NOVA OFENSIVA
ESTEVAM AVELLAR E JOÃO MIGUEL JÚNIOR/TV GLOBO
Malvino Salvador e Deborah Secco estão na lista de artistas que entraram na mira da Receita Federal
Em um novo episódio da devassa que tem feito nos acordos de artistas que mantiveram contratos como PJ (pessoa jurídica) com a Globo nos últimos anos, a Receita Federal aplicou multa de R$ 10 milhões em uma das atrizes investigadas. Agora, o órgão do governo federal ampliou a ofensiva e passou a fiscalizar vínculos de autores e diretores.
Ao Notícias da TV, o advogado tributarista Leonardo Pietro Antonelli, que representa a maior parte das celebridades nessa ação, defende que as multas aplicadas pela Receita são um exemplo de confisco tributário e explica que tem atuado na tentativa de cancelar essas cobranças.
"A discussão travada pela Receita é que o artista estaria usando uma empresa (pessoa jurídica) para economizar o imposto de renda de 27,5%. Mas as empresas dos atores ofereceram à tributação de todas as suas receitas: pagaram PIS, Cofins, Imposto de Renda Pessoa Jurídica e contribuição sobre o lucro, ISS que, juntos, podem chegar a 20%. Então, com todo o respeito à Receita Federal, entendemos que todos os tributos devidos já foram pagos na pessoa jurídica (leia-se, empresa). Cobrar tudo de novo na [pessoa] física é estar cobrando duas vezes pelo mesmo serviço", aponta o tributarista.
A defesa dos artistas entrou com um recurso administrativo na própria Receita Federal. Durante esse processo, não existe a necessidade do pagamento das multas aplicadas. Em alguns casos, os valores ultrapassam R$ 10 milhões.
"Se esse ator teve uma participação nos resultados (lucros) da sua empresa de R$ 150 mil por mês nos últimos seis anos, o cálculo bate: a Receita Federal cobra o imposto de renda de 27,5% (mensal), acrescido de uma multa de 150%, mais o juro Selic. Parece-me um exemplo clássico de confisco tributário, pois tudo aquilo que o artista recebeu está sendo cobrado de volta (27,5% + 150% de multa + juros)", explica Antonelli.
Nessas ações, a Receita tenta condenar a "pejotização", relação de trabalho que o próprio órgão do governo federal reconhece como "comum". Pela lei brasileira, "os serviços intelectuais, de natureza artística ou cultural, em caráter personalíssimo, sujeitam-se ao regime de tributação de pessoas jurídicas".
Também são investigados autores, diretores e jornalistas. Em abril, o colunista Ricardo Feltrin, do UOL, antecipou com exclusividade que o âncora William Bonner e outros 20 profissionais que prestam serviços para a Globo foram atuados. A líder de audiência é o principal alvo da operação contra a "pejotização", que também já atingiu jornalistas de Record, SBT e CNN Brasil.
O tributarista Leonardo Antonelli classifica o entendimento da Receita Federal em relação aos contratos PJ como equivocados:
Sob a ótica da fiscalização, o contribuinte, seja ele ator, autor, diretor ou até mesmo jornalista, não poderia se valer de uma pessoa jurídica para prestar serviços. Essa visão, como dito equivocada, desconsiderada que a lei autoriza a prestação de serviços artísticos, culturais e intelectuais, através de empresa
(leia-se, pessoa jurídica). É um retrocesso tributário se compararmos aos outros países, especialmente os Estados Unidos, onde a reforma tributária implementada pelo Donald Trump (Tax Act) fixou uma tributação uniforme para todas as empresas (flat rate), incentivando a pejotização e formalização.
A defesa mantém sob sigilo os nomes de quem já recebeu as notificações de pagamento, mas na lista de investigados estão celebridades como Deborah Secco, Reynaldo Gianecchini, Malvino Salvador e Maria Fernanda Cândido.
Nas autuações enviadas aos artistas da Globo, a Receita Federal afirma que há um conluio "propositado e previamente planejado para fim da prática de uma ilicitude". Insinua existir uma associação criminosa constituída para "lesar toda a sociedade", concluindo que a pejotização "precariza as relações de trabalho e humanas, degrada o ambiente laboral, enfraquece direitos trabalhistas e a própria dignidade da pessoa humana".
A Receita encaminhou as investigações ao Ministério Público Federal, sob a alegação de crimes contra a ordem financeira. "Não bastasse o artista ser obrigado a devolver mais do que recebeu nos últimos cinco anos, ainda poderá ser processado criminalmente e quiçá condenado à prisão. Parece uma novela mexicana de ficção", lamenta Antonelli, que classifica a ação como um exemplo de "insegurança jurídica" do país.
A Globo, que nos últimos anos passou a trocar contratos de jornalistas, executivos e apresentadores de PJ para CLT, diz que os seus acordos são legais e que todos os impostos são pagos.
"Todas as formas de contratação praticadas pela Globo estão dentro da lei, e todos os impostos incidentes são pagos regularmente. Assim como qualquer empresa, a Globo e as empresas que lhe prestam serviços são passíveis de fiscalizações, tendo garantido por lei também o direito de questionar, em sua defesa, possíveis cobranças indevidas do fisco", sustenta a emissora, em nota.
Em agosto do ano passado, a Receita Federal explicou à reportagem que fiscaliza a chamada "pejotização" em inúmeros setores econômicos, mas que não poderia detalhar as ações em razão do sigilo fiscal.
Para ter um vínculo como PJ, o profissional abre uma empresa em seu nome, e essa passa a prestar serviço para a contratante. Ao contrário do regime com carteira assinada, esse modelo não dá direito a benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), seguro do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e seguro-desemprego.
No caso de artistas e alguns jornalistas, a vantagem de ser contratado como uma "empresa" é a possibilidade de vincular ao contrato ganhos com publicidade e merchandising, que são devidamente declarados.
"Tanto um ator quanto um atleta pode ceder o seu direito de imagem através de sua pessoa jurídica. Os chamados globais, assim como muitos atletas, são verdadeiras máquinas de cessão de imagem. Outros, produzem, atuam em teatros e mídias diversas. Vejam o sucesso da Giovanna Ewbank nas mídias sociais. A sua receita [fora da emissora] é maior do que a maioria dos atores. Tolher isso vai contra a simplificação de uma atividade que transcende a mídia
televisiva. Hoje prevalece o artista multimídia", defende Antonelli.
A pessoa física é taxada em até 27,5% do Imposto de Renda, além do INSS. E a jurídica recolhe, ao todo, de 6% a 16%, dependendo da atividade e do faturamento. O advogado tributarista destaca que, apesar da taxação sobre a renda ser inferior, o contratado como PJ não tem os benefícios trabalhistas e ainda arca com outros impostos empresariais para a União, que já foram pagos ao longo dos anos.
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