MUDANÇA DE ÓTICA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Mariana (Theresa Fonseca) no remake de Renascer; relação com homem mais velho é problematizada
Em poucos capítulos, o remake de Renascer já mostrou como a percepção do público sobre um mesmo personagem pode mudar em três décadas. Mariana (Theresa Fonseca) foi recebida pelos telespectadores de uma maneira bastante distinta da versão original, de 1993 --quando a enxurrada de críticas quase acabou com a carreira de Adriana Esteves.
A expressão "painho", que também era utilizada na versão original, ganhou novos contornos para os telespectadores nas redes sociais. Ao contrário do que aconteceu nos anos 1990, Mariana foi recebida tanto como uma "vítima" quanto como "algoz" de José Inocêncio (Marcos Palmeira).
Bruno Luperi até mudou o tom em sua adaptação, afastando-se parcialmente --mas não a ponto de descaracterizar Mariana-- da "síndrome de Lolita" que afetou a jovem na década de 1990.
Lolita remete ao romance de Vladimir Nabokov (1899-1977) que até hoje é alvo de discussão do ambiente acadêmico às redes sociais. O livro é criticado, mas também elogiado pelo desconforto que causa no leitor, já que é narrado em primeira pessoa por um pedófilo --Humbert Humbert, que mantém uma relação de "gato e rato" com Dolores Haze.
Dolores, cujo apelido dá nome à obra, está longe de apenas ser uma presa no original de Nabokov. Ela é descrita por Humbert como uma jovem interesseira, maliciosa e amplamente sexualizada --parcialmente culpada por seduzi-lo.
A Mariana criada por Benedito Ruy Barbosa bebe diretamente nessa fonte, em que a inocência da jovem --muitas vezes, infantilizada-- contrasta com a dúvida sobre suas verdadeiras intenções. Ela, afinal, tem um legítimo interesse em José Inocêncio ou está atrás de recuperar o patrimônio perdido pela família no passado?
A Mariana de Luperi é bem menos sexualizada, mas ainda mexe com esse imaginário --que já era criticado em 1993, mas não tão amplamente quanto em 2024. No capítulo da última quinta (8), o público se viu mais uma vez diante de um dilema: ela é inocente mesmo? Ou esse verniz de inocência é a arma dela contra José Inocêncio?
A personagem de Theresa Fonseca não só abusou da expressão "painho" como trouxe uma infantilidade --vista até vezes como artificial-- para supostamente seduzir o fazendeiro. Ela, por exemplo, discursou sobre nunca ter se sentido acolhida para pedir o casaco e ainda dormir com o pai de João Pedro (Juan Paiva).
Mariana também saiu correndo como uma criança para o mar para impedir o protagonista de voltar para sua fazenda e, assim, acabar com a viagem dos dois para Ilhéus, no sul da Bahia.
Houve uma grande discussão nas redes sociais sobre a construção dessa personagem, mas ainda não ficou claro --pelo menos, até agora-- se há uma intenção (ou não) de Luperi em levar o folhetim para um debate que havia ficado em segundo plano na versão original.
Alguns internautas defenderam o autor. "Esse 'painho' ela usa de forma pontual para mexer com o psicológico dele, até mesmo depois que se casam. Então não é para vocês normalizarem nada, o texto de Renascer é para incomodar mesmo, é para deixar o público dividido, confuso com as intenções de Mariana", avaliou a internauta Jemima Becaleto.
Outros optaram por criticá-lo. "Toda vez que essa Mariana chama o Zé Inocêncio de 'painho' me dá um asco, me dá nojo", pontuou Suzane. "Este enredo de Mariana e Zé Inocêncio é péssimo, né? Não pelo fato dele ser muito mais velho que ela. É problemático? Sim. Mas há tantas coisas piores por aí. Acredito que se não fosse essa insistência do 'painho', estaria tudo bem", completou Hardin.
A teledramaturgia conta com diversas "Lolitas" que nem sempre foram problematizadas. Algumas --como a Angel (Camila Queiroz) de Verdades Secretas (2015) ou a Lurdinha (Cleo) de América (2005)-- entraram para o imaginário popular de uma maneira que talvez fosse impensável hoje.
Um dos papéis mais marcantes foi o de Mel Lisboa na minissérie Presença de Anita (2001). Já a reprise de Laços de Família (2000) no Vale a Pena Ver de Novo, 20 anos depois da exibição original, fez o público olhar de outro jeito para a relação entre Íris (Deborah Secco) e Pedro (José Mayer).
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