COLUNA DE MÍDIA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Tadeu Schmidt estreou na edição deste ano do BBB; reality impulsionou o streaming da Globo
A Globo e o Google são inimigos mortais. Ao mesmo tempo, tornam-se aliados cada vez mais próximos. Esse tipo de relação tem até um nome no mundo dos negócios: frenemies. Ou seja, a emissora e a gigante de tecnologia são inimigas ao competir ferrenhamente pela verba publicitária, mas ao mesmo tempo amigas desenvolvendo iniciativas de tecnologia.
O esforço da Globo e do Google em torno da transmissão do BBB 22 nas plataformas digitais ilustra bem essa relação de amor e ódio.
A Globo tinha um problema difícil e caro de resolver. Por mais que investisse em infraestrutura tecnológica, a demanda pelo Globoplay crescia tão rápido que era praticamente impossível atender. No ano passado, as reclamações sobre a performance da plataforma de streaming da Globo se tornaram notórias.
Por outro lado, o Google também tinha um gigantesco desafio nas mãos. Precisava provar que poderia ganhar dinheiro com outro negócio que não fosse baseado em publicidade na internet. Para isso, gastou bilhões em seu serviço de nuvem. O problema é que apesar dos esforços o Google patinava na nuvem e seguia muito atrás da Amazon e da Microsoft, as líderes no segmento.
Em abril de 2021, a Globo surpreendeu o mercado com o anúncio de uma parceria de sete anos com o Google. Quase um ano depois, a notável melhora na performance do BBB 22 parece justificar o acordo.
A migração dos serviços mais cruciais do reality para a GCP (Google Cloud Platform), começou ainda no ano passado. Como resultado, as rajadas de tráfego, quando milhões de pessoas iam ao mesmo tempo da TV aberta para o Globoplay cada vez que o programa terminava a transmissão ao vivo, foram solucionadas.
"A parceria com o Google Cloud colaborou significativamente para o aumento de maturidade e resiliência das nossas soluções tecnológicas para oferecer a melhor experiência para o público nesta edição do BBB", diz Wanderley Baccalá, diretor do Hub Digital da Globo. "Como resultado, desde o início do BBB22, temos superado sem maiores ocorrências todas as rajadas de migração de audiência", acrescenta.
O fato é ainda mais notável se for levado em consideração o aumento do consumo do reality no Globoplay. "No período de 17 de janeiro a 8 de fevereiro, por exemplo, foram mais 68% de usuários únicos por dia em comparação ao mesmo período do BBB 21. Em horas consumidas, foram mais 31%, e mais 16% em videoviews também comparados ao mesmo período do BBB 21", afirma Baccalá.
Além de trazer estabilidade às transmissões do BBB, a nuvem otimizou o uso de recursos da Globo, que nos últimos anos passou por uma enorme reestruturação. "O benefício da elasticidade que essa infraestrutura de terceiro oferece não torna necessário que a Globo precise se dimensionar para um pico, ou seja, podemos usar os recursos computacionais de acordo com a nossa necessidade", diz Baccalá.
O executivo lembra ainda que o novo modelo evita ociosidade quando não estão operando no máximo (quando BBB está no ar ou acontecem transmissões de jogos de futebol ao vivo, por exemplo). Outra vantagem é a Globo não precisar fazer investimentos constantes para comprar novos equipamentos.
Uma comparação comum, mas incorreta, é entre Netflix e Globoplay --ou outras plataformas de streaming com transmissões ao vivo. As transmissões ao vivo, algo que o Netflix não faz, demandam muito mais infraestrutura e são difíceis de administrar porque o conteúdo não pode ser disponibilizado com antecedência em redes de computadores próximas aos usuários, as chamadas CDNs.
"Vale ressaltar que a importância dessa parceria vai além do suporte às nossas plataformas digitais e da captação, produção e distribuição de vários de nossos conteúdos, ela está alinhada com a trajetória mediatech da Globo, apoiando e colaborando com a evolução de todo movimento D2C que a empresa vem fazendo ao longo dos últimos anos", diz Baccalá.
A Globo também tem aplicado inovações do Google nas áreas de big data e inteligência artificial.
Após anos de crescimento fraco e vendo os líderes Amazon, Microsoft e a chinesa Alibaba se distanciarem, o Google radicalizou. Desde o ano passado, Thomas Kurian, que lidera a divisão de nuvem do Google, anunciou uma grande reestruturação, inclusive com corte de funcionários da área, um fato chocante na gigante de tecnologia que bate recordes de lucro e crescimento, mas basicamente nas áreas ligadas à publicidade.
Os cortes de empregos fazem parte de uma reestruturação destinada a melhorar a forma como a empresa trabalha com clientes de nuvem. Segundo o WSJ, entre os objetivos que o Google estabeleceu desde que Kurian ingressou na empresa estão se tornar um dos dois maiores provedores de computação em nuvem e ultrapassar US$ 25 bilhões (R$ 125,2 bilhões) em vendas em poucos anos.
O Google tem espaço para crescer, já que sua participação de mercado na nuvem é de apenas 4%, de acordo com a consultoria Gartner. O negócio de nuvem vem crescendo em importância na empresa. A nuvem gerou 5,5% das vendas no ano passado, ou US$ 8,9 bilhões, acima dos US$ 4,1 bilhões (R$ 44,6 bilhões), ou 3,7% das vendas totais, dois anos antes.
As mudanças promovidas por Kurian geraram desconforto dentro da divisão de nuvem. Os engenheiros, acostumados a trabalhar sem prazos definidos e metas voltadas aos resultados, odiaram. A equipe de vendas, que viu seus ganhos serem mais atrelados aos resultados financeiros de suas negociações, também não gostou.
Mas quem aprovou foram os clientes, que estariam mais felizes com a nova postura da divisão de nuvem do Google, que parece muito mais preocupada em atender às demandas das empresas.
"Especificamente em relação ao BBB, o reality show é, sim, um projeto importante que demonstra a capacidade da nossa infraestrutura", diz Marco Bravo, executivo do Google Cloud Brasil. "O BBB, assim como os outros conteúdos da Globo, representam oportunidades de mostrar o potencial da nossa nuvem para ajudar empresas a crescer de acordo com a demanda e proporcionar aos clientes melhores experiências, principalmente em circunstâncias como é o BBB, consumido por milhões de pessoas ao mesmo tempo", acrescenta.
O volume de horas assistidas de BBB nas plataformas digitais é colossal. O fato é que grandes plataformas de streaming consomem grandes volumes de dados, mas a escolha padrão até algum tempo atrás era a Amazon, da qual a Netflix, por exemplo, é usuária.
Mas as recentes parcerias do Google com a Globo, e também com a gigante Univision-Televisa, podem mudar esse jogo. Na recente fusão da americana Univision com a mexicana Televisa, o Google inclusive foi um dos investidores no negócio.
"Diferentemente de outros setores como o varejo, por exemplo, que já entendeu como tirar o melhor proveito da nuvem em seus negócios, o setor de mídia e entretenimento ainda está no começo da jornada de transformação digital do seu negócio. Essa jornada é importante, porque a nuvem será essencial para as empresas de mídia e entretenimento que quiserem se manter relevantes em um contexto cada vez mais digital", diz Bravo.
A aposta do Google é que ao adotarem a nuvem as empresas de mídia vão aprofundar o relacionamento com os consumidores, aumentar a eficiência nas operações e liberar novos recursos para contar histórias. "Parcerias como a da Globo mostram o potencial da nossa nuvem para ser uma alavanca do setor nesta jornada de transformação", diz Bravo.
A parceria do Google e da Globo não inclui a venda de publicidade. Esse ainda é um campo em que são inimigos. As empresas também discordam quando o tema é o pagamento pelo uso de notícias em ferramentas de busca.
Mas o Google colabora com a Globo na área de tecnologia para publicidade, "o que tem contribuído para que a Globo coloque em prática sua nova estratégia de atendimento do mercado publicitário, priorizando os objetivos de negócio de seus clientes", afirma Bravo.
"Dentro da parceira com a Globo, temos um projeto de integração customizada do Globoplay com a Android TV, cujo objetivo é combinar a programação da TV aberta (sinal digital e broadcast) e da TV via internet (broadband) e, então, criar novas formas de interação com o público. Esse projeto está em andamento e teremos mais novidades para contar no futuro", diz Bravo.
Provavelmente, a próxima grande batalha entre as companhias será no mercado de publicidade na TV Conectada. "O streaming na sala de estar explodiu", afirmou Philipp Schindler, chefe de negócios do Google, na última conferência com investidores. Segundo o executivo, as telas de TV conectadas são agora os dispositivos que crescem mais rápido dentro dos negócios da empresa.
Diferentemente da última década, quando o uso da tela do celular cresceu rapidamente e parecia ser o futuro, agora a tela grande na parede (as TVs conectadas) podem estar reafirmando seu domínio sobre a pequena tela.
Schindler disse que as vantagens das chamadas CTV estão começando a aparecer. As plataformas de tecnologia podem recriar a escala do linear, mas também permitem que as marcas personalizem os anúncios por público. A capacidade de segmentar campanhas publicitárias e usar recursos de marketing de performance são grandes vantagens.
Uma das melhorias mais recentes, as Campanhas de Ação em Vídeo do Google foi atualizada em outubro para incluir automaticamente a CTV no mix de vídeos, já apresenta um crescimento exponencial. O YouTube é um de seus negócios que mais crescem na empresa há vários anos.
A Globo está atenta à oportunidade. Hoje, o consumo de conteúdo nos dispositivos de big screen (TVs conectadas, AppleTV, Chromecast, Androidtv, Roku, dongles hdmi e afins) já correspondem a mais de 50% do total de horas consumidas no Globoplay.
Desde 2019, a Globo tem firmado parcerias com os principais fabricantes de TVs conectadas para ter o Globoplay embarcado nativamente no sistema operacional das TVs. A ideia é enriquecer a experiência do consumo da TV tradicional, trazendo camadas de interatividade e a possibilidade de segmentação de comerciais também no broadcast, com a evolução do padrão de TV Digital Brasileiro.
Para o Google, o risco ao apostar em negócios de mídia é investir em um mercado que tende a ficar cada vez mais concentrado, dando maior poder de barganha às plataformas de streaming.
Dificilmente daqui cinco ou dez anos teremos mais players de streaming, a tendência é que aconteça uma onda de consolidação no setor. Com menos players e maiores em escala, aumentam as chances de espremerem fornecedores de nuvem como Google, Amazon, Microsoft por preços mais baixos.
O risco para a Globo é repetir a história dos veículos impressos. Há quase duas décadas, jornais e revistas adotaram a estratégia "abraçar" o Google. Hoje, em sua grande maioria, os que sobreviveram dependem totalmente do Google para atrair leitores e vender publicidade.
O YouTube também tem crescido muito e abocanhado cada vez mais audiência e dinheiro de anunciantes. Porém, ainda não tem a aura da TV e seu conteúdo abrangente que atrai os grandes anunciantes. A plataforma ainda é para muitos uma rede social de vídeos. Não tem o mesmo status das grandes emissoras. Mas se TVs como a Globo e o Google forem percebidos como a mesma plataforma, isso pode mudar rapidamente.
No curto prazo, a parceria parece funcionar. A emissora solucionou os piores problemas do Globoplay até o momento. O Google, caso domine o segmento de mídia e entretenimento, ficará um pouco mais próximo de ultrapassar a líder em nuvem, a Amazon.
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