fake news, assim como o crescimento das redes sociais facilitou a ascensão de governos populistas. Do seu ponto de vista, que medidas práticas a sociedade deveria tomar para melhorar o atual quadro que nos encontramos de crescente desinformação?
Educação digital é o primeiro e mais necessário caminho. Precisamos levar a matéria para as escolas, universidades, criar professores. Há quatro anos, 55% dos brasileiros achavam que a internet era o Facebook, segundo pesquisa da Quartz. Se não investirmos em educação de base, dentro de dez a 15 anos nós teremos um cenário apocalíptico no Brasil e no mundo. Essa foi uma das razões pelas quais criei o Instituto Vero, visando levar educação digital para o máximo possível de pessoas.
Nessa pesquisa do Instituto Reuters, é possível ver que o Brasil lidera o interesse mundial por notícias locais, mesmo assim é um dos campeões de fake news? Porque o Brasil é tão paradoxal até nas fake news?
A pesquisa diz que 73% de todos os brasileiros são extremamente interessados em notícias do país. Não cabe a mim criticar uma pesquisa. Então, considerando que isso esteja correto, a pergunta é: onde o brasileiro está buscando notícias locais? Segundo pesquisa realizada na virada de 2019 para 2020 pelo congresso, a principal fonte de notícias para o brasileiro atualmente é o WhatsApp.
79% dos brasileiros dizem receber notícias e acompanhá-las pelo aplicativo. Depois vêm TV (50%), YouTube (49%), Facebook (44%) e só então sites de notícias, com 38%. E que sites são esses que dividem os 38%? Temos sites de extrema-direita operando livremente, com colunistas usando nomes falsos, apresentando números de audiência superiores a grandes veículos de imprensa. O cenário é assustador.
O que te motiva a mover essa cruzada contra Bolsonaro e seus aliados? Não seria mais fácil seguir fazendo vídeos de games no YouTube e evitar toda a polêmica e agressões nas redes sociais?
Seria muito mais difícil dormir à noite, sabendo que tenho o tamanho da influência que tenho e não a utilizo para lutar contra um fascista genocida que está no poder do meu país.
Se você fosse presidente do Brasil durante tempo suficiente para mudar ou criar uma única lei, qual mudança ou lei realizaria?
Eu alteraria a maneira com a qual o Procurador-Geral da República é escolhido. Considero um dos maiores absurdos da democracia o presidente da República escolher o chefe do Ministério Público, a única pessoa que detém o poder de investigar o próprio presidente. Imagine eu ter o poder de escolher qual promotor cuidará de um processo do Ministério Público contra mim? É exatamente isso que ocorre hoje. O presidente pode escolher quem ele bem entender, sem respeitar a lista-tríplice criada pelo Ministério Público, ficando submetido apenas à aprovação do Senado. Pra mim, isso é um horror.
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