COLUNA DE MÍDIA
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Jack Dorsey, de saída do Twitter; ele pede mais transparência, mas não fala do processo de verificação
A bagunça na verificação das contas do Twitter não é novidade. Mas agora uma associação de jornalistas do Reino Unido levantou uma nova questão: jornalistas independentes e fora dos grandes veículos tradicionais de comunicação estariam sendo prejudicados pela plataforma.
Lily Canter e Emma Wilkinson, fundadoras do Freelancing for Journalists, lançaram uma campanha pedindo ao Twitter que esclareça seu processo de verificação "opaco e arbitrário".
Segundo o Journalis.uk.co, "a ideia surgiu depois que as duas jornalistas se inscreveram para verificação do Twitter seguindo processos praticamente idênticos, mas Emma foi rejeitada enquanto Lily foi aprovada”.
No Brasil o fenômeno é semelhante. Jornalistas de redações tradicionais e com pouco mais de 500 seguidores no Twitter são verificados. Já os jornalistas freelancers, mesmo após décadas de trabalho, são recusados. O problema, ninguém entende claramente a razão.
As regras do Twitter são notoriamente opacas. "Para jornalistas experientes e respeitados, é muito frustrante que a verificação pareça completamente fora de alcance", diz Emma.
A jornalista diz que como escreve sobre saúde, e o Twitter é uma fonte vital de informações o tema, a verificação se tornou um elemento ainda mais importante.
Infelizmente, o selo de verificação ainda é um propulsor de contas no Twitter, particularmente para jornalistas. Se você não tem o selo azul de verificado, diminui consideravelmente suas chances de crescimento.
"Há tanta desinformação e fake news nas redes sociais que é mais importante do que nunca que jornalistas de boa fé com um corpo de trabalho comprovado possam ser verificados e não discriminados porque trabalham para uma variedade de publicações em vez de estarem em funcionários", diz Emma.
Basicamente, para reduzir custos, redes sociais como o Twitter tentam automatizar os processos de gestão de conteúdo, incluindo a verificação. O problema é que o modelo não funciona.
"A falta de humanização é um problema no processo de verificação", diz o jornalista Miguel Barbieri. "Falta um humano para separar o joio do trigo", acrescenta. Após mais de 30 anos em redações, ele agora atua como um jornalista freelancer e tem seu próprio site, em que escreve sobre cinema.
Cubro cinema há mais de 30 anos. Passei por diversas redações e na última delas fiquei mais de uma década na Veja S. Paulo. Não consigo ser verificado, mas vejo estagiários de grandes sites, com menos de 500 seguidores no perfil, conseguindo a verificação estando há menos menos de 3 meses em redações.
Barbieri, que tem 2.910 seguidores no Twitter, destaca que não vê problema em jovens jornalistas serem verificados, apenas não entende os critérios utilizados pelas plataformas. "No Instagram o problema é semelhante. E do meu ponto de vista a questão em todas elas passa pela falta de humanos com capacidade de avaliação do processo."
Outro problema é que a falta de verificação coloca os jornalistas independentes, que publicam em diversos veículos, em desvantagem frente aos seus pares de publicações de mídia tradicional, que conseguem mais facilmente a verificação das contas.
Como parte do processo, a organização tem colhido nomes de jornalistas que foram recusados no processo do Twitter.
📢 Enough is enough @verified!
— FreelancingforJournalists (@freelancingfor) December 8, 2021
Today we're launching a campaign holding Twitter accountable for its journalist verification process. In a world of misinformation it's so important that Twitter have a fit for purpose verification process and bona fide journalists are recognised.
Existe ainda uma questão mais ampla. Cabe ao Twitter decidir quais jornalistas têm credibilidade suficiente ou não para serem verificados na plataforma? A verificação de jornalistas não deveria ser um processo independente? O fato de um jornalista fazer matérias negativas sobre o Twitter, por exemplo, não faria com que a empresa barrasse sua verificação?
Há meses escrevo reportagens apontando aspectos negativos do Twitter e os crescentes problemas de gestão da empresa. Mesmo escrevendo regularmente para grandes veículos de mídia no país, tive meu pedido de verificação negado.
Não sou um jornalista relevante o suficiente para ser verificado na plataforma, mas nos últimos três meses fui convidado para participar de dois eventos do Twitter entrevistando com outros jornalistas lideranças globais da empresa. Em um deles o Twitter apresentou novidades como aceitar NFTs e Bitcoin.
Nas negativas de verificação que recebi, o Twitter apenas informa que minha conta não atingiu os requisitos necessários de engajamento. Nenhum número ou dado foi informado para suportar a afirmação.
Procurado, o Twitter afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que "os critérios para a verificação de jornalistas, incluindo os freelancers (que podem ser verificados), estão descritos em nossa política. Para ter acesso a todos os detalhes, veja a seção 'veículos de imprensa e jornalistas' da referida política”.
A empresa disse ainda: "Estamos continuamente trabalhando para melhorar o processo para obtenção do selo de verificação. Fizemos uma mudança recente, incluindo a revisão da política, para a qual pedimos e contamos com a opinião das pessoas a respeito da reformulação das regras e como deixá-las mais claras. Atualmente, consideramos os critérios descritos nesta política para a concessão do selo azul, critérios esses que vão além do número de seguidores de um profissional e seu cargo".
A recente saída de Jack Dorsey do comando da empresa (que para a empresa teria sido mais uma demissão) pode ser uma oportunidade para a rede social se reencontrar.
"O Twitter ficou para trás em relação a seus pares de mídia social nos últimos anos, deixando de acompanhar o ritmo em novos serviços, aquisições, crescimento de usuários e preço das ações. Considere que sua inovação mais memorável foi dobrar o limite de caracteres do tweet para 280, e isso foi há mais de quatro anos", afirma o jornalista Greg Bensinger, no NY Times.
Como Bensinger nota, o Twitter se tornou uma rede de nicho focada em jornalistas, assessores de imprensa e políticos. É bem pequena em comparação ao Facebook, Instagram e TikTok, que faturam centenas de vezes mais.
Para Bensinger, a primeira grande oportunidade da empresa sob nova direção seria melhorar o combate à desinformação e fake news na plataforma.
Outro problema é a falta de moderação humana. O mesmo que afeta as aprovações de perfis (a tentativa de automatização das aprovações) também acontece com o crescente número de perfis falsos e robôs na plataforma.
"O Twitter está infestado de contas falsas e trolls automatizados que podem degradar a experiência de usuários sérios e muitas vezes resultar em invectivas preconceituosas ou sexistas. Contá-los tornou-se uma tarefa tola, e os usuários ficam se perguntando se a desinformação ou os ataques pessoais são de uma fonte confiável ou de um programa de software", aponta Bensinger.
Em sua carta de demissão, Dorsey disse desejar que o Twitter seja a empresa mais transparente do mundo. Neste sentido, dar transparência ao processo de verificação dos perfis de jornalistas, inclusive os autônomos, é fundamental.
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