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COLUNA DE MÍDIA

Por que a Netflix se aliou a oligarca e suposta namorada de Putin na Rússia

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

Ted Sarandos, CEO da Netflix

Ted Sarandos, CEO da Netflix, fechou acordo com a NGM, presidida por suposta namorada de Putin

Guilherme Ravache

ravache@proton.me

Publicado em 9/3/2022 - 6h45

O anúncio da Netflix de deixar a Rússia foi recebido com aplausos pelo mundo, que observa em choque a escalada de terror na Ucrânia desde a invasão russa. Entre os motivos da saída, além da guerra, está a exigência do Kremlin de que a Netflix transmitisse canais locais russos com conteúdo a favor do governo.

Porém, um aspecto menos discutido é como a Netflix se aliou a uma das figuras mais próximas ao presidente Vladimir Putin para entrar na Rússia e como essa decisão gerou conflitos internos na líder mundial de streaming anos antes do início da invasão à Ucrânia. O assunto se tornou público no último domingo (6), por meio de um texto do o colunista Matthew Belloni, do Puck. 

A Rússia se tornou ainda um alerta de como a Netflix enfrenta conflitos morais cada vez maiores para seguir crescendo o número de assinantes pelo mundo, inclusive tendo de fazer concessões para operar em países de tendência antidemocrática.

Netflix precisa crescer

A decisão da Netflix de entrar para valer na Rússia aconteceu em setembro de 2020. Naquela época, a plataforma já estava presente no país, mas tinha um alcance limitado. Por trás da decisão estava a necessidade da plataforma de crescer o número de assinantes no mundo.

Mercados grandes como Rússia, Índia e Brasil se tornaram prioridades. Naquela época, já se sabia das questões relacionadas à censura e controle de informação na Rússia, além de problemas como perseguição à imprensa, prisões arbitrárias de opositores e violações de direitos humanos no governo de Putin.

Mesmo executivos do alto escalão da Netflix foram contra o investimento na Rússia. Para crescer no país, além de fazer vista grossa ao regime, a empresa precisou fechar um acordo com o National Media Group (NMG), um grupo de mídia local próximo ao Kremlin. O acordo com a NMG permitiu à Netflix ter programas regionais populares, opções de pagamento em rublos e legendas em russo. 

"Dado seu objetivo de se tornar um serviço verdadeiramente global, o impulso da Rússia fazia sentido para os negócios estratégicos, apesar da política radioativa associada ao movimento. Mas três fontes da Netflix me disseram que o aspecto NMG da mudança foi muito controverso internamente e muito debatido", escreve Belloni. 

"Vários altos executivos, incluindo Cindy Holland, então vice-presidente de conteúdo original da empresa, soaram alarmes em várias reuniões sobre os laços especialmente estreitos da NMG com Vladimir Putin. O tema foi discutido de forma geral entre os executivos, inclusive entre vice-presidentes da empresa, que incluíam os co-CEOs Reed Hastings e Ted Sarandos”, acrescenta Belloni.

Hastings e Sarandos deram a palavra final e decidiram seguir com o acordo fechado em setembro de 2020. Mesmo após dois anos do negócio, a Netflix tem menos de 1 milhão de assinantes no país.

O oligarca amigo de Putin

A Netflix não é a única empresa ocidental na Rússia, e a longa lista de companhias deixando o país após a invasão da Ucrânia mostra isso. Mas o fato é que para operar na Rússia é preciso ter conexões próximas a Putin. E isso é ainda mais relevante se for uma empresa de mídia.

A lei russa exige que empresas de mídia estrangeiras façam parcerias com um veículo local para operar no país. Outros meios de comunicação dos EUA, como a Discovery, têm canais com a NMG, que opera diversos ativos de mídia na Rússia.

O dono da NMG é Yuri Kovalchuk, um oligarca próximo a Putin e defensor dos ideais do presidente. Vale notar que a TV é a principal fonte de informação dos russos, e na mídia local a Rússia aparece atuando em uma missão de paz, e não invadindo uma nação vizinha.

Namorada de Putin

A NGM também está ligada a Alina Kabaeva, ex-ginasta olímpica apontada como namorada de longa data de Putin. Os dois começaram um relacionamento em 2008, período em que o presidente russo ainda era casado. Em 2014, Putin se separou da mulher, Lyudmila Shkrebneva, mas mesmo assim nunca assumiu oficialmente a relação com Kabaeva.

Segundo o Times de Londres, Kabaeva foi nomeada presidente da NMG em 2014 e recebeu mais de R$ 50 milhões por ano por seus serviços ao grupo de mídia. 

"Embora Kabaeva muitas vezes seja chamada de a 'primeira-dama secreta' da Rússia e tenha apresentado anteriormente um programa de bate-papo na televisão intitulado Passos para o Sucesso, ela não era conhecida por ter nenhuma experiência em gerenciamento de mídia quando foi nomeada para o cargo", escreveu o Times em uma reportagem em 2020. 

A coluna Page Six revelou essa semana que a ex-ginasta de 38 anos está escondida em um chalé privado e com segurança reforçada na Suíça, onde vive com quatro filhos de Putin. 

"Alina tem dois meninos e meninas gêmeas com Putin que nasceram na Suíça", afirmou uma fonte ao Times. "Todas as crianças têm passaportes suíços, e imagino que ela também."

Kabaeva está ligada ao líder russo há mais de 13 anos e desapareceu de seu país natal em 2018 em meio a rumores de que deu à luz gêmeos de Putin. Posteriormente, ela teria tido mais dois meninos em abril de 2020 em uma clínica de Moscou.

Netflix e a relação com regimes autoritários

A Turquia é outro exemplo de país que se tornou atraente demais para ser ignorado pela Netflix apesar dos riscos. Com mais de 88 milhões de habitantes e uma população jovem, é uma aposta da empresa para atrair novos assinantes 

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, um líder de tendência autoritária e um notório opositor do movimento LGBTQIA+, já descreveu a Netflix como um canal "imoral" que "não se adequa" à sua nação.

Erdogan impôs novas medidas de controle das mídias sociais e serviços de streaming estrangeiros, que sofrem com frequentes intromissões nas produções.

Em 2020, a Netflix cancelou um drama turco If Only após autoridades afirmarem que só autorizariam as filmagens se o personagem gay fosse tirado da trama. A série Designated Survivor também teve episódios exibidos no país censurados depois que autoridades em Ancara se opuseram à representação de um presidente turco fictício como vilão. 

Em dezembro passado, a Netflix foi obrigada a retirar de sua plataforma na Turquia um filme espanhol chamado More the Merrier, depois que o órgão de vigilância disse que as representações de incesto e swing estavam em desacordo com os "valores da família turca".

Histórias que não combinam

Rússia e Turquia são países com grandes populações, e seus regimes têm ideias claramente opostas ao que a maior parte dos usuários da Netflix defende no Ocidente. Transitar nesses dois mundos se torna um desafio cada vez maior e menos coerente para a empresa.

Desde que entrou na Rússia a Netflix sabia que o país era tóxico e que os laços com a NGM eram arriscados. Belloni ainda informa que o acordo da empresa com a NGM "foi estruturado para evitar complicações profundas. A Netflix forneceu o conteúdo e a tecnologia, mas não havia escritório ou equipe local, e não era uma joint venture oficial". Ou seja, era um acordo fora dos padrões, porque a Netflix sabia que não operaria em um mercado usual. 

Vale dizer que mesmo com o acordo fechado com a NGM a Netflix peitou o Kremlin em diversas ocasiões. Winter on Fire, documentário ucraniano indicado ao Oscar, permaneceu no serviço mesmo contra a vontade das autoridades. Programas de temática LGBTQIA+ também seguiram disponíveis no serviço na Rússia. Os canais russos com notícias nunca foram ao ar na Netflix.

Crescer o número de assinantes tem sido um desafio para a plataforma. Em 2021, a Netflix adicionou somente 8,5 milhões de assinantes, número abaixo das previsões da própria Netflix e inferior à Disney+. Hoje, são mais de 222 milhões de assinantes no mundo. Mas encontrar novos assinantes irá se tornar um dilema moral cada vez maior para a líder do streaming.


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