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PAPÉIS RELEVANTES

Aos 70 anos, Angela Vieira bate de frente com a indústria: 'Vida inteligente'

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

Angela Vieira dá um meio sorriso; ela usa um batom rosa e veste uma blusa de alcinha enquanto encara a câmera

Para Angela Vieira, pessoas com mais de 60 anos são pouco representadas pela teledramaturgia

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 10/7/2022 - 6h40

Prestes a viver Lisiê em Além da Ilusão, Angela Vieira se indigna com a escassa representação dos mais velhos na TV. Os raríssimos personagens com mais de 65 anos não conseguem dar conta da abrangência desta faixa da população brasileira: houve um aumento de 29,5% nesse grupo etário entre 2012 e 2019, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). São pessoas cujas histórias poderiam --e deveriam-- inspirar os autores para a construção de papéis na teledramaturgia.

Integrante do "grupo dos mais velhos" --Angela completou 70 anos em março--, a atriz não consegue entender o porquê de mais de 32 milhões de pessoas não poderem se ver nas telas.

"Nós temos um universo interessante, porque nós estamos muito ativos. O mundo mudou, a expectativa de vida cresceu, a saúde melhorou... Para quem tem a oportunidade, né? No nosso país, não é tão comum cuidar da saúde, é um privilegio. Enfim, estamos fazendo coisas que uma mulher e um homem de 60 não faziam há alguns anos atrás. Existe vida inteligente aos 60, 70 e aos 80 também (risos)", afirma a atriz em entrevista ao Notícias da TV.

A atriz, porém, não coloca Lisiê nessa pecha. Trata-se de uma participação especial, afinal. A poderosa entrará na trama apenas para para "apimentar" a relação de Tenório (Jayme Matarazzo) e Olívia (Debora Ozório) na novela das seis da Globo. A questão são os personagens fixos --que praticamente não existem.

"Num produto, às vezes, você só tem dois papéis relevantes para mulheres ou homens acima de 50 anos --com um pouco mais de dificuldade para mulheres", explica ela. Mas o que são papéis relevantes, afinal? "Não precisa ser uma personagem grande, mas precisa ter o que dizer, como dizer, e estar ativamente dentro da trama. O tamanho da personagem não é o fundamental, o fundamental é sempre a qualidade dessa personagem", explica.

joão cotta/ tv globo

Lisiê (Angela Vieira) em Além da Ilusão

Angela Vieira como Lisiê em Além da Ilusão

Apesar de raras, há produções que vão na contramão das críticas atriz. A própria Angela cita Um Lugar ao Sol (2021), de Licia Manzo, cujas personagens que mais repercutiram eram mulheres mais velhas. Rebeca (Andrea Beltrão), Ilana (Mariana Lima) e Noca (Marieta Severo) são bons exemplos.

Autor da tese Como a Ficção Televisiva Moldou um País: Uma História Cultural da Telenovela Brasileira (2021), publicada pela USP (Universidade de São Paulo) Lucas Martins Néia também destaca o sucesso de personagens mais velhas. Exemplo mais recente disso é Maria Bruaca (Isabel Teixeira) em Pantanal. Ela tomou o protagonismo do casal jovem, Jove (Jesuita Barbosa) e Juma (Alanis Guillen), por viver dilemas muito reais. Exatamente como Rebeca, da novela antecessora.

"Por mais que fosse uma mulher de contexto urbano, uma mulher 'liberta', a Rebeca estava presa a um casamento que não mais a satisfazia. Depois, ela busca se libertar disso: tem experiências com outros homens, volta a um amor do passado… Eu acho que, de alguma maneira, a trajetória dela e da Bruaca são similares. É interessante você ver esse tipo de perfil, uma mulher com cerca de 50 anos sendo a personagem que conquista e cativa o público", destaca.

Paralelo que também pode ser aplicado a Vera, personagem de Angela em Bom Sucesso (2019). Ela entrou no meio do folhetim para fazer par romântico com Alberto (Antonio Fagundes). Para a artista, foi uma forma de representar o amor na terceira idade. "Na novela, ficou claro que pessoas daquela idade podem ter uma vida interessante, uma vida gostosa, feliz, com humor", conta. 

Altos e baixos

Ou seja: Vera está dentro da alcunha de "papel relevante". Assim como Virginia, de Por Amor (1997), novela pela qual ela recebe elogios até hoje. Durante as reprises mais recentes --em 2017, no Viva, e em 2019, no Vale a Pena Ver de Novo--, a atriz via inúmeras discussões morais pelos atos da personagem.

Da raiva de Virginia ao descobrir a troca de bebês da irmã, Helena (Regina Duarte), ao choque por descobrir que o marido, Rafael (Odilon Wagner), tinha um relacionamento homossexual, a personagem mobilizou o público.

Coisa que não aconteceu com Arlete, de A Favorita (2008), atualmente reapresentada no Vale a Pena Ver de Novo. Na época, a Folha de S.Paulo publicou uma nota em que a atriz se dizia insatisfeita com o papel, e até ameaçou deixar a produção caso a personagem não ganhasse mais destaque. Questionada sobre o fato, porém, ela desconversa.

"É muito desagradável quando algumas situações internas vazam para a imprensa, porque nem sempre elas chegam da forma que realmente aconteceram. Eu não tenho o que dizer a esse respeito. Uma novela que já aconteceu há tanto tempo, eu já até nem me lembrava até disso. Não há muito o que falar, acho que há muito o que ver, porque A Favorita foi uma grande novela, de muito sucesso", diz.

Mais recentemente, Angela participou de Maldivas, da Netflix. Foram poucas cenas em uma participação especial. Avó de Liz (Bruna Marquezine), ela basicamente incentivou a moça a ir atrás de seu próprio passado. 

"Na verdade, o formato da série mudou um pouco, porque cada capítulo era mais longo do que foi ao ar. A duração de cada capítulo foi reduzida, e isso fez com que a história ficasse mais sucinta. Algumas coisas foram deixadas de lado, mas a série resultou muito bem, porque chegou em primeiro lugar no Brasil", afirma.

Ela comemora o sucesso da produção --"isso nos deixa muito felizes, porque a nossa intenção é que o público veja e goste"--, mas não deixa de levantar a bandeira pela representatividade. Como definiu a pesquisadora Maria Immacolata Vassallo de Lopes, as "novelas são as narrativas da nação" e precisam representá-la. Não só as novelas, como todos os produtos audiovisuais da indústria brasileira.


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