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COLUNA DE MÍDIA

Globo é 'um bicho em transformação', afirma diretor de finanças da emissora

REPRODUÇÃO/MULTISHOW

De paletó e camisa social, Manuel Belmar está sentado em uma poltrona dando entrevista

Manuel Belmar, CFO da Globo, em entrevista ao Programa Reclame, do Multishow

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 19/11/2021 - 15h23

Dois desafios moldaram a Globo nos últimos anos: primeiro, se tornar uma empresa digital. Depois, resistir à pandemia. No primeiro caso, foi implementada uma radical (e cara) estratégia para se tornar uma empresa de tecnologia. De um lado, a Globo reduziu investimentos na TV aberta e a cabo, que perdem audiência e verba publicitária para plataformas online, e investiu massivamente em iniciativas digitais como o Globoplay. 

O segundo desafio foi enfrentar a epidemia de Covid-19 com uma crescente crise econômica e política no Brasil. 

Os últimos tempos foram duros para a Globo, mas os resultados começaram a aparecer. Neste ano, a receita líquida da empresa alcançou R$ 3,7 bilhões entre julho e setembro, um aumento de 19% comparado ao mesmo período do ano passado. 

Já o lucro da Globo no terceiro trimestre foi de R$ 142 milhões e reverteu os prejuízos registrados pela empresa nos seis meses iniciais de 2021. No primeiro semestre, a Globo havia tido prejuízo de R$ 114 milhões. Na soma dos nove primeiros meses de 2021, a receita líquida da emissora cresceu 18% (ou R$ 1,5 bilhão) em relação ao mesmo período de 2020, totalizando R$ 10,1 bilhões.

Poucas pessoas vivem esses desafios como Manuel Belmar, diretor-geral de Finanças da Globo. Há 18 anos na empresa, o executivo assumiu o posto mais alto no comando das operações financeiras do grupo pouco após o início da pandemia. 

Melmar conversou com o Notícias da TV em uma entrevista por teleconferência. Logo no início, questionei o executivo se não seria possível afirmar que a boa governança corporativa e a independência da Globo inadvertidamente prejudicaram a imagem da companhia e até agravaram suas dores nos últimos anos durante a reestruturação.

"Mudanças nunca são fáceis e geram desconforto. Somos um bicho em transformação. Existe um risco de execução, mas estamos seguros do nosso caminho", disse Belmar, que acrescentou: "Quando conversamos com parceiros que produzem aparelhos de TV, eles nos dizem que até 2025 todas as TVs serão smart no Brasil. E aqui não é como no resto do mundo, quando a pessoa compra uma TV smart, ela realmente usa as funções digitais".

No mundo digital, a concorrência é brutal. Google, Facebook, Netflix, Amazon, Apple e algumas das maiores e mais bem capitalizadas empresas do mundo batalham nesse território. "Não temos a expectativa de ter no digital o mesmo market share que temos na TV, mas estamos trabalhando para ser relevantes e competitivos."

Disciplina financeira e foco na execução

Mesmo antes da pandemia a Globo já sinalizava que haveria uma mudança de rota. Belmar citou como exemplos a Fórmula 1 e o futebol. "Sinalizamos desde 2018 que seria impossível manter os contratos naqueles valores. Com a Fórmula 1 tivemos muitas conversas, mas todas infrutíferas. Imaginava-se que era impossível a Globo ficar sem a Fórmula 1. Lamentavelmente, terminaram em condições piores."

O cenário de encolhimento da TV aberta e a cabo, agravado por uma crise econômica e política com a alta do dólar, se tornou uma tempestade perfeita com a chegada da Covid-19. "A pandemia gerou um desequilíbrio econômico fundamental, mas é importante notar que cumprimos todos os contratos", destacou. 

Belmar disse que os desentendimentos com parceiros nos últimos anos foram ponto fora da curva, que existe uma "dinâmica positiva" com relação aos contratos esportivos e que a Globo tentará recuperar todas as competições que deixaram sua grade, desde que "as condições econômicas façam sentido". Ou seja, o plano é fechar acordos somente quando houver a perspectiva de lucrar com o negócio.

Saída de talentos

Possivelmente, o tema mais visível publicamente em torno do novo modelo da Globo pautado pela disciplina financeira seja o contrato por obra. A exemplo do que a Netflix e boa parte das empresas de streaming já fazem, os artistas recebem somente se estiverem atuando em alguma produção. A mudança provocou a saída de diversos figurões da Globo.

A avaliação na empresa é que o novo modelo traz frescor às produções e dá mais liberdade aos autores para montar suas equipes, mas o executivo confirmou que também existe um componente econômico, à medida que há redução do custo fixo.

Globoplay deve dar lucro apenas em 2025

No terceiro trimestre deste ano, a receita do Globoplay cresceu 70%, e o número de assinantes, 27%. Uma das provas da influência da plataforma é que dificilmente um grande streaming internacional é lançado no Brasil sem fechar parceria com o Globoplay (o que ajuda a aumentar rapidamente a base de assinantes dos estreantes e cresce a receita da plataforma da Globo).

Hoje, o Globoplay é uma operação que perde dinheiro, como todos os grandes streamings do mundo (a exceção é a Netflix, que desde 2020 passou a dar lucro). "O streaming é uma guerra cara, quase um mar vermelho. Depende da construção de escala e demanda altos investimentos", disse.

Mas, segundo o executivo, o conhecimento do mercado local e proximidade com o consumidor brasileiro permitem à Globo concorrer para ser um grande player local.

Questionado sobre quando o Globoplay passará a dar lucro, Belmar afirmou que a perspectiva é entre 2024 e 2025. Mas destacou que o contexto econômico do país é um fator fundamental na equação. "Muita gente imagina que a Globo torce para que as coisas deem errado no Brasil, mas é justamente o contrário. Uma economia forte e crescendo melhoraria a vida de todos."

Faz sentido ser uma empresa de tecnologia?

Um dos maiores questionamentos com relação à estratégia da Globo é por que escolher concorrer com gigantes de tecnologia em vez de focar naquilo que já conhece e faz bem: a produção de conteúdo audiovisual.

"Essa foi uma questão muito discutida aqui dentro há alguns anos. Ser um superestúdio era seguir uma vocação nossa de produzir conteúdo. Mas avaliamos que, no longo prazo, isso nos levaria a perder relevância e acabaríamos nos afastando do consumidor. Se apenas produzissemos para a Netflix e outros streamings, teríamos um link cada vez mais fraco na cadeia de consumo", disse Belmar.

A lógica da Globo é que, ao se digitalizar, evitaria o destino de grandes estúdios de Hollywood como Sony, Warner e MGM, que acabaram engolidos por outras grandes corporações de mídia ou tecnologia. 

Venda da Globo

Comentei que ouvi de um funcionário de um grande banco internacional que a instituição tinha interesse em montar uma proposta de venda ou fusão da Globo, e que inclusive teriam conversado com Belmar recentemente. A avaliação do banco era que a família Marinho estava distante de um consenso, mas que a legislação seria a maior barreira, não a família.

“Converso com grandes bancos toda semana. Temos feito inúmeras associações e sempre exploramos parcerias. A TV é muito vertical, e temos a necessidade de explorar as adjacências. Também temos de considerar opções possíveis no longo prazo. É um mundo de parcerias", disse Belmar.

Insisti e perguntei se isso significa que uma futura venda da Globo não estaria descartada. "Existe um consenso na visão estratégica e entendimento que parcerias são fundamentais. Até para os donos existe esse entendimento."

Resultados positivos na Globo

Agir como uma companhia responsável, cortando custos e salários para reforçar o caixa, nunca é popular, principalmente em tempos de juros baixos globalmente. Aumentar o endividamento seria uma saída mais fácil para a Globo. 

Em janeiro de 2020, pouco antes do início da pandemia, a Globo fez uma captação de US$ 500 milhões com juros de 4,875%. O booking, a fila de interessados em investir nos títulos da empresa, foi dez vezes superior à oferta. Ou seja, teria sido relativamente fácil para a Globo aumentar seu endividamento.

Mesmo a decisão de se manter distante dos últimos governos (de esquerda e de direita) facilitaria o acesso a bilhões em verbas públicas e estatais. Além disso, o vácuo entre o governo e a Globo foi preenchido por concorrentes tradicionais de TV, que acabaram beneficiados do ponto de vista comercial e institucional.

Mudança da legislação para possível venda

Sobre uma eventual mudança na legislação brasileira para permitir a entrada de capital estrangeiro no controle de mídia no país, Belmar disse que não está diretamente envolvido e que o tema é tratado pela área institucional da empresa, mas destaca que vê como um "anacronismo vedar participação de capital estrangeiro". 

Belmar citou como exemplo o fato de grupos estrangeiros competirem com a Globo na TV a cabo e no streaming. No streaming, nem existe cota de produção de conteúdo nacional. Na União Europeia, as plataformas são obrigadas a ter no mínimo 30% de conteúdo local em seus catálogos. 

No início de novembro, o jornalista Julio Wiziack, da Folha de S.Paulo, revelou que o bispo Edir Macedo, da Record, teria pedido ao presidente Bolsonaro que barrasse uma mudança na legislação que permitiria o controle de empresas brasileiras de mídia por grupos estrangeiros. O pedido foi atendido, mesmo contrariando os desejos da Globo, SBT, Band, RedeTV! e boa parte dos grupos de mídia.

Próximos passos da Globo

Belmar não tem uma visão positiva no curto prazo e vê o Brasil em um contexto bastante desafiador. Ele acredita que particularmente as empresas de consumo devem passar por dias difíceis à medida que a crise econômica se intensifique. O executivo também estima que o valor do dólar em relação ao real continuará fora da curva. 

Por outro lado, a visão com relação à Globo é mais positiva. “Caminhamos para fechar 2021 com um biênio de resultado positivo. Não paramos de investir no digital e em conteúdo. Também adicionaremos novos fluxos de receita. Teremos muitas novidades em breve e nos preparamos para crescer nos próximos anos. E isso saindo de uma pandemia", diz.

Não deixa de ser irônico que a estratégia da Globo, de disciplina espartana, cortes de custos e independência institucional seja diametralmente oposta à de muitos concorrentes de TV e até mesmo à do governo Bolsonaro, que apostam no aumento do endividamento e em grandes acordos para seguirem populares. Os primeiros resultados positivos da Globo começam a aparecer no pós-pandemia... O mesmo não se pode dizer dos demais.

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