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NOVAS DISCUSSÕES

'Malhação da 3ª idade'? Aumento na expectativa de vida é trunfo para TV aberta

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Antonio Fagundes caracterizado como Alberto em Bom Sucesso (2019); ele tem os cabelos brancos e está numa cadeira de rodas. O semblante exprime choque.

Alberto (Antonio Fagundes) em Bom Sucesso (2019); novela foi exemplo de abordagem da velhice

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 8/10/2023 - 9h00

Em suas primeiras temporadas, Malhação (1995-2020) fez sucesso entre os adolescentes por abordar temas que eram caros justamente para aquela faixa etária. Relacionamento com os pais e os amigos, dúvidas em relação ao futuro profissional e início da vida sexual são dramas que fazem sentido justamente para aquela população, mas que não encontravam espaço em outras produções da época.

As décadas passaram, o mercado mudou, e a geração mais nova migrou para o streaming. Malhação perdeu a relevância e foi cancelada. Mas há outras lacunas de público e conteúdo que podem ser exploradas pela TV aberta.

O caso mais evidente é o da população mais velha, ainda mais em um país cuja expectativa de vida é cada vez mais alta --entre 2012 e 2021, a parcela de pessoas com 60 anos ou mais saltou de 11,3% para 14,7% da população. Se considerarmos a facilidade com que a TV aberta chega a essas pessoas, parece ainda mais relevante questionar por que não há uma produção que busque tratar de questões relacionadas a essa faixa etária?

O jornalista Valmir Moratelli, autor do recém-lançado A Invenção da Velhice Masculina, elenca no livro temas que até já foram abordados de maneira esporádica na TV, mas mereciam maior aprofundamento. É o caso da dependência financeira que idosos costumam ter por parte de filhos e netos --problema que deve ser mais cada vez mais recorrente, considerando que a reforma da Previdência prevê o aumento da idade mínima para a aposentadoria, embora o mercado não costume acolher pessoas mais velhas.

O assunto até foi apresentado brevemente em A Dona do Pedaço (2019) --novela que, aliás, somou o maior elenco idoso dos últimos 10 anos. Mas, para Moratelli, ele merecia maiores discussões.

Outro tópico que entra nessa esteira é a violência doméstica sofrida pelo casal Leopoldo e Flora, interpretados respectivamente por Oswaldo Louzada (1912-2008) e Carmem Silva (1916-2008), em Mulheres Apaixonadas (2003). À época, a trama serviu até para pressionar o Congresso a aprovar o Estatuto do Idoso, numa sessão que contou com a presença de Regiane Alves, intérprete da agressora Dóris na novela.

Contudo, alguns temas pertinentes para o pesquisador ainda não foram abordados. Exemplos são as as diferentes maneiras de viver a sexualidade, a convivência com o luto, os cuidados com a saúde e as novas formas de socialização.

Velhice feminina X masculina

Parte deles são abordados no livro do jornalista, embora ele dê foco especialmente à velhice masculina. Não é por acaso. A maior parte da literatura focada na velhice é voltada às mulheres --até porque elas costumam sofrer as consequências mais diretas do etarismo. "A indústria de cosméticos, a moda e a própria mídia sempre fizeram uma pressão muito maior nas mulheres. A mulher não pode envelhecer, né? Um homem grisalho é charmoso na TV... Você não vê uma mulher grisalha na mesma posição", exemplifica.

Só que há algumas questões que batem mais forte no homem, que experimentou o poder desde que se entende por gente --e, depois, vê que os outros passam a enxergá-lo como incapaz. "Desde a infância, o homem pode tudo. Ele deve se colocar na frente de tudo, ele comanda as ações. É por isso que ele não tem o autocuidado, não vai ao médico, não se preocupa com laços familiares. É um choque psicológico quando, de repente, ele se aposenta e vai para o âmbito familiar. Ele se sente perdido na esfera doméstica", diz.

O jornalista chegou a essa conclusão após entrevistar cerca de 200 homens idosos --entre eles, Antonio Fagundes e Antônio Pitanga. A escolha de dois atores de renome na TV e no cinema é justificada. Moratelli só foi pesquisar a velhice pois costumava se interessar por grupos que eram invisibilizados nas produções audiovisuais --povos indígenas, pessoas negras, pessoas gordas e, claro, pessoas idosas.

divulgação/tv globo

Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg em Babilônia (2015)

Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg

Esse último grupo lhe chamou atenção justamente devido ao aumento da expectativa de vida. Daí, ele decidiu focar sua tese de doutorado nisso. Foram quatro anos de pesquisa, cujos pontos-chave foram aprofundados no livro.

Do streaming à TV aberta

Enquanto corria com o doutorado, Moratelli não largou o trabalho de jornalista nem o de roteirista. Nesse meio-tempo, contribuiu com produções do streaming voltadas para o tema. É o caso do filme Prateados - A Vida em Tempos de Madureza, do Globoplay.

Também assistiu a vários outros projetos, como Os Experientes, série disponível no Globoplay. Ele, aliás, elogia as iniciativas do streaming em relação à representatividade desse e outros grupos sociais. Mas sabe que essas plataformas são muito limitadas ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Daí, a importância da TV aberta.

O streaming é a porta de entrada para uma discussão, mas não é a solução. A televisão aberta ainda é o principal meio de entretenimento, né? A novela é o maior entretenimento gratuito do país, então, tem um peso muito grande. Precisamos exigir que a TV aberta faça uma maior representação desses grupos, que são historicamente invisíveis. E isso só se dá através do consumo. Quando esses grupos forem melhor atendidos e melhor inseridos, as empresas vão ter ganhos muito maiores.

Ao abordar esses temas, a tendência é que, primeiramente, os próprios idosos se reconheçam. "Nós somos seres sociais. O ser humano não vive isolado, nos nós espelhamos e construímos a nossa identidade a partir do olhar sobre o outro. Então, a partir do momento que eu vejo alguém que se assemelha a mim em um lugar de destaque, eu penso: 'Olha, eu também posso chegar lá'", define o autor.

Além disso, os jovens devem começar a perceber que o debate sobre etarismo também cabe a eles. "A velhice é para onde nós estamos indo, né? O meu direito, o seu, só vai estar assegurado no futuro se a gente começar a assegurar os direitos dos idosos desde já. Os nossos pais, os nossos avós, precisam ter, no presente, uma qualidade de vida mínima para poderem se manter", conclui.

Inovação pode virar desastre (ou não)

As telenovelas assumem protagonismo nesse debate por serem um produto que, há décadas, se propõe a trabalhar com o merchandising social --ou seja, trazer debates latentes na sociedade brasileira, como a violência doméstica e o alcoolismo.  Mas, claro, há de se ter cuidado quanto a isso. Nem sempre a população está aberta e preparada para engolir um determinado tema.

Dentro da temática dos idosos, Babilônia (2015) é um exemplo de como tudo pode desmoronar. Logo no primeiro capítulo, um beijo entre Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg) causou um furdunço à época, e a novela foi prontamente rejeitada por boa parte da população.

"Eu acredito que, hoje, a população consegue suportar mais dois homens se beijando na televisão do que um casal de idosos se beijando", define Moratelli, referindo-se especialmente a Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso), de Amor à Vida (2013), cuja cena de beijo foi ao ar meses antes da que envolvia duas mulheres mais velhas.

Boa parte da audiência ansiava pelo beijo dos rapazes, mas torceu o nariz para o das idosas. Mais tarde, Fernanda Montenegro contou que ficou surpresa com a repercussão. Para se ter ideia, no dia seguinte após a exibição, boa parte do cenário da casa das personagens havia sido destruído. Banheiro e quarto, locais em que as interações entre as mulheres necessariamente seriam mais íntimas, já não existiam mais. Sobrou apenas a sala de estar, na qual as conversas seriam mais protocolares.

Quatro anos depois, Rosane Svartman lançou Bom Sucesso (2019). Para o pesquisador, a trama foi inovadora. "Ela traz para o protagonismo um homem idoso, solitário, que é o Alberto [Antonio Fagundes]. Ele sabe que vai morrer, mas acaba se envolvendo sentimentalmente com Paloma [Grazi Massafera]. Ao mesmo tempo, o personagem aborda temáticas como o trabalho, a relação conflituosa com os filhos, o legado da vida e o amor --afinal, ele se apaixona por Vera [Angela Vieira]."

É na quantidade de camadas do personagem que reside o maior trunfo da narrativa. "O Alberto não é um personagem moribundo, que pensa na morte o tempo todo. E imagina só... Uma novela das sete cujo tema central era a morte de um idoso? Poderia dar muito errado. Mas a Rosane está em diálogo permanente com as transformações sociais, além de ficar de olho no que está acontecendo no streaming e em temas pertinentes da academia", analisa.

A já mencionada A Dona do Pedaço fez um aceno ao público mais velho naquele mesmo ano, e, desde então, o tema permanece quase que estacionado. Vai na Fé (2023) deu um bom enredo para Marlene (Elisa Lucinda), que reconstruiu sua autoestima após a alopecia e encontrou o amor. Amor Perfeito (2023) também teve um núcleo de idosos, mas que pouco foram desenvolvidos. 

"É ótimo que a novela traga idosos que estavam havia muito tempo afastados da televisão, mas é preciso um pouco mais. É preciso pensar para que os personagens desses atores possam ter temáticas relevantes e se conectar com a narrativa principal. A gente peca por pensar que estar presente já é representatividade. Não. É preciso ir muito além disso", critica o pesquisador.

Mas Moratelli acredita que os idosos começarão a ser representados com maior recorrência e afinco, especialmente se a população se der conta da importância disso. Afinal, a pressão às emissoras faz parte do processo em busca de uma maior representatividade. O movimento negro fez isso, e, depois de 70 anos de teledramaturgia, as três novelas inéditas da Globo continham ao menos um protagonista negro.

"A representação é um trabalho de longo prazo. Ninguém constrói uma identidade, um conceito, um entendimento do dia para a noite, ou em uma única novela, ou em um único filme. Num passado recente, a gente teve que reafirmar a democracia, que supostamente todos já sabiam da importância. Em alguns momentos, a gente vai chocar uma parcela conservadora, que não quer ver determinados assuntos sendo debatidos na televisão. Mas a arte e a cultura, de uma forma geral, precisam se colocar em choque com o pensamento hegemônico vigente", finaliza.


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