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Globo é acusada pela Receita Federal de crime tributário e entra na mira do MP

REPRODUÇÃO/TV GLOBO e JOÃO COTTA/TV GLOBO

Montagem de fotos com logotipo da Globo em fachada e imagem do presidente da empresa, Jorge Nóbrega

Presidente da Globo desde 2017, Jorge Nóbrega é citado em documento da Receita enviado ao MPF

VINÍCIUS ANDRADE

vinicius@noticiasdatv.com

Publicado em 23/6/2021 - 7h00
Atualizado em 23/6/2021 - 12h21

Após realizar investigações nos contratos PJ (pessoa jurídica) de prestadores de serviço da Globo, a Receita Federal identificou indícios de crime tributário e encaminhou uma "representação fiscal para fins penais" contra a emissora ao Ministério Público Federal. O Notícias da TV teve acesso ao documento, que indica quatro executivos do alto escalão da líder de audiência como os responsáveis por esse tipo de contratação.

Em nota, a Globo argumenta que todos os contratos da empresa estão dentro da lei, mas afirma que é passível de fiscalizações como qualquer outra companhia e adianta que exercerá o direito de defesa.

Ao MP, a Receita afirmou que os prestadores de serviço (chamados de sujeito passivo) atuaram "em conluio com a Globo" para forjar a relação de trabalho, com o objetivo de pagar menos impostos. Veja abaixo a explicação do órgão para entrar com a representação:

Em síntese, foi apurado que o sujeito passivo, em conluio com a Globo, simulou o recebimento de valores a título de prestação de serviços por pessoa jurídica por ela própria constituída, utilizando-se do estratagema da pejotização, com a finalidade de diminuição ilícita dos tributos incidentes sobre rendimentos do trabalho com vínculo empregatício.

No documento, a Receita Federal indicou o nome de quatro diretores da Globo que seriam os responsáveis por responder por essas contratações. Dois deles continuam na ativa: Jorge Nóbrega, presidente do Grupo Globo desde 2017; e Marcelo Soares, diretor-geral da Som Livre desde 2011 --a gravadora foi vendida para a Sony neste ano, mas ele segue como CEO.

Outros dois deixaram a líder de audiência em 2021: Carlos Henrique Schroder, que foi diretor-executivo de Criação e Produção de Conteúdo de 2020 até junho de 2021 e diretor-geral da TV Globo entre 2013 e 2019; e Rossana Fontenele, diretora executiva de Estratégia e Tecnologia. Ela foi a responsável por organizar o processo de unificação Uma Só Globo e trabalhou na emissora até maio deste ano.

Nesse tipo de representação fiscal para fins penais, a Receita Federal precisa identificar os sócios ou administradores da empresa que ela considera responsáveis pela prática do suposto crime --todos eles contratados com carteira assinada pela CLT. Em caso de condenação judicial, a dívida tributária pode ser cobrada tanto da empresa quanto dos executivos.

DIVULGAÇÃO/GRUPO GLOBO

Rossana, Schroder e Soares: investigados

O órgão usou como base a lei da sonegação fiscal (Lei 8.137/1990) para indicar que a Globo e os artistas investigados cometeram crime contra a ordem tributária. De acordo com o "Leão", os envolvidos infringiram as seguintes regras:

Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante seguintes condutas: 1 - omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, com pena de dois a cinco anos de prisão + multa; 2 - fraudar fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal.

Caso no Ministério Público

Em 2019, a Receita Federal iniciou uma devassa nos contratos de artistas, autores, diretores e executivos da líder de ibope. O objetivo era apurar supostas irregularidades no pagamento do Imposto de Renda e na relação de trabalho entre a Globo e os contratados.

Esgotada a primeira fase de investigação e revisão dos documentos apresentados, os auditores do órgão do governo federal identificaram fraudes e passaram a autuar e aplicar multas em alguns dos investigados. Uma das atrizes investigadas recebeu "um tombo" de R$ 10 milhões.

Os valores ainda não foram pagos, pois o caso não está fechado. Tanto a Globo quanto os seus contratados entraram com um recurso no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) --órgão colegiado ligado ao Ministério da Economia, que tem como função julgar os processos tributários.

Nas autuações enviadas aos artistas da Globo, a Receita afirma que há um conluio "propositado e previamente planejado para fim da prática de uma ilicitude". Insinua existir uma associação criminosa constituída para "lesar toda a sociedade", concluindo que a pejotização "precariza as relações de trabalho e humanas, degrada o ambiente laboral, enfraquece direitos trabalhistas e a própria dignidade da pessoa humana".

A Receita encaminhou os dados ao Ministério Público Federal sob a alegação de crimes contra a ordem financeira. O MP, no entanto, precisa aguardar o processo ser julgado pelo Carf para definir os próximos passos da ação, já que a Justiça não recebe uma denúncia enquanto não há uma resolução sobre o recurso --ou seja, a Globo, os executivos e os artistas não estão condenados nem foram considerados culpados no judiciário.

Caso o Carf acate as explicações da emissora, o MP dificilmente dará sequência à ação. No entanto, se o Conselho tiver o mesmo entendimento da Receita, o Ministério Público avalia a fiscalização para decidir se abre inquérito, solicita investigações à Polícia Federal ou se oferece uma denúncia ao Judiciário, que decidirá se houve prática de crime.

Globo recorre da decisão

Na defesa, a Globo cita a aprovação pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2020, da legislação dos prestadores de serviços intelectuais, de natureza artística ou cultural. A maioria do STF entendeu que profissionais como atores, cantores e escritores podem ser contratados pelo regime PJ.

Relatora dessa chamada Ação Declaratória de Constitucionalidade, a ministra Cármen Lúcia apontou que "o dinamismo das transformações econômicas e sociais reafirma a necessidade de assegurar liberdade às empresas para definir suas escolhas organizacionais e seus modelos de negócio, visando à competitividade e à subsistência". Na decisão, a magistrada ressaltou que casos de "maquiagem" de contratos para burlar os sistema fiscal e previdenciário podem vir a ser questionados e analisados pela Justiça.

Nos últimos anos, durante a unificação de todas as empresas do grupo, a Globo passou a substituir contratos de jornalistas, executivos e apresentadores de PJ para CLT em um processo que ela classificou, em 2019, "como uma reestruturação que prepara a empresa para os desafios do futuro".

Procurada pela reportagem, a Receita Federal afirmou que não se manifestaria sobre o caso. Ao Notícias da TV, a Globo comentou sobre as acusações de crime tributário por parte do órgão:

No que diz respeito à Globo, esclarecemos que todas as formas de contratação praticadas pela empresa estão dentro da lei e todos os impostos incidentes são pagos regularmente. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Constitucionalidade 66, e decidiu que é constitucional o artigo 129 da Lei 11.196/2005, que determina que a prestação de serviços intelectuais como o em questão deve ser tributada como relação entre pessoas jurídicas. Assim como qualquer empresa, a Globo é passível de fiscalizações, tendo garantido por lei também o direito de questionar, em sua defesa, possíveis cobranças indevidas do fisco.

Após a publicação da reportagem, a Globo enviou um complemento ao posicionamento: "Como já adiantamos e achamos importante reforçar, todas as formas de contratação praticadas pela empresa estão dentro da lei e todos os impostos incidentes são pagos regularmente".

"A matéria deixou de esclarecer que as autuações são referentes a períodos anteriores a 2019, e, sobre os executivos mencionados, todos contratados em regime de CLT, que é praxe da Receita Federal listar diretores estatutários nas hipóteses em que cobra 'multa agravada'. A Globo confia que, no julgamento da sua defesa administrativa, as autuações serão integralmente revertidas, prevalecendo o entendimento já pacificado no STF sobre o assunto", reforçou a emissora.

Entenda a 'pejotização'

Para ter um vínculo como PJ, o profissional abre uma empresa em seu nome, e essa passa a prestar serviço para a contratante. Ao contrário do regime com carteira assinada, esse modelo não dá direito a benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), seguro do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e seguro-desemprego.

No caso de artistas e alguns jornalistas, a vantagem de ser contratado como uma "empresa" é a possibilidade de vincular ao contrato ganhos com publicidade e merchandising, que são devidamente declarados.

A pessoa física é taxada em até 27,5% do Imposto de Renda, além do INSS. E a jurídica recolhe, ao todo, de 6% a 16%, dependendo da atividade e do faturamento.


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