BRIGA POR DINHEIRO
Divulgação/WGA
Roteiristas seguram cartazes durante uma das manifestações da greve de 2007, que parou Hollywood
JOÃO DA PAZ
Publicado em 23/4/2020 - 5h11
No centro da pandemia do coronavírus, a indústria de entretenimento dos Estados Unidos está totalmente paralisada, mas conseguiu postergar outra dor de cabeça: a possível greve dos roteiristas. O pesadelo que ganharia vida em 1º de maio foi adiado para 30 de junho. São dois meses a mais de negociações para evitar que Hollywood pare, de novo.
Com o auxílio de uma expressão brasileiríssima, os roteiristas estão com a faca e o queijo na mão. Essencialmente, são eles que dão as cartas, representados pelo sindicato da categoria (o WGA). Na outra ponta da mesa está a Aliança de Produções Televisivas e Cinematográficas (AMPTP), representante dos estúdios e produtoras dos EUA.
Enquanto as empresas de streaming lucram horrores e surfam na onda com a crise do coronavírus, os roteiristas só querem a resposta para a pergunta: "E o nosso dindim, cadê?". Afinal, são eles quem criam e desenvolvem as histórias cativantes, intrigantes e divertidas que são consumidas pelo mundo afora.
O principal entrave das negociações é como será o contrato com essas plataformas, que só crescem com o passar dos anos. "O que importa para os nossos filiados é: quanto seremos compensados?", disse David Goodman, um dos diretores do WGA, em entrevista pra o Los Angeles Times.
"Estamos recebendo uma fatia considerável desse crescimento [financeiro] enorme dos serviços de streaming? Como vamos conseguir assegurar que os roteiristas fiquem protegidos como merecem nesse novo modelo de negócios?", provocou.
Goodman já deu uma prévia do que será discutido nas intensas reuniões com a AMPTP. Conforme o combinado, em 1º de maio as duas partes devem apresentar suas propostas de um novo acordo, que deve durar três anos (como ocorreu com os anteriores). E na semana do dia 11 do próximo mês deverão ocorrer as primeiras conversas, seja de maneira presencial ou online.
Uma revisão de contrato desse nível tem inúmeros detalhes de praxe em qualquer trato entre empregador e empregado. Mas o que interessa mesmo ao grande público são as questões mais universais, que podem afetar o futuro de sua série preferida.
Essencialmente, os líderes do sindicato querem garantias de que os roteiristas embolsem uma fatia farta do lucro obtido por streamings, principalmente com a entrada de novos players nesse jogo rentável, como a Disney, WarnerMedia, Apple e NBCUniversal, cujos serviços eram inexistentes na data do último acordo.
Como a estratégia dos streamings é fazer temporadas mais curtas, que giram em torno de dez episódios, os roteiristas perdem dinheiro em comparação com o modelo tradicional das TVs abertas, que costumam ter o dobro de capítulos, e abrem mão da possibilidade de ganhar dinheiro com a venda da série, tanto para os EUA (em canais pagos e reprises) quanto para o mercado internacional.
Um roteirista que escreve para Ponto Cego (Blindspot), por exemplo, ganha dinheiro da NBC (rede que exibe a série nos EUA) e de outras negociações --só no Brasil, a série já passou pela TV aberta, canal pago e está na Netflix. Já quem faz o texto de uma série só da Netflix, como Stranger Things, tem uma única forma de faturar.
Junta-se a tudo isso a atual crise do coronavírus, que só ajudará os roteiristas nas interpelações. Seria uma verdadeira tragédia uma greve depois de uma paralisação forçada de quase dois meses, que faz estúdios e produtoras sofrerem revés e serem obrigados a cortarem gastos e colaboradores. O sindicato tem isso a seu favor para tentar aprovar seus pedidos e espantar a ameaça de cruzarem os braços.
O que amedronta o outro lado é o que já ocorreu quando uma greve foi instaurada. Em 2007, a indústria de entretenimento americana engoliu um prejuízo de US$ 2,1 bilhões (R$ 11,34 bilhões) em cem dias de paralisação. Cerca de 37 mil pessoas perderam emprego. Na época, os estúdios ficaram muito pressionados, porque até atores de peso apoiaram os roteiristas e participaram dos piquetes.
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