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COLUNA DE MÍDIA

A maldição do futebol no streaming: esporte vira sinônimo de prejuízo

MARCELO CORTES/FLAMENGO

Gabigol, jogador do Flamengo

Gabigol, do Flamengo, na final da Libertadores 2022; custos de competições gera prejuízos na mídia

Guilherme Ravache

ravache@proton.me

Publicado em 16/2/2023 - 6h30

O prejuízo da Globo com a Copa do Mundo foi surpreendente para muitos. Afinal, após vender mais de R$ 1 bilhão em publicidade no evento e bater recordes de audiência, o esperado era que no mínimo não perdesse dinheiro. 

Mas como a Globo fechou o segundo contrato mais caro do mundo com a Fifa (Federação Internacional de Futebol) para ter a Copa, só perdendo para os EUA (que tem 117 milhões de habitantes a mais que o Brasil e é a maior economia do mundo), o lucro se tornou um sonho distante para a emissora carioca.

Mas é difícil resistir à tentação. O futebol, assim como os grandes eventos esportivos ao vivo, é uma espécie de canto da sereia. A mais recente vítima foi a Paramount. A empresa fez um lance tão alto pelo pacote de streaming da Libertadores que a Globo nem teve chance de ir para uma segunda rodada na disputa. Enquanto a Globo oferecia algo na casa dos US$ 35 milhões, a Paramount teria arrematado por US$ 50 milhões. Procurada, a plataforma de streaming não comentou.

A Paramount é um caso emblemático dos novos tempos. Após chegar atrasada na corrida do streaming com o Paramount+, para cortar caminho e crescer na América Latina, a empresa fez uma aposta alta no futebol ao comprar a Libertadores, mesmo sabendo que teria grandes chances de perder dinheiro.

Ao lado da ESPN, a Paramount foi a maior compradora na licitação de clubes da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) para a América do Sul. A Globo fechou apenas a transmissão em TV aberta.

Os novos acordos devem gerar para a Conmebol US$ 1,14 bilhão (R$ 7,3 bilhões) no total com os direitos da competição de clubes no Brasil e nos territórios de língua espanhola da América Latina. Isso representa um aumento de US$ 350 milhões (R$ 1,8 bilhão) em relação à negociação anterior.

A conta do futebol não fecha

O problema é que a conta dos direitos esportivos não está fechando. Diversas empresas que adquiriram direitos de transmissão a peso de ouro enfrentam crescentes dificuldades para lucrar com suas aquisições e começam a repensar os valores pagos.

A Paramount, assim como a Globo na Copa, terá um prejuízo considerável com a Libertadores, já que não alcançou as metas de venda estabelecidas para a competição.

Com os jogos também sendo mostrados em cada vez mais plataformas, as chances de recuperar o investimento caem drasticamente, já que a audiência se torna mais fragmentada e os anunciantes querem pagar menos por ter menos garantias de retorno.

Grandes competições ao vivo seguem sendo um ímã de audiência e anunciantes, mas, como em qualquer negócio, quando oferta e demanda se tornam desequilibradas, surgem distorções.

Nos últimos anos, com a chegada de dezenas de plataformas de streaming, a demanda disparou e a oferta de grandes campeonatos premium seguiu a mesma. Então, os preços das competições dispararam, alimentados pela disputa entre as empresas de streaming, incluindo as bem capitalizadas gigantes de tecnologia que também entraram no segmento.

Antes da Paramount, a Meta (dona do Facebook) era a dona do pacote digital da Libertadores. Na visão de muitos, a compra dos direitos da Libertadores pela Meta foi um dos piores negócios já realizados pela gigante de redes sociais, que pagou muito acima do valor de mercado e não conseguiu vender bem as cotas comerciais.

Novo cenário para gigantes de mídia

Depois de mais de uma década de juros baixos e capital fácil, agora as empresas estão diante de um novo cenário. As big techs viram seu faturamento encolher, e os grupos de mídia perdem receita na TV aberta e paga, além de verem o prejuízo no streaming disparar.

Para piorar, a previsão é de retração econômica global nos próximos meses. Duros cortes de custos, inclusive nas big techs, já estão acontecendo.

As únicas duas grandes plataformas de streaming que não dão prejuízo atualmente são a Netflix e a Discovery+. Os executivos da Netflix já disseram que gostariam de transmitir grandes campeonatos ao vivo, mas que os preços atuais são inviáveis e resultam em prejuízo. 

Já a Discovery+ tem apenas 20 milhões de assinantes, mas, ao priorizar reality shows e eventos mais segmentados de baixo custo, como corridas de ciclismo e carros antigos, foge das competições mais caras e se torna rentável.

Não parece ser coincidência que as duas únicas grandes plataformas de streaming que dão lucro não transmitam grandes campeonatos esportivos tradicionais ao vivo.

Disney demite e corta custos

Mas o exemplo de Netflix e Discovery+ não está sendo ignorado. A gigante Disney, líder mundial nos investimentos em conteúdo, já anunciou mudanças. Bob Iger, CEO da empresa, sugeriu que o chefe da ESPN, Jimmy Pitaro, e todas as empresas do grupo terão de ser mais seletivas sobre acordos esportivos no curto prazo.

Iger diz que não planeja cortar investimentos na ESPN (que tem a maior parte de seus contratos de longo prazo), mas isso não significa que haverá dinheiro extra ou que os contratos que terminarem serão renovados se subirem de valor.

Em junho de 2022, a Disney não renovou os direitos de streaming das partidas de críquete da Indian Premier League (IPL). Quem levou foi a Viacom18, uma joint-venture criada na Índia que tem como donos o grupo indiano Reliance e a Paramount.

O campeonato de críquete é um fenômeno na Ásia. Quando a Disney levou a IPL para sua plataforma em 2019, ganhou cerca de 4 milhões de novos assinantes logo no início da temporada. Sem a IPL, a Disney perdeu 2,4 milhões de assinantes no último trimestre de 2022. Foi a primeira queda em sua história.

Após perder mais de R$ 52 bilhões com seu streaming desde o lançamento do Disney+ em novembro de 2019, a empresa decidiu dar um basta à sangria e cortará custos e produções. 

A Disney divulgou dias atrás que demitirá 7.000 funcionários e cortará US$ 5,5 bilhões (R$ 28,6 bilhões) em custos. Iger disse que a empresa esperava economizar US$ 3 bilhões (R$ 15,5 bilhões) em conteúdo, mas acrescentou que "não em esportes". No entanto, pagar mais pela IPL não parece ser uma opção viável.

O salto da NBA

A nova posição da Disney de cortar custos ocorre quando o mundo da mídia está se preparando para uma nova negociação de direitos com a NBA ( National Basketball Association). Será uma das maiores do mundo.

A Disney compartilha os direitos dos jogos da NBA com a Warner Bros. Discovery. A Warner também vive uma situação delicada, a companhia luta para reduzir uma dívida de mais de R$ 275 bilhões e tem cancelado produções e realizado sucessivas demissões desde que foi comprada pela Discovery.

Como a NFL (National Football League), recentemente, assegurou aumentos expressivos dos valores de acordos de direitos com todas as principais empresas de mídia e com a Amazon, a expectativa é de que a NBA queira o mesmo.

O último contrato de direitos da NBA foi avaliado em mais de US$ 2 bilhões (R$ 10,4 bilhões) por ano e expira após a temporada 2024/2025. Mas as mensagens até o momento não são positivas.

O CEO da Warner, David Zaslav, disse a investidores em novembro que sua empresa "não precisa ter a NBA", embora tenha renovado os contratos de todos os seus principais analistas de basquete.

Iger disse que gostaria de ter a NBA, mas que a Disney precisava ser mais cautelosa para fechar acordos de direitos esportivos. A ESPN já está presa a acordos de longo prazo com a NFL e a SEC (Southeastern Conference, que reúne 14 universidades e detém variadas modalidades, incluindo parte da badalada liga de basquete universitário).

Além disso, comentários na imprensa afirmam que a NBA tem a a expectativa de triplicar o valor de seus direitos, indo dos atuais US$ 25 bilhões (R$ 130,3 bilhões) para US$ 75 bilhões (R$ 391,1 bilhões).

NBC, Apple e Amazon, três players que operam plataformas de streaming que dão prejuízo, estariam interessadas em obter os direitos da NBA se Disney e Warner Bros. Discovery não renovarem.

Todos querem esportes. Mas quem transmite ganha menos com a crise na mídia, e quem vende os direitos exige cada vez mais, já que os esportes estão entre as poucas atrações que ainda são audiência certa.

Resultados ruins na Paramount

Observar os resultados das empresas de mídia ajuda a entender o tamanho do problema. A Paramount divulgará o balanço completo de 2022 somente em 16 de fevereiro, mas, nos nove primeiros meses do ano passado, quando acelerou seu crescimento no streaming, os custos dispararam, e o lucro despencou, mesmo com a empresa faturando muito mais com o streaming.

A receita do Paramount+ quase dobrou no terceiro trimestre, enquanto seus negócios diretos ao consumidor, que incluem o principal serviço de streaming, assim como o Pluto TV, Showtime, Noggin e BET+, registraram um ganho de 38% de receita.

O Paramount+ chegou a surpreendentes 46 milhões de assinantes, impulsionado pelos esportes, principalmente a NFL e o futebol internacional. Mas a Paramount registrou um lucro de US$ 231 milhões (R$ 1,2 bilhão), abaixo dos US$ 538 milhões (R$ 2,8 bilhões) no mesmo trimestre do ano anterior. Custos e despesas aumentaram 11,5%. O crescimento de receitas e custos em boa parte se deu pelos investimentos no streaming.

Mesmo crescendo o número de assinantes em ritmo mais rápido de que os concorrentes, a Paramount nos últimos meses também se viu forçada a cortar. Nos últimos dias, anunciou o cancelamento de diversos shows no Showtime, seu canal concorrente da HBO, e irá integrar o Showtime ao Paramount+ para cortar custos. Também irá concentrar sua produção em torno de spin-offs de suas séries de maior sucesso no streaming como Billions, Dexter e Yellowstone.

Com mais conteúdo do Showtime dentro do Paramount+, a expectativa da empresa é de que consiga atrair mais usuários gastando menos. Billions, Dexter e Yellowstone são produções com apelo para o público masculino. Em tese, isso ajudaria a reduzir a dependência de esportes.

Prime Vídeo decepciona

Surpreendentemente, quem talvez esteja em uma situação ainda mais desafiadora seja o streaming da Amazon, o Prime Video. 

Após comprar o estúdio MGM por US$ 8 bilhões (R$ 41 bilhões), produzir a série mais cara da história (Os Anéis de Poder) e investir mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões) por ano para ter o Thursday Night Football pelos próximos 11 anos, a Amazon viu sua margem de lucro despencar. O lucro operacional da Amazon diminuiu para US$ 12,2 bilhões (R$ 63,3 bilhões) em 2022, em comparação com US$ 24,9 bilhões (R$ 129,8 bilhões) em 2021. 

O Prime é um dos culpados. Os investidores também questionam até que ponto a oferta de streaming retém os assinantes da Amazon Prime, já que o maior benefício parece ser as entregas em menor tempo e sem custo, e não os filmes e séries.

Certamente há sinais positivos. O Thursday Night Football terminou a temporada no Prime com média de idade mais jovem de qualquer pacote de transmissão da NFL desde 2013 e audiência 11% maior em relação à última temporada entre jovens de 18 a 34, segundo a Nielsen Media Research.

O faturamento da Amazon também ajuda a diluir as perdas de seu streaming, mas a pressão de investidores para que a gigante de e-commerce melhore suas margens de lucro tem aumentado.

Quebradeira de gigantes

Nos Estados Unidos, a notícia de que a Diamond Sports Group, uma coleção de 19 redes esportivas regionais (RSNs) que fazem negócios usando a marca Bally Sports, planeja entrar em concordata na próxima semana mostra os crescentes riscos deste mercado. 

O grupo controla os direitos de transmissão local de mais de 40 times da NBA, NHL e MLB, e sua falência é um golpe no modelo de rede a cabo que impulsionou os esportes nos últimos 50 anos. Vale lembrar que a margem de lucro do streaming é muito mais baixa em comparação à TV a cabo.

A Diamond é do Sinclair Broadcast Group, que comprou os RSNs em um acordo de US$ 9,6 bilhões (R$ 50 bilhões) em dívidas em 2019. Desde então, a empresa tem lutado para salvar o negócio, mas a rápida saída dos consumidores do cabo dificulta uma solução.

Fundos de investimento e as apostas

Com os grandes compradores de direitos esportivos cortando custos para fugir de prejuízos, o poder de negociação das ligas tende a cair. Mas um potencial substituto para o dinheiro das das gigantes de mídia são os grandes fundos de investimento internacionais.

Os fundos Apollo Global Management, Carlyle Group e o banco J.P. Morgan já manifestaram o interesse de investir em um braço de mídia da liga italiana de futebol que tivesse as transmissões das competições.

No Brasil, duas ligas devem reunir os principais times do país. A Libra tem 18 times, a Liga Forte Futebol tem 26. O Mubadala, fundo de Abu Dhabi, deve investir mais de R$ 4,75 bilhões na Libra. A Liga Forte Futebol deve assinar com o fundo Serengeti e LCP Corretora por R$ 4,85 bilhões. Mubadala e Serengeti fizeram ofertas, mas não conseguiram ainda concretizar os negócios, que só vão existir quando houver uma liga constituída e os contratos finais assinados.

Investir em esportes se tornou um grande negócio. Entre 2002 e 2021, o retorno médio do preço de uma equipe da NBA foi de 1.057%, em comparação com o retorno médio de 458% das 500 maiores empresas americanas, de acordo com estimativas do PitchBook.

Outros esportes também ofereceram retornos sólidos. O PitchBook estima que os clubes da Major League Baseball ofereceram um retorno de preço de 669% de 2002 a 2021, e a National Hockey League retornou 467%.

A divisão de private equity da PitchBook, em 2021, estimou mais de US$ 1 trilhão (R$ 5,2 trilhões) em negócios totais no ano de 2020 envolvendo esportes, e cerca de US$ 2 bilhões (R$ 10,4 bilhões) foram gastos na compra de participações acionárias em franquias esportivas nos EUA.

Apostas no Brasil

Com os melhores negócios nos Estados Unidos e Europa se tornando mais raros, a América Latina se abre como um novo mercado de oportunidades.

Muita gente imagina os esportes como um negócio isolado, mas cada vez mais eles estão conectados a outros setores, como no caso do streaming, que é uma grande vitrine dos esportes, mas também altamente dependente dele. 

Outro exemplo é o crescente mercado de apostas. A American Gaming Association, grupo comercial que representa a indústria de cassinos, projetou que um recorde de 50,4 milhões de americanos apostaria US$ 16 bilhões (R$ 83,4 bilhões) no Super Bowl deste ano, o dobro da estimativa do ano passado. 

Isso inclui não apenas apostas esportivas legais, que a AGA estima em cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhão), mas também apostas em sites offshore não regulamentados, corretores de apostas e apostas sociais entre amigos ou colegas de trabalho. Se isso for verdade, seria o dobro das estimativas do ano passado.

Mas enquanto os esportes seguirem atraindo uma audiência fiel em um mercado no qual reter a atenção das pessoas é cada vez mais difícil, não espere ingressos mais baratos ou preços menores para qualquer competição.


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