PRECONCEITO
Fábio Rocha/TV Globo
Marieta Severo interpreta Noca em Um Lugar ao Sol; atriz falou sobre o preconceito com idosos
No ar em Um Lugar ao Sol, nova novela das nove da Globo, Marieta Severo explicou em entrevista enviada à imprensa o motivo de ter "assumido" seus cabelos brancos. Apesar de ter 74 anos, a atriz confessou que se surpreendeu por finalmente poder deixar os fios no tom natural e levantou a questão sobre o tipo de preconceito que atinge uma parcela da população (e inevitavelmente atingirá todas elas): o etarismo.
Se existe uma certeza nessa vida --além da morte-- é a de que o tempo corre para todos. Mas nem o caminho natural da existência do ser vivo passa incólume pela busca implacável do chamado "padrão". Além de ter a pele branca e ser rico, o ser humano precisa apresentar uma aparência jovial para ter destaque e respeito.
"Nós vivemos uma cultura no Brasil em função da visibilidade midiática, que tem como característica o que se chama de jovencentrismo. Juventude parece ser um valor considerado muito necessário. Todos precisamos projetar uma imagem compatível com essa ideia de juventude", explica Gisela Castro, doutora em Comunicação e professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Rugas e cabelos brancos à mostra, dentro dessa mentalidade, são vilões a serem derrotados. "Parece que a ideia de velhice, do velho, tem sido socialmente associada no Brasil como algo negativo, da perda, do declínio, não só à morte, como também à doença, à perda dos controles físicos emocionais; portanto, algo que deve ser combatido", completa Gisela, que é especialista nos temas envelhecimento e longevidade.
Um exemplo de etarismo na TV foi visto em uma briga real entre Solange Gomes, 47 anos, e Rico Melquiades, 30, em A Fazenda 13, da Record. Na intenção de ofender a concorrente, o influenciador digital a chamou de "velha", como se fosse algum tipo de defeito a pessoa se manter viva durante tempo demais.
Por definição, o termo dá nome ao preconceito e à intolerância com pessoas mais velhas. Ou seja, dizer que alguém "não tem mais idade" para usar determinada roupa ou ter algum tipo de atitude é considerado etarismo. Assim como qualquer discriminação por conta da idade avançada.
De acordo com uma projeção do Ministério da Saúde feita em 2018, o Brasil terá em 2030 um número de idosos maior do que de crianças de zero a 14 anos. A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que, em 2050, um quinto da população mundial será de idosos.
A mídia, no entanto, parece não acompanhar essa tendência e acaba por estimular a aversão ao envelhecimento.
"Na cultura midiática, que tem uma ênfase muito grande na aparência, o que a gente vê, sobretudo na cultura audiovisual, na televisão e em outros suportes, é uma baixa incidência de pessoas mais velhas na frente das telas, isso é bastante significativo. Além disso, vemos imagens muito manipuladas dessas pessoas mais velhas, homens ou mulheres", avalia Gisela.
Quem surfa nesse padrão inalcançável de juventude eterna são os fabricantes de cosméticos e procedimentos estéticos. "A indústria antienvelhecimento é uma indústria multimilionária, que vende essa ideia como 'cuidado pessoal', quando talvez não tenha nada a ver com isso. [Entram nessa conta] Uma rotina que vai desde a aplicação de produtos dos mais variados até pequenas intervenções, como preenchimento, botox, até procedimentos cirúrgicos mais ostensivos", complementa a especialista.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) anunciou algumas atualizações que serão feitas no CID (Classificação Internacional de Doenças), o conjunto de códigos usados por profissionais de saúde para classificar as mais diversas doenças e suas especificidades.
Uma das mudanças é a substituição do termo "senilidade" por "old age", ou velhice, em tradução livre. A ideia é usar o código para designar um grupo de fatores que influenciam a saúde do indivíduo. Essa generalização, no entanto, tem sido criticada por órgãos que acompanham de perto a saúde desse grupo de pessoas.
"A velhice ser tratada como um sintoma de doença pode piorar a questão do preconceito com os idosos, isso pode reforçar que envelhecer não é bom, que as pessoas idosas não estariam mais contribuindo com a sociedade, todas as questões ligadas ao etarismo", pondera Marco Túlio Cintra, vice-presidente da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).
Outro fator preocupante é a falta de objetividade nos diagnósticos e coleta de dados. "Em países com a economia em subdesenvolvimento, como é o caso do Brasil, geralmente há dificuldade de notificação de doenças, que são mecanismos importantes epidemiológicos e para traçar estratégias de saúde pública. Um CID de velhice pode começar a aparecer com frequência em declarações de óbito e, com isso, a gente não vai saber a real causa da morte das pessoas", alerta o médico.
"Hoje a gente vive um problema semelhante com a questão das causas indeterminadas. Temos uma grande quantidade de óbitos registrados com essa causa, o que atrapalha saber o motivo que está levando a população a morrer. Isso poderia tirar uma fonte de informação de registro que é fundamental para o país se preparar para os problemas de saúde das suas populações", reforça Cintra.
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