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COLUNA DE MÍDIA

Índia, Bolsonaro, Twitter e a intimidação como estratégia nas redes sociais

Reprodução/YouTube e Isac Nóbrega/ABr

Montagem com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente Jair Bolsonaro: diferentes, mas tão similares

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 26/6/2021 - 9h00

Esse texto é parte de um especial da coluna sobre o Twitter e os problemas que a rede social tem enfrentado com relação à moderação de conteúdo. No final do texto há uma lista com as demais publicações.

Poucos países gerenciaram tão mal o combate à Covid-19 quanto a Índia. Em janeiro de 2021, o primeiro-ministro do país, Narendra Modi, foi à TV assegurar à população que a batalha contra o vírus já estava vencida e que, graças à Índia, o mundo seria salvo.

Em março, o ministro da saúde indiano e Modi declararam que o país estava próximo de extinguir a pandemia. O ministro se gabou de que a Índia estava bem preparada para uma campanha de vacinação em todo o país e também forneceu vacinas para 17 países de baixa e média renda. 

Na época, cientistas já alertavam para os riscos. Em março, o governo não apenas ignorou os apelos dos especialistas para cancelar a realização do festival Khumb Mela, como incentivou a realização do evento que reuniu milhões de indianos. No mês seguinte, Modi estimulou e participou de comícios eleitorais que se tornaram eventos de superdisseminação do vírus. 

Logo o país se deparou com a escassez de vacinas, oxigênio hospitalar e leitos nos hospitais. O Lancet, publicação científica, criticou o primeiro-ministro por ignorar os sinais de alerta de uma segunda onda de Covid-19 e por sua gestão catastrófica de uma crise nacional de saúde pública. 

A Índia estabeleceu um recorde mundial nada invejável, reportando 6 mil mortes de Covid em 24 horas. O número de mortos no país está agora avançando para 400 mil, mas especialistas concordam que o índice real provavelmente é muito superior, porque muitas mortes nem chegam a ser reportadas. O Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde avalia que esse valor pode chegar a 1 milhão em breve.

Ironicamente, a Índia é o maior produtor de vacinas do mundo. Cerca de 60% de toda a produção mundial de vacinas é realizada no país. Mas faltam imunizantes no país. A resposta do governo? Encomendou estudos para usar a ioga e exercícios de respiração para combater a Covid-19. 

Uma pandemia raramente é apenas um problema de saúde pública: é também uma questão de política. As ações de Modi, um líder de direita e tendências autocráticas, pioraram muito a trajetória da pandemia na Índia. 

Ao tratar a Covid-19 como uma oportunidade de fortalecer o culto à sua personalidade, Modi criou um desastre. E, à medida que fica cada vez mais evidente o fracasso do combate à pandemia no país, os aliados do governo indiano recorrem ao discurso econômico de que as pessoas precisam trabalhar, como se isso justificasse os erros no combate à pandemia. 

Reescrevendo a história

Na Índia, a pandemia virou um teatro para as lideranças políticas desviarem o foco de sua gestão medíocre. Os erros de Modi são evidentes. Portanto, o natural seria imaginar que o líder iria se retratar ou ao menos mudar a conduta. Mas em tempos de redes sociais e governos de inclinação autocrática, reescrever a história com a ajuda da internet se tornou prática.

Nos últimos meses, o governo de Modi tem aumentado a pressão política sobre as empresas de tecnologia que atuam na Índia. As autoridades locais exigem não apenas a remoção de fake news, mas também a retirada das críticas, mesmo que verdadeiras, contra o governo. No Brasil, o Twitter também tem sido alvo de reclamações de governistas e opositores.

A ideia do governo indiano é replicar nas redes sociais o que conseguiu com boa parte da mídia do país --que por pressão ou por dinheiro, cedeu às demandas governamentais e agora replica indiscriminadamente o discurso do governo. A estratégia dos políticos foi pressionar os anunciantes para que deixassem de investir em quem criticava o partido e pagar aos veículos que falavam bem de Modi. Já as redes sociais são empresas americanas bilionárias, com receita em diversos países, e desse modo, mais difíceis de controlar.

As empresas de tecnologia têm tentado resistir. O Twitter tem sido o principal alvo do partido no poder. Em parte, por causa da resistência da empresa em remover conteúdo e também porque ainda não cedeu à nova regulamentação de segurança cibernética da Índia, que obriga as empresas a nomearem "oficiais de reclamações" locais para atenderem às demandas em até 24 horas. 

Na prática, a Índia quer um funcionário do Twitter no país para poder ameaçá-lo, inclusive com prisão, caso não tenha seus pedidos atendidos. Nas últimas semanas, a polícia indiana inclusive realizou buscas no escritório do Twitter e deteve um diretor da empresa para interrogatório.

Dias atrás, o ministro de Tecnologia da Informação da Índia afirmou que o Twitter poderia ser expulso do país, como aconteceu com o TikTok em 2020, se não cedesse às demandas do governo. Ironicamente, o político usou sua conta na rede social para fazer a declaração.

América para o resgate

Como aponta editorial do Washington Post, "apesar de relatos enganosos da mídia local, a ameaça é vazia. Para o Twitter manter suas garantias, não depende de Modi e seus ministros, mas dos tribunais indianos. No entanto, é precisamente essa tensão que torna os eventos de hoje na maior democracia do mundo tão importantes para o resto do mundo: esta não é a China, onde qualquer Estado de direito que restrinja o regime há muito está ausente".

"As guinadas da Índia em direção ao autoritarismo são obstruídas por suas próprias instituições --então o partido governante se voltou para táticas de intimidação para conseguir o que queria, como colocar a liberdade física dos funcionários (das empresas de tecnologia) em perigo com leis como a regulamentação de segurança cibernética." 

A Índia é a maior democracia do mundo, com mais de 1,3 bilhão de habitantes. O país também é uma potência tecnológica, e para muitos é onde está o futuro crescimento de boa parte das empresas do Ocidente. A China é maior, com pouco menos de 1,4 bilhão de habitantes, mas o Partido Comunista chinês dificulta a entrada de competidores ocidentais, particularmente quando se tratam de redes sociais.

A pressão da mídia americana tem aumentado para que o governo do presidente Biden interceda na Índia para assegurar a liberdade de expressão no Twitter e demais redes sociais. O editorial do Washington Post é um sinal desse movimento.

Em uma escala menor, o Brasil vive situação semelhante. Por erros do governo, que mente e distorce fatos sem pudor, vivemos uma situação de caos na saúde. Aqui também se intimida a imprensa e as empresas donas de redes sociais. Como na Índia, a ideia parece ser calar as críticas, mesmo quando verdadeiras.

E como na Índia, no Brasil também estamos tentando criar uma lei específica para as redes sociais. A PL 2.630 é criticada por especialistas por possibilitar o cerceamento da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.

Se o governo Bolsonaro seguir a cartilha de Modi, o passo seguinte à PL 2.630 é criminalizar conteúdos de que o governo não goste nas redes sociais, e principalmente, usar a lei para pressionar as empresas, como tem acontecido na Índia (e em outros países de tendência autocrática e em crise, como Nigéria e Turquia). 

Brasil e Índia têm muito em comum: além de serem os países do futuro (que nunca chega), são marcados pela pobreza e disparidade social. Agora, também se tornam conhecidos por seus governos incapazes de controlar a pandemia, por tendências autocráticas, e principalmente, pelo desejo de calar os críticos usando a intimidação como arma. 

Leia mais textos sobre o Twitter e o desafio da moderação de conteúdo:


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