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Em crise, Netflix demite 150 e lança nova política para evitar críticas de funcionários
Nesta terça-feira (17), a Netflix confirmou a demissão de 150 funcionários. O número representa um corte de cerca de 2% da mão de obra da empresa. Desde que passou a perder assinantes no início deste ano (pela primeira vez em sua história), a empresa passou a viver uma crise.
"Nosso crescimento de receita mais lento significa que também estamos tendo que diminuir o crescimento de custos como empresa", disse um representante da Netflix à CNBC. "Infelizmente, estamos demitindo cerca de 150 funcionários hoje, a maioria dos EUA", prosseguiu. A expectativa é que existam mais cortes em outros países, incluindo o Brasil.
"Essas mudanças são impulsionadas principalmente pelas necessidades de negócios e não pelo desempenho individual, o que as tornam especialmente difíceis, pois nenhum de nós quer dizer adeus a esses grandes colegas. Estamos trabalhando duro para apoiá-los nessa transição muito difícil", completou o representante da plataforma de streaming.
Essa crise não será o fim da Netflix, ao menos não no curto prazo. Ela ainda é a líder absoluta em número de assinantes e fatura bilhões. Inclusive, diferentemente das demais gigantes do streaming, ela dá lucro. Mas uma coisa é certa, a companhia nunca mais será a mesma.
As chances de a empresa ser comprada aumentaram muito. Alguns analistas já sugerem que uma fusão da Netflix com o Disney+ seria uma ótima solução para os problemas de custos crescentes e fuga de assinantes. Mas com ou sem fusão, a percepção do mercado sobre a Netflix mudou radicalmente.
Talvez o aspecto mais interessante a se observar é como a Netflix, uma das empresas mais arrogantes da história, viu seu discurso de superioridade evaporar em poucos meses à medida que seus assinantes abandonam a plataforma.
Um exemplo foi uma recente mudança na política da empresa sobre seus funcionários e o conteúdo que ela produz. Basicamente, ela determinou que, se você trabalha na Netflix e não gosta do conteúdo que está produzindo, é melhor pedir demissão.
A novidade foi adicionada em uma nova seção sobre "expressão artística" na primeira atualização das diretrizes de cultura corporativa da empresa desde 2017. Segundo a Netflix, a mudança vinha sendo avaliada ao longo dos últimos 18 meses e não tem relação com a recente crise e polêmicas da empresa.
"Deixamos os espectadores decidirem o que é apropriado para eles, em vez de a Netflix censurar artistas ou vozes específicas", diz a empresa na parte atualizada do documento a que o WSJ teve acesso.
A Netflix diz ainda que apoia a oferta de diversidade nas histórias, "mesmo que encontremos alguns títulos contrários aos nossos próprios valores pessoais".
"Dependendo do seu papel, você pode precisar trabalhar em títulos que considera prejudiciais", diz a empresa. "Se você achar difícil oferecer suporte à nossa amplitude de conteúdo, a Netflix pode não ser o melhor lugar para você."
A medida chega após uma série de críticas e protestos dos próprios funcionários da Netflix direcionados à diretoria da empresa, particularmente aos coCEOs Reed Hastings e Ted Sarandos.
Uma das mais notórias polêmicas foi em torno de The Closer, do comediante Dave Chappelle, lançado no ano passado. O show foi acusado de ser transfóbico por seus ataques gratuitos à comunidade LGBTQ+. Não bastasse, The Closer foi caro e pouco rentável, fato apontado por documentos vazados por uma funcionária da própria Netflix.
Para muitos, o show só foi ao ar na Netflix porque o chefão Ted Sarandos é fã de comédias e trata Chappelle (de quem é amigo) como um de seus ídolos. À medida que a polêmica em torno do show crescia, Sarandos defendia apaixonadamente o show de Chappelle.
Memorandos internos com textos desastrados enviados pelo coCEO da Netflix aos seus funcionários tentando defender Chappelle e a insistente postura da Netflix de apoio ao conteúdo transfóbico deixaram a situação ainda pior.
Insatisfeitos, funcionários da Netflix foram para a porta da empresa em Los Gatos, na Califórnia, protestar publicamente. Uma das líderes do protesto foi demitida. A Netflix negou que a demissão tenha sido em função da manifestação.
Posteriormente, Sarandos disse que "estragou tudo" em seus esforços para se comunicar com os funcionários. Mas o conteúdo nunca foi retirado da plataforma.
O caso Chappelle não foi um fato isolado. Para entrar na Rússia, por exemplo, a Netflix se tornou sócia de uma empresa de propriedade de um dos aliados mais próximos do presidente Vladimir Putin, e que tinha Alina Kabaeva, ex-ginasta olímpica apontada como namorada de longa data de Putin, como CEO. Na época, a Rússia já era alvo de acusações de desrespeito aos direitos humanos.
Novamente, a decisão de entrar na Rússia por meio de uma sociedade duvidosa foi de Sarandos e Hastings. Diversos diretores da Netflix foram contra o negócio, que resultou na saída da gigante de streaming da Rússia e centenas de milhares de dólares em prejuízos.
O investidor Warren Buffett costuma dizer que quando a maré baixa você descobre quem está nadando sem sunga. Com a crise do streaming, a Netflix parece revelar uma nova faceta.
Ao longo dos anos, a Netflix se tornou uma das empresas mais odiadas por seus pares. Ela "roubava" funcionários de outras empresas oferecendo salários irreais inflados por ações da empresa, pagava a talentos para romperem contratos já fechados com outras plataformas, e principalmente, dizia que sua tecnologia e conteúdo eram superiores ao dos concorrentes.
O livro de gestão de Reed Hastings, que pintava a Netflix como um paraíso de seres intelectualmente superiores, parece cada vez mais uma piada diante da atual realidade da empresa. A verdade é que na crise, empresas demitem e todos sofrem. Mas muito do sucesso da Netflix vinha do dinheiro que jorrava dos investidores.
A essa altura o natural seria imaginar que a Netflix iria "calçar as sandálias da humildade", mas não parece ser o plano. A Netflix anunciou uma série de medidas para reverter a queda de audiência. Vai cobrar mais de quem compartilha senhas, trazer publicidade para a plataforma, demitir pessoas e cortar custos e aumentar o controle das produções.
A Netflix está adotando soluções mundanas e comuns a qualquer empresa em crise. Mas é interessante notar que, de todas as soluções cogitadas pela companhia, nenhuma fala sobre melhorar o conteúdo.
Se os assinantes estão indo embora é porque percebem um valor cada vez menor no produto que recebem, e streaming é basicamente conteúdo. Ao adotar medidas que impedem seus próprios colaboradores de reclamarem do que produzem, a Netflix dá um tiro no pé.
Um porta-voz da Netflix disse que os funcionários tiveram a chance de oferecer feedback sobre as novas diretrizes de cultura da companhia. Ele disse que a empresa recebeu mais de mil comentários, o que ajudou a moldar a nova parte do memorando.
Assim como a Netflix teria passado a ignorar cada vez mais os conselhos e críticas de produtores e diretores ao longo dos anos, agora ela quer calar seus próprios funcionários. Já vimos esse filme e o final todos conhecem: fuga de assinantes, crise e demissões.
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