VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Marcus Majella em cena do Vai que Cola; Multishow abriu processo interno para investigar denúncias
Após roteiristas do Vai que Cola apresentarem uma carta para toda a equipe do programa, na qual denunciaram violência psicológica por parte do elenco, o Multishow anunciou que um processo interno foi aberto para escuta e apuração do caso. O canal, a Globo e a produtora Fábrica, responsáveis pelo humorístico, vão avaliar a situação e implementar ajustes e medidas corretivas, de acordo com o que for concluído.
Nesta quinta (24), o Multishow enviou nota oficial ao Notícias da TV com posicionamento sobre esta questão. "O Multishow está acompanhando atentamente o caso de roteiristas do Vai Que Cola que vieram a público relatar problemas de relacionamento com colegas de equipe e com o elenco do programa", disse o canal no início do comunicado.
"Desde que tomaram conhecimento da situação, a produtora Fábrica, responsável pela produção, e as equipes da Globo responsáveis pelo conteúdo deram início a um processo de escuta com as lideranças criativas do programa, com o elenco e com os profissionais que relataram supostas situações de abuso", complementou a assessoria do Multishow.
O Código de Ética da Globo estabelece que situações de discriminação e assédio não são toleradas. Quando denúncias desta natureza chegam ao conhecimento do canal, elas são devidamente apuradas e, conforme o caso, são feitos ajustes de processos e outras medidas corretivas.
Profissionais responsáveis pelos roteiros do Vai que Cola começaram a se pronunciar em redes sociais, ao longo do mês de agosto, sobre problemas nos bastidores. Em uma carta aberta, direcionada à diretoria, à produção e ao elenco, eles afirmaram que trabalham em meio a violência psicológica e críticas de atores e atrizes do programa. Um dos roteiristas confirmou ao Notícias da TV a veracidade dos relatos descritos na carta
A demissão do roteirista André Gabeh foi o estopim para o pedido de ajuda. Outro escritor revelou que preferiu pedir demissão do programa a continuar lidando com o assédio moral.
Gabeh tentava sair do humor besteirol para colocar diálogos mais politizados nas interações entre Ferdinando (Marcus Majella), Jéssica (Samantha Schmütz), Terezinha (Cacau Protásio) e companhia. Apesar de a série ser conhecida pelo improviso, existe um texto bem estruturado para direcionar os personagens por trás da história.
O estilo da escrita de Gabeh, no entanto, desagradou. Sem citar nomes, o ex-BBB acusou os atores de confabularem contra seus roteiros. "Apesar dos elogios que me faziam, o elenco do programa não estava satisfeito com o que eu escrevia. Eles têm todo direito de não gostar e, em uma relação profissional as coisas, para dar certo, têm que funcionar para todos", declarou ele, num texto de despedida da sitcom, publicado no Facebook.
O roteirista Daniel Porto, que trabalhou na equipe do Vai que Cola até 2022, se demitiu e afirmou ter sofrido assédio moral. Em depoimento publicado na quinta (23) no Linkedin, ele alegou que todos os atores tinham atitudes "cruéis, ofensivas e diretas" contra os escritores dos episódios. O ex-roteirista ainda disse ter desenvolvido síndrome de burnout pelo excesso de trabalho.
"O desdenho e o assédio com nossos textos era diário e na nossa cara. A estrutura inteira do programa sabia, e nós ficávamos vendidos tentando nos defender da maneira que nos cabia. Os nomes citados na carta são poucos. Todos do elenco, digo, todos do elenco tinham comportamentos tóxico conosco, em maior ou menor grau", afirmou ele.
Segundo o relato dos roteiristas na carta conjunta, Gabeh teria sido vítima de "implicância e perseguição" pelo elenco. A atriz Cacau Protásio, que está no elenco do Vai que Cola desde a primeira temporada, se pronunciou e declarou que não tem poder de demitir qualquer pessoa.
"Eu jamais 'tirei trabalho' de ninguém. Pelo contrário, além de atriz, sou empresária e emprego diversos funcionários em minhas lojas. Quem convive comigo sabe o quanto eu respeito e trato todos que estão a minha volta com igualdade e muito respeito", afirmou na legenda de post que fez no Instagram.
"Eu lamento muito pelas demissão de qualquer pessoa. E eu, Cacau Protásio, repito aqui: não tenho poder e direito de pedir a demissão de alguém, pois sou funcionária da emissora", escreveu.
Os roteiristas também reclamaram do ambiente hostil de trabalho, que difere muito do clima que um programa humorístico requer para funcionar. As supostas denúncias não são de hoje --segundo os escritores, a situação está assim desde 2020.
"Atualmente, a atmosfera de trabalho é de apreensão e medo, pois os roteiros recebem diversas críticas infundadas e abstratas. Críticas estas que dizem respeito, na maior parte dos casos, aos gostos pessoais e não à técnica e podem ter consequências desastrosas, como a recente demissão do roteirista André Gabeh", disseram eles.
Esperamos mudanças para que o Vai que Cola se torne um lugar saudável e acolhedor. Não queremos de forma alguma que este momento seja interpretado como 'guerra de bastidores entre elenco e roteiristas', mas sim como um pedido de paz e respeito.
Confira abaixo a carta na íntegra:
"Nós, roteiristas do programa Vai Que Cola - Temporada 11, escrevemos esta carta para nos solidarizarmos com o roteirista André Gabeh, demitido arbitrariamente a pedido de parte do elenco da série. Queremos deixar claro que somos uma equipe que tem amor pelo Vai que Cola e por cada profissional que faz essa série acontecer; por isso, esta é uma carta com afeto, sem intenção de gerar conflito.
André Gabeh é um artista sério, competente, comprometido e que vinha sendo muito elogiado tecnicamente por toda a equipe, produtora Fábrica, Multishow e Globo, ao longo da temporada. São mais de 50 profissionais que acompanham o processo de criação e leitura dos textos. Os roteiros de André Gabeh sempre foram muito elogiados e aprovados com mérito, além de muitas vezes servirem como referência para nós.
André Gabeh é também um escritor preto, gay e periférico, o que é importante ressaltar dentro de um contexto em que 'a corda sempre arrebenta do lado mais frágil'. Perdemos um roteirista brilhante, um dos poucos suburbanos escrevendo para personagens suburbanos.
A implicância ou perseguição, por parte do elenco, com o autor não é de hoje. Desde o ano passado, André Gabeh vem sendo melindrado e diminuído. E mesmo assim, seguia exercendo seu trabalho com empenho e competência.
Recebemos com consternação a notícia de que ele havia sido demitido faltando menos de um mês para encerrarmos a sala de roteiro. Nosso trabalho é feito em equipe, e uma perda dessas, além de injusta, pois o mesmo nunca deixou de cumprir prazos e realizar seu trabalho com excelência, abala a todos. Somos profissionais, mas antes de tudo, seres humanos.
Como artistas, respeitamos todos os talentos que fazem do Vai que Cola o maior programa de humor do país. Infelizmente, o respeito não é recíproco. A maioria dos roteiristas deste programa trabalha há anos no mercado e já fez parte deste e de outros projetos muito bem-sucedidos e premiados. Temos certeza de que entregamos roteiros com qualidade, mesmo levando em conta as difíceis exigências impostas para a feitura das sinopses, escaletas e roteiros, tais como: prazos apertados, ausência de personagens importantes, indisponibilidade do elenco para gravação etc.
Atualmente, a atmosfera de trabalho é de apreensão e medo, pois os roteiros recebem diversas críticas infundadas e abstratas. Críticas estas que dizem respeito, na maior parte dos casos, aos gostos pessoais e não à técnica e podem ter consequências desastrosas, como a recente demissão do roteirista André Gabeh.
Gostaríamos de deixar bem claro que não somos contra as críticas construtivas, que são sempre acatadas, sem discussão, quando é o caso de enriquecimento e melhoria do resultado final do roteiro. Acreditamos também que é muito saudável ter uma troca com os atores, desde que essa troca seja respeitosa de ambos os lados. Sempre estivemos abertos a fazer adaptações de maneira que cada ator ou atriz brilhe em cena e fique feliz com seu personagem. Contudo, o que vem acontecendo é uma violência psicológica.
A falta de respeito com o programa e com os roteiristas pode ser exemplificada com o fato de que parte do elenco não lê o texto antecipadamente e não lê o roteiro em sua integridade (apenas as falas de seus próprios personagens), o que naturalmente dificulta o entendimento geral da trama de cada episódio.
Pensamos que escrever um programa de comédia deve ser prazeroso; afinal, estamos levando alegria para milhões de brasileiros. Em sua maioria, trabalhadores (como André Gabeh) que fazem este país girar, que precisam rir e se distrair de suas duras realidades. Amamos escrever para o Vai que Cola, mas prezamos muito pela nossa saúde mental, e abrir mão dela é inegociável.
Esperamos mudanças para que o Vai que Cola se torne um lugar saudável e acolhedor não apenas para nós, mas para todos os roteiristas que virão depois e para todos os profissionais envolvidos nessa engrenagem. Não queremos de forma alguma que este momento seja interpretado como uma 'guerra de bastidores entre elenco e roteiristas', mas sim como um pedido de paz e respeito.
Gostaríamos também de ressaltar que existem pessoas no elenco que nada têm a ver com isso, cumprindo suas funções com brilhantismo, profissionalismo e cordialidade. Aguardamos retorno com uma proposta de ação concreta.
Atenciosamente, equipe de roteiro do Vai que Cola."
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