NOVO NORMAL?
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Lídia (Malu Galli) ignorou o isolamento social para beijar Magno (Juliano Cazarré) em Amor de Mãe
Orgulhosa por retratar a vida como ela é em sua obra, a autora Manuela Dias levou uma rasteira da realidade na volta de Amor de Mãe. Em sua segunda fase, a novela das nove abordou a pandemia da Covid-19, mas acabou atropelada pelas mudanças no cenário da crise sanitária no Brasil e conseguiu o feito de se tornar obsoleta apenas alguns meses depois de ser escrita.
A primeira grande gafe no retorno dos capítulos inéditos foi a informação ultrapassada sobre reinfecção por coronavírus, que precisou ser corrigida no meio do caminho com uma mensagem ao final de cada capítulo.
Como foi escrita de maio a agosto de 2020, a história também deixou de fora aflições mais atuais --como a lentidão da vacinação no país e a nova, e possivelmente mais letal, cepa do vírus. O "novo normal" que a trama mostra já se tornou velho conhecido do público, que enfrenta, exausto, uma crise ainda mais grave do que há um ano.
Confira quatro abordagens de Amor de Mãe que ficaram velhas:
Para justificar a interação sem máscara e até beijos sem preocupação com a contaminação por coronavírus, Manuela usou como muleta a informação de que os personagens já haviam contraído e se curado. Em várias passagens, a frase "já peguei Covid" virou uma espécie de autorização para afrouxar o distanciamento social, como no início do romance de Lídia (Malu Galli) e Magno (Juliano Cazarré).
Essa solução dramatúrgica, no entanto, se mostrou obsoleta na estreia da nova fase da trama, já que a possibilidade de reinfecção por Covid-19 foi reconhecida pela ciência. A Globo providenciou até uma mensagem que passou a ser mostrada ao final de cada capítulo: "Mesmo quem já teve Covid-19 pode ser reinfectado e deve manter todos os cuidados. Quando esta novela foi gravada, não havia conhecimento científico sobre essa possibilidade".
Mais de um ano depois da explosão da pandemia no Brasil, o uso de máscara ainda é a principal recomendação para diminuir as chances de contrair o vírus. Mas, atualmente, já existem estudos detalhados sobre materiais mais indicados e a quantidade de camadas que o acessório de proteção deve ter.
Na época em que a novela foi gravada, as máscaras de pano caseiras precisavam apenas de duas camadas para serem consideradas seguras. A recomendação agora é para que tenham pelo menos três ou então que sejam colocadas duas máscaras, uma por cima da outra, já que há indícios de que mutações do coronavírus são mais facilmente transmitidas.
A bandana que Davi (Vladimir Brichta) usou no capítulo da última terça (30), por exemplo, é considerada menos segura até do que andar sem máscara. De acordo com um estudo da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, o tecido elástico desse tipo de acessório pode transformar as gotículas de saliva maiores em partículas pequenas, que ficam suspensas durante mais tempo e aumentam o risco de contaminação.
No primeiro capítulo inédito da segunda fase, em 15 de março, Lurdes (Regina Casé) apareceu limpando todas as compras e chegou a dizer que "não aguenta mais dar banho em chuchu". Outro hábito que era considerado crucial no início da pandemia, mas que está ficando obsoleto.
Em maio do ano passado, autoridades dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos divulgaram que a transmissão por contato de superfícies contaminadas não é tão frequente como se imaginava, além de ser muito menor do que por via respiratória. À medida que os estudos sobre a doença avançaram, as orientações colocaram como prioridade três medidas: uso de máscara, distanciamento social e higiene das mãos.
A principal discrepância na surra de realismo que Amor de Mãe se propõe a dar no público é com relação à imunização. A novela voltou a ser gravada em agosto de 2020, quatro meses antes de a britânica Margaret Keenan ser vacinada, em 8 de dezembro, e se tornar a primeira pessoa a receber uma dose do imunizante fora do ambiente de testes.
Desde então, a pandemia no Brasil ganhou contornos ainda mais preocupantes. Os dramas mostrados na novela até refletem bem a realidade vivida no início da crise sanitária, mas se descolaram da realidade atual do país. Hoje, a curva no gráfico de mortes está subindo, o número de casos passa de 1 milhão, e menos de 10% da população foi vacinada.
Na intenção de ser atual, a história de Manuela Dias conseguiu o feito de envelhecer mal apenas alguns meses depois que foi escrita. O país perdeu mais de 330 mil brasileiros para a Covid-19 e sente falta da época em que a maior preocupação era dar banho no chuchu.
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