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ENTREVISTA EXCLUSIVA

Silvio de Abreu faz novela na HBO Max para corrigir 'erro' cometido na Globo

DIVULGAÇÃO/TV GLOBO

Silvio de Abreu posa sorridente para câmera em ensaio feito pela Globo

Silvio de Abreu: autor supervisiona Segundas Intenções, primeira telessérie da HBO Max

GABRIEL VAQUER, colunista

vaquer@noticiasdatv.com

Publicado em 20/3/2022 - 7h00

Depois de 42 anos da Globo, Silvio de Abreu é a cabeça pensante por trás das chamadas telesséries da HBO Max --como foram batizadas as novelas da plataforma de streaming. Na nova empresa, o dramaturgo de 79 anos pretende corrigir um erro perpetuado durante anos na TV aberta, inclusive sob sua gestão: a repetição de cenas pela longa duração e a escalação equivocada de atores. "Se a gente percebe que o ator não é adequado para aquele papel nos ensaios, a gente simplesmente pode trocar ele antes de começar a gravar. Coisa que em novela é impossível", cutuca o autor em entrevista exclusiva para o Notícias da TV. 

Acusado de ter preconceito com o gênero de novela por não usar esse termo em seu projeto, o autor Raphael Montes --que participou da conversa-- explica que a mudança no termo é para tentar reinventar as narrativas apresentadas no Brasil. O escritor tem no currículo a série brasileira Bom Dia, Verônica (2020), da Netflix.

"A partir da hora que a gente vai fazer um folhetim, que é a base da novela, em um streaming, que as pessoas vão escolher a hora que assistir, isso já te economiza uns cem capítulos. Isso fará a história ser desenvolvida de forma natural. Essa é a principal diferença, o veículo. Não é um produto de TV aberta. É um produto em um streaming", defende Abreu.

Segundas Intenções estreia no segundo semestre e tem direção é Joana Jabace, outro nome ex-Globo. Silvio de Abreu é uma espécie de supervisor dos projetos, mas não só no Brasil. Enquanto conduz Montes, ele se reúne com outros nomes na América Latina. Entre eles está Cris Morena, autora da versão original de Chiquititas, sucesso no Brasil pelo SBT. 

No elenco da telessérie da HBO Max já estão confirmados nomes como Camila Pitanga e Murilo Rosa. Antonio Fagundes já tem negociações avançadas e deve assinar contrato nas próximas semanas. Uma nova atriz será descoberta após um concurso lançado no Faustão na Band. Outra parte passa por testes, com escolha direta de Abreu e do autor. Ambos defendem a ideia de priorizar o perfil do personagem em vez de, necessariamente, nomes considerados de peso.

"Nós não queremos nenhum elenco famoso. Nós queremos um elenco adequado. Atores de série nem são tão conhecidos. É diferente do que o público de TV aberta procura, é um outro mundo. Queremos um elenco adequado, de categoria. Nós vamos ter tempo de fazer. Não é uma experiência melhor e pior. É apenas diferente", diz Abreu. 

Confira a entrevista com Silvio de Abreu:

Notícias da TV - No projeto de Segundas Intenções, é clara a influência da linguagem de novela no argumento inicial. Por isso, muita gente tem dito que "telessérie", como vocês adotaram, é um nome mais bonito para novela. Você concorda com essa crítica? O que, de fato, é telessérie?

Silvio de Abreu - É completamente diferente porque a novela é um produto feito para a TV aberta. Na TV aberta, essa novela passa em um determinado horário que vai obrigar a pessoa a estar na sua casa naquele horário. Muito bem: quando a pessoa perde um capítulo, ela fica sem saber o que está acontecendo direito. Por isso, os autores são obrigados a ser retroativos. Ele fala um assunto, depois ele repete o assunto e depois repete de novo. Porque a gente sabe que, mesmo quem vê novela todo dia, assiste a três capítulos por semana --e a gente não sabe qual capítulo elas assistiram. 

A partir da hora que a gente vai fazer um folhetim, que é a base da novela, em um streaming, que as pessoas vão escolher a hora que assistir, isso já te economiza uns cem capítulos. Isso fará a história ser desenvolvida de forma muito natural. Essa é a principal diferença, o veículo. Não é um produto de TV aberta. É um produto em um streaming, para ele assistir na hora que ele quiser, quando quiser, quando ele tiver um tempo. Nós que escrevemos não precisamos ser repetitivos. Isso é a diferença básica. 

O que vocês não querem perder da novela, já que vão usar esses elementos?

Abreu - O que não vamos perder da novela é o folhetim, que é uma coisa que não se usa nas séries. O que é o folhetim? São as histórias de amores exacerbados, de coisas impossíveis que acontecem, de vingança, coisas que o público adora ver. Essas coisas que não tem em série. Essa é a característica do folhetim, como O Conde de Monte Cristo (1844). Isso é ação misturada com melodrama. 

Claro que o folhetim pode ser comédia, que eu já fiz muitas na Globo, pode ser épico, como Benedito Ruy Barbosa já fez vários. Mas nós decidimos fazer um melodrama. Tanto por uma questão de gosto pessoal do Raphael e minha, e também porque é a base do folhetim. A base do folhetim é o melodrama. E o que mais se usa nas grandes novelas é a vingança. Porque as pessoas torcem para que se faça justiça com quem foi injustiçado. 

Raphael Montes - Depois dessa aula que tivemos.... (risos) Mas queria acrescentar que, uma das características da minha obra, seja nos livros ou em outros trabalhos que já fiz, é a busca por justiça. O que é justiça? Isso me interessa, eu sou advogado de formação. E o outro tema que me interessa e que a gente vai explorar muito em Segundas Intenções é a busca pela riqueza. A questão da ascensão social, da diferença de classes.

reprodução/instagram

Imagem do autor Raphael Montes, da HBO Max

Raphael Montes, autor de Segunda Intenções

A história de Lola, personagem da Camila Pitanga, é basicamente isso, pelo que vem sendo falado, não é?

Raphael Montes - Exato. A Lola é um personagem que, se a gente pegar a arquitetura, ela é a vilã da história. Mas é uma personagem que eu tenho muita empatia. Por mais que ela passe por cima de algumas pessoas para conseguir o que quer, ela é uma mulher brasileira que batalha muito para sobreviver. Mas esse desejo visceral de crescer na vida é muito brasileiro. Ainda mais nesse momento de crise econômica. Esse aspecto está muito presente em Segundas Intenções. 

Pensando nessa comparação que vocês fizeram entre TV aberta e streaming, não temem que as pessoas abandonem a história no meio?

Montes - A gente conversa muito sobre isso, e acho que é legal de dizer. O Silvio apresentou essa noção de telessérie e a gente sempre fala que quem der o play lá, está assistindo de fato. A disposição do público é bem diferente. Enquanto na novela ele pula capítulo, na telessérie é uma opção dela para ver, né?

Abreu - É exatamente isso. Não é a TV que manda nela, é ela que manda na TV. 

Montes - E isso nos permite fazer coisas narrativamente novas. A gente está descobrindo coisas novas já que estamos fazendo a primeira. Um exemplo de uma conversa que a gente teve. Cheguei para ele e perguntei: 'Silvio, precisamos ter vários núcleos ou só vamos fazer uma unidade de personagens, como série?'. Você pega qualquer série e você tem somente uma história, um assunto. E pensamos: precisa ter núcleo paralelo? E a gente pensou que precisa. Realmente, é uma mistura bem bolada.

Por ser um gênero novo, está difícil, desafiador, ou mais complicado do que vocês imaginavam?

Abreu - Aqui nós temos uma diferença muito grande de geração. Tenho 80 anos, e o Raphael tem 30 e poucos. Então, tem 50 anos no meio da gente. Fiz inúmeras novelas, mais de 20 novelas. E o Raphael, apesar de ele ter visto novela, é muito mais de série. E muitas coisas que eu quero fazer, ele acaba achando repetitivo. E muitas coisas que ele escreve, eu acabo achando precipitado. Essa é uma divisão de produto. É como se eu contasse a história para ele, ele contasse a história para mim, e a gente junta tudo em uma terceira coisa.

Reprodução/hbo max

Silvio de Abreu falando em uma peça publicitária da WarnerMedia

Silvio de Abreu durante evento da HBO Max em 2021

Por que eu, basicamente, sou autor de novelas. E o que eu estou fazendo é desconstruir tudo o que aprendi nesse tempo todo e aprendendo uma nova narrativa. E ele está usufruindo da minha experiência para a gente fazer esse híbrido. 

Montes - E acho que a gente está, acima de tudo, se divertindo. Não dá para você fazer, e eu nunca fiz nada na minha vida, para acertar. Converso isso com o Silvio algumas vezes. Essa resposta ninguém tem. Sempre penso se eu iria me divertir vendo isso, se iria gostar. O primeiro espectador é o autor. Tenho um segundo espectador de luxo que é o Silvio, que lê tudo o que eu escrevo.

Já aconteceu duas vezes de ele ler alguma coisa e dizer: 'Raphael, está faltando isso'. E eu: 'Não, está lá, se eu fizer isso, é redundante'. E já aconteceu de ele falar: 'Se você for por aqui, você destrói o par romântico, já fiz isso na novela tal e me ferrei'. E ele está certo.

Mas o Silvio tem como filosofia de trabalho, porque hoje ele é um executivo de visão de autor, de me dar liberdade. Gosto de coisas mais ousadas e pergunto se posso fazer. E ele diz: 'Uai, você é o autor, manda ver'. Ele deixa cada voz falar. Mme sinto bastante livre. 

Você foi supervisor de várias novelas na Globo e está sendo novamente na HBO Max, é isso?

Abreu - Exato. Como supervisor, não é a primeira vez que eu faço isso, apesar de estar sendo um trabalho realmente novo para mim, por causa da experiência e do talento do Raphael Montes. Antes de trabalharmos juntos, li todos os livros dele, sou admirador dele. A nossa conversa é do mais alto nível, tudo faz sentido.

Como supervisor, tenho que emprestar para o meu autor a minha experiência, e não eu impor a minha ideia a ele. Ninguém tem a fórmula do sucesso. A gente faz o que a gente acredita. Quando faz sucesso, a gente fica muito satisfeito. Quando vai mal, a gente fica muito chateado (risos). 

Na telessérie, vocês vão fazer uma obra fechada, diferentemente do que é em novela, uma obra aberta. Esse tiro no escuro, sem saber se o público acostumado com a narrativa vai gostar, é preocupante? 

Abreu - Olha, essa ideia de que o autor muda a história de acordo com o público durante a novela é um pouco de mito. É verdade que a gente faz um grupo de discussão? É verdade. O que apresenta esse grupo: 'Estou gostando disso, não estou gostando disso'. E o que eu fazia: 'Por que ela não está gostando?' E na medida que me respondem, vou ajustando o personagem consertando para que a minha ideia fique mais clara para o telespectador.

E isso, você tem que ver, que em novela a gente faz 180, 200 capítulos. Não temos o mesmo tempo de raciocínio para fazer o que estamos fazendo agora, que é uma obra de 40 capítulos.

Nesses 40 capítulos, a gente pode ler, reler, e fazer como um livro. Se a gente quiser mudar o final, a gente pode, porque na novela já foi para o ar. Mas na telessérie nada foi para o ar ainda. É como um livro mesmo. Esse mito que você faz mudanças é porque a novela é muito grande. Antes de começar a gravar, a gente vai poder rever tudo que a gente fez na telessérie. 

Montes - Concordo com o Silvio, mas gostaria de dizer que essas mudanças não serão exatamente quando já estiver tudo gravado. Podem ser nas leituras de montagem de elenco. Quando for ouvir a voz de algum ator, e ela não estiver adequada, a gente pode substituir. 

Abreu - É isso. Se a gente percebe que o ator não é adequado para aquele papel nos ensaios, a gente simplesmente pode trocar antes de começar a gravar. Coisa que em novela é impossível. A gente tendo um número menor, de 40 capítulos, pode comandar o projeto inteiro. Em novela, escrevo 30 capítulos e a novela entra no ar. Só vejo se um ator está bom no ar e depois eu mexo.

Aqui, não. Vou ver já nos ensaios. A novela não vai me dar esses ensaios de mesa. A novela não vai me dar isso. Nós estamos fazendo como se fosse um filme. Nós vamos ter tempo de fazer. Não é uma experiência melhor e pior. É apenas diferente. 

Sobre a questão do elenco, vocês estão participando diretamente da montagem? 

Abreu - Isso, nós já mandamos para a Joana Jabace, a diretora, alguns textos. Aqui nós não temos a facilidade de ter um grande elenco contratado, estamos pegando no mercado. O que é ótimo, dá mais liberdade. Mas nós estamos fazendo testes com vários nomes. Atores experientes, novos, conhecidos, não conhecidos...

Nós não queremos nenhum elenco famoso. Nós queremos um elenco adequado. Atores de série nem são tão conhecidos. É diferente do que o público de TV aberta procura, é um outro mundo. Queremos um elenco adequado, de categoria. Estamos evitando falar nomes ainda porque senão fica uma feira livre, ainda não assinamos com ninguém. 

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