JAYME MONJARDIM
JAYME MONJARDIM/TV GLOBO
Sophie Charlotte interpreta Aracy de Carvalho em Anjo de Hamburgo; série para o mercado internacional
Com mais de 40 anos como diretor e 21 novelas e 11 séries no currículo, Jayme Monjardim chega aos 65 com vitalidade de sobra. É uma mudança do que viveu cinco anos atrás, quando levou um baque por ter sido diagnosticado com câncer de próstata. Ele alega que o trabalho foi um dos impulsionadores da doença. "A palavra câncer está associada ao estresse, e o meu trabalho é puro estresse. Lidar com ego [de artistas] é difícil; se fosse fácil, qualquer um faria", desabafa.
Novidade e desafio motivam o diretor a seguir novos caminhos. Após dirigir sucessos como Pantanal (1990), Terra Nostra (1999), O Clone (2001), A Casa das Sete Mulheres (2003), América (2005) e Páginas da Vida (2006), entre outros, ele terminou de gravar a série O Anjo de Hamburgo. É a primeira produção de língua inglesa do Globoplay, em uma parceria com a Sony --e o primeiro projeto dele para o streaming.
Não tenho dúvidas de que o streaming é o futuro, mas também entendo que a televisão aberta só vai conseguir se manter se ela continuar com seu conteúdo fantástico. Conteúdo que muitas vezes nem o streaming consegue fazer. Se a TV aberta mantiver a qualidade do conteúdo, nós vamos sempre disputar como iguais para o streaming. Agora, se ela perder a mão na essência desse conteúdo, aí é um risco que se corre."
Em entrevista exclusiva ao Notícias da TV, Jayme conta como foi "preguiçoso" para fazer o teste do toque que detectou seu câncer e detalha a luta para sobreviver à doença. Afirma não ter medo de ser tirado da folha de pagamento da Globo e que, diferentemente do que muitos pensam, "existe vida fora da Globo".
O diretor, pai de quatro filhos e avô de dois netos, fala sobre a relação de amizade sincera que mantém com suas ex-mulheres e sobre os prazeres do novo relacionamento. Ele está namorando, há oito meses, a atriz Anne Marques, de 23 --ou seja, 41 anos mais nova do que ele. "O importante é que eu estou feliz. Ninguém vai viver por mim o que eu vivo."
Religioso, Jayme resolveu fazer tatuagens bíblicas em seus braços depois dos 60 anos. No esquerdo, ele tem todo o gênesis da criação de Deus, do primeiro ao sétimo dia. E, claro, como bom religioso, ele assiste à novela Gênesis, da Record. Mesmo que a emissora seja sua principal concorrente.
Confira a conversa exclusiva de Jayme Monjardim:
Notícias da TV - Em 2015, você foi diagnosticado com câncer de próstata. Você demorou cinco anos para se curar totalmente da doença. Como foi esse momento na sua vida?
Jayme Monjardim - Os homens em geral têm muito medo desse câncer. Aos 45 anos, é meio obrigatório você ir ao médico para fazer o [exame do] toque, mas a maioria dos homens tem vergonha. Nós, homens, precisamos ter consciência da importância de sempre fazer esses exames periodicamente.
A minha sorte é que, quando detectaram, eu estava no limite do pior. O meu câncer já estava no nível 8, que é gravíssimo. Eu tive tempo de fazer a operação, mas se eu tivesse esperado mais um pouco, não teria dado tempo.
Lógico que você fica paranoico, com medo, assustado. Câncer não é uma brincadeira, é uma coisa que mata. Foram cinco anos da minha vida que a cada seis meses eu tinha que fazer diversos exames. Mas eu só posso agradecer a Deus por ter sido salvo pelo tempo.
Você tinha essa consciência de que precisava fazer o exame?
Vou ser sincero com você, eu ficava com preguiça. Quando fui diagnosticado, o médico disse que eu podia ter tido um resultado mais satisfatório se eu tivesse feito o exame oito meses antes. Com certeza eu teria resolvido melhor a minha forma. É terrível sentar na frente do médico, ele olhar para seu rosto e dizer que você tem câncer. Ele simplesmente colocou na mesa todas as minhas chances. Essa conversa não é para qualquer um.
O que passou pela sua cabeça no momento da conversa?
Essa palavra, câncer, está muito envolvida com estresse, sua vida cheia de pepino, problemas, isso tudo incentiva o câncer. Mas, quando ele me falou, eu fiquei arrasado achando que as minhas chances de viver pouco tempo eram grandes.
Você reavalia a sua vida. Você começa a ver as coisas com outros olhos. Acho que isso talvez seja um sinal. Eu acredito muito nos sinais da vida, e aquilo foi um sinal para eu parar o que eu estava fazendo e reiniciar a minha vida.
A sua vida estava muito estressante?
O que a gente faz é muito estresse. Uma novela dura dois anos [de trabalho], uma minissérie normalmente um ano. Você precisa conviver com 400 pessoas todo dia, lidando com a vaidade da equipe e do elenco. Lidar com ego é muito complicado. Eu amo o que eu faço e não abro mão por nada desse mundo, mas que não é fácil, não é. Se fosse fácil, todo mundo fazia.
Você, pela primeira vez, vai estrear no streaming com O Anjo de Hamburgo. Série que contará a história de Aracy de Carvalho (1908-2011), uma brasileira que salvou centenas de judeus na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) Como essa história chegou até você?
Há uns cinco anos, o filho da Aracy, Eduardo Tess (1929-2021), que eu descobri que, infelizmente, morreu na semana passada, me ligou dizendo que queria me contar uma história. É muito comum as pessoas me procurarem para me contar casos, então em um primeiro momento eu não respondi. Mas uma amiga em comum, dias depois, me procurou dizendo que a história era realmente boa e que eu precisava ouvir. Fiz uma reunião com ele, com a neta da Aracy e com a bisneta dela.
Eu fiquei embasbacado que existia essa história no Brasil e ninguém sabia. Aracy salvou mais de 200 famílias, hoje são mais de 3 mil descendentes que vivem e viveram em razão dela. Ela os trouxe ao Brasil, colocando a sua vida em risco sem interesse nenhum, porque ela não era judia. E, para completar, ela se casou com Guimarães Rosa (1908-1967), um dos nossos principais escritores.
Eu fiquei indignado, emocionado, entusiasmado. Eu precisava contar essa história. Levei ao Silvio de Abreu, que também ficou surpreso com a quantidade de detalhes que a história tinha. Ele aceitou fazer algo na hora.
Hoje, é o primeiro projeto internacional da Globo, é um projeto que deve estrear no final do ano, se eu não atrasar a entrega dos episódios. Estou nessa fase neste momento. Mas é um trabalho incrível, de um potencial artístico para o mundo inteiro. É um momento de puro êxtase como diretor.
Existem conversas dentro da Globo de o projeto estrear na grade da TV aberta também...
Com certeza uma série como essa, com este porte, com este nível, irá ao canal aberto. Com certeza os atores precisarão ser dublados, visto que eles falam inglês, mas como será esse processo eu realmente não sei. Está muito cedo para falar disso ainda.
Como você enxerga o valor do streaming hoje?
Não tenho dúvidas de que o streaming é o futuro, mas também entendo que a televisão aberta só vai conseguir se manter se ela continuar com seu conteúdo fantástico. Conteúdo que muitas vezes nem o streaming consegue fazer. Se a TV aberta mantiver a qualidade do conteúdo, nós vamos sempre disputar como iguais para o streaming. Agora, se ela perder a mão na essência desse conteúdo, aí é um risco que se corre.
Você pensa em parar de dirigir novela para fazer filmes ou séries para o streaming?
Acho que somos contadores de história. Seja ela para um filme, para uma novela, para uma série. Cada um tem a sua linguagem. Acho que estamos muito bem, independentemente de onde o produto vai ser exibido. Acho que o importante disso tudo é nossa capacidade de realizar. A minha vida é isso, eu vivo para isso e a minha intenção é não parar de fazer isso.
Recentemente, a Globo precisou fazer um grande corte de gastos e demitiu muitos atores veteranos, como Tarcísio Meira, Glória Menezes, Renato Aragão, entre outros. Você tem medo de fazer parte dessa lista?
Acredito que a gente aprende com o tempo a não ter medo de certas coisas. Tudo o que se inicia tem um fim, é um ciclo, faz parte. Eu sei da minha capacidade de produção, mas existe realmente uma nova empresa, você tem uma concorrência muito grande no mundo inteiro. As empresas têm que apresentar produtividade.
Nós temos que respeitar esse pensamento da atual Globo. E, se em algum momento eles acharem que eu não tenho mais alguma utilidade, eu, com certeza, vou ter fora dela. Eu sei muito bem o que eu quero e onde eu quero chegar. Existe vida fora da Globo, lógico, e muita.
Depois dos 60 anos, você decidiu fazer tatuagens e encheu quase toda a extensão de seus braços com elas. O que elas significam?
No meu braço esquerdo, eu mandei escrever o gênesis da criação de Deus. Do primeiro ao sétimo dia. Em baixo, o Pai Nosso em aramaico. No braço direito, eu tenho escrito o salmo 23 em aramaico, a teoria do homem e da mulher. Mandei escrever os nomes da minha mãe e do meu pai separados pela frase "Deus te abençoe" em sânscrito.
Não posso deixar de comentar, mas Gênesis na verdade é a novela que está no ar na Record, emissora concorrente. Você assiste à novela?
É impossível fazermos o que a gente faz sem assistir à concorrência. Eu assisto, e dou muito crédito porque é muito bem-feito. A concorrência sempre é muito bem-vinda. Eu acho um mérito da Record incrível de fazer novelas. Já fiz novelas na Band, assistia às novelas deles, assisto às novelas do SBT quando eu posso. Sou partidário de todo mundo fazer novela. Quanto mais concorrência, mais disputa e mais qualidade. Mais a gente vai brigar pela qualidade.
Fazer uma novela bíblica é uma vontade sua?
Eu dirijo o que eu gosto. Não tenho escolha, desde que seja um tema que mexa com as pessoas, ou que tenha uma movimentação social. Eu acho muito importante também que chega um determinado momento em nossa vida que a gente gosta de dirigir coisa que a gente está apaixonado, e estar apaixonado pelo projeto é fundamental.
Você sempre foi uma pessoa muito familiar. Percebemos que esse momento da pandemia serviu para unir ainda mais a família. Como foi esse período para você?
Eu já tenho 65 anos, não posso correr mais riscos. Tenho que tomar muito cuidado. Sou pré-diabético, prostático, tenho um stent no coração e pressão alta. Se eu pegar esse vírus, vou direto para o caixão. Meus filhos sempre preservaram essa relação comigo de ter cuidado.
Todos estão e passaram muito bem. Fomos muito respeitosos. A gente tem que ter em mente que essa pandemia não é uma brincadeira. A gente tem que pisar em ovos. Eu era testado dia sim e outro não, então quando eu visitava meus filhos ou eles me visitavam, a gente sempre fazia testes.
Na pandemia, você passou um período com a Tânia Mara, sua ex-mulher. Existe um segredo para ter uma boa relação com suas ex-mulheres?
As pessoas precisam saber que somos muito civilizados e pessoas muito do bem. Eu tenho uma amizade muito grande pela Tânia. Ela é mãe da minha filha e eu quero o melhor para ela. Independentemente de qualquer coisa. Durante a pandemia, a gente tinha que estabelecer uma nova relação com a nossa filha. Ela tinha que ficar um pouco com a mãe, um pouco com o pai e decidimos passar um tempo juntos.
A Tânia, em algum momento do futuro ela deve ter um relacionamento, eu já estou em um novo relacionamento, isso faz parte da vida. O que existe de mais importante é a amizade. A gente nunca vai deixar de ter [amizade] quando ela é mãe da minha filha, e eu sou pai da filha dela. Só quero o sucesso dela, assim como ela quer o meu.
Por falar em relacionamento novo. Você está namorando a atriz Anne Marques, que é 41 anos mais nova do que você. Como tem lidado com as críticas?
Sim, estamos juntos há oito meses. A única coisa que eu ligo são para os meus sentimentos. Nada interfere nas coisas que eu penso, no investimento que eu faço. As coisas precisam de um período de adaptação, mas eu não ligo para o que as outras pessoas falam sobre mim, não mesmo. O importante é que eu estou feliz. Ninguém vai viver por mim o que eu vivo. Ninguém vai decidir por mim o que eu tenho que decidir. É uma escolha, e a gente vai nessa.
Você é pai de quatro e avô de dois bebês. Ainda pensa em aumentar a família?
Com certeza! Eu congelei meus espermas. Eles estão muito bem guardados esperando o momento. Agora, o único problema é o risco de ter gêmeos ou trigêmeos. Eu sempre quis ter sete filhos. Já tenho quatro, se bobear, agora posso ter seis ou os tão esperados sete.
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