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RELATO EM CARTA

Roteiristas do Vai que Cola se revoltam com elenco e denunciam violência psicológica

REPRODUÇÃO/MULTISHOW

Catarina Abdalla e Samantha Schmütz em cena de Vai que Cola

Catarina Abdalla e Samantha Schmütz em cena do Vai que Cola: clima nos bastidores não é bom

IVES FERRO

ives@noticiasdatv.com

Publicado em 23/8/2023 - 7h00
Atualizado em 24/8/2023 - 9h28

O Vai que Cola pode até despertar risos no público, mas nos bastidores o clima é de guerra. Os roteiristas do humorístico apresentaram uma carta para toda a equipe do programa --inclusive diretoria, produção e elenco-- na qual denunciam violência psicológica. Os casos teriam começado com críticas dos atores e atrizes ao texto, mas se tornaram abusos que têm prejudicado o ambiente de trabalho. A demissão de André Gabeh foi o estopim para o pedido de ajuda. Outro escritor revelou que preferiu pedir demissão do programa a continuar lidando com o assédio moral.

Notícias da TV apurou que Gabeh acabou desligado da atração do canal Multishow após queixas e insatisfação de parte do elenco. Um dos roteiristas confirmou à reportagem a veracidade dos relatos descritos na carta, e Gabeh disse que está "muito impressionado" com o que leu. "Preciso organizar minha cabeça um pouco", resumiu o também ex-BBB.

O roteirista não escondeu seu descontentamento no dia em que foi demitido. Gabeh tentava sair do humor besteirol para colocar diálogos mais politizados nas interações entre Ferdinando (Marcus Majella), Jéssica (Samantha Schmütz), Terezinha (Cacau Protásio) e companhia. Apesar de a série ser conhecida pelo improviso, existe um texto bem estruturado para direcionar os personagens por trás da história.

O estilo da escrita de Gabeh, no entanto, desagradou. Sem citar nomes, o ex-BBB acusou os atores de confabularem contra seus roteiros. "Apesar dos elogios que me faziam, o elenco do programa não estava satisfeito com o que eu escrevia. Eles têm todo direito de não gostar e, em uma relação profissional as coisas, para dar certo, têm que funcionar para todos", disparou ele, em um trecho de sua despedida da sitcom, no Facebook.

Apesar da crise, o Notícias da TV descobriu que o cancelamento do Vai que Cola está fora de cogitação: a série tem resultados muitos bons de audiência, repercussão e apelo comercial. A 11ª temporada já está em produção e irá ao ar no canal pago ainda neste ano. 

Outro lado

Em nota enviada ao Notícias da TV, o Multishow afirmou que está acompanhando o caso com atenção. "Desde que tomaram conhecimento da situação, a produtora Fábrica, responsável pela produção, e as equipes da Globo responsáveis pelo conteúdo deram início a um processo de escuta com as lideranças criativas do programa, com o elenco e com os profissionais que relataram supostas situações de abuso", informou o canal.

"O Código de Ética da Globo estabelece que situações de discriminação e assédio não são toleradas. Quando denúncias desta natureza chegam ao conhecimento do canal, elas são devidamente apuradas e, conforme o caso, são feitos ajustes de processos e outras medidas corretivas", explicou.

Ex-roteirista diz que sofreu assédio

Daniel Porto, que trabalhou na equipe de roteiristas do Vai que Cola até 2022, se demitiu por sofrer assédio moral. Em um depoimento feito nesta quinta (23) no Linkedin, ele alegou que todos os atores tinham atitudes "cruéis, ofensivas e diretas" com os escritores dos episódios. O ex-roteirista ainda desenvolveu  síndrome de burnout pelo excesso de trabalho.

"O preço que paguei foi caro: um burnout digno de uma internação psiquiátrica, e depressão e crise de ansiedade como presente pelo assédio moral, feito diariamente pelos atores e equipe de criação aos roteiristas", acusou ele.

"O desdenho e o assédio com nossos textos era diário e na nossa cara. A estrutura inteira do programa sabia, e nós ficávamos vendidos tentando nos defender da maneira que nos cabia. Os nomes citados na carta são poucos. Todos do elenco, digo, todos do elenco tinham comportamentos tóxico conosco, em maior ou menor grau", lamentou.

Porto ainda reclamou do baixo salário pela quantidade de trabalho que lhe era exigida, e aplaudiu André Gabeh por ser o primeiro a expor a situação. "Me solidarizo e compartilho meu relato para dizer que você não está sozinho nessa", finalizou ele.

Equipe relata ambiente hostil

Segundo o relato dos roteiristas na carta conjunta, Gabeh teria sido vítima de "implicância e perseguição" pelo elenco. Os roteiristas reclamaram do ambiente hostil de trabalho, que difere muito do clima que um programa humorístico requer para funcionar. As supostas denúncias não são de hoje --segundo os escritores, a situação está assim desde 2020.

"Atualmente, a atmosfera de trabalho é de apreensão e medo, pois os roteiros recebem diversas críticas infundadas e abstratas. Críticas estas que dizem respeito, na maior parte dos casos, aos gostos pessoais e não à técnica e podem ter consequências desastrosas, como a recente demissão do roteirista André Gabeh", disseram eles.

"Como artistas, respeitamos todos os talentos. Infelizmente, o respeito não é recíproco. Temos certeza de que entregamos roteiros com qualidade, mesmo levando em conta as difíceis exigências impostas para a feitura das sinopses, escaletas e roteiros, tais como: prazos apertados, ausência de personagens importantes, indisponibilidade do elenco para gravação etc", criticaram.

Esperamos mudanças para que o Vai que Cola se torne um lugar saudável e acolhedor. Não queremos de forma alguma que este momento seja interpretado como 'guerra de bastidores entre elenco e roteiristas', mas sim como um pedido de paz e respeito.

Confira abaixo a carta na íntegra:

"Nós, roteiristas do programa Vai Que Cola - Temporada 11, escrevemos esta carta para nos solidarizarmos com o roteirista André Gabeh, demitido arbitrariamente a pedido de parte do elenco da série. Queremos deixar claro que somos uma equipe que tem amor pelo Vai que Cola e por cada profissional que faz essa série acontecer; por isso, esta é uma carta com afeto, sem intenção de gerar conflito.

André Gabeh é um artista sério, competente, comprometido e que vinha sendo muito elogiado tecnicamente por toda a equipe, produtora Fábrica, Multishow e Globo, ao longo da temporada. São mais de 50 profissionais que acompanham o processo de criação e leitura dos textos. Os roteiros de André Gabeh sempre foram muito elogiados e aprovados com mérito, além de muitas vezes servirem como referência para nós.

André Gabeh é também um escritor preto, gay e periférico, o que é importante ressaltar dentro de um contexto em que 'a corda sempre arrebenta do lado mais frágil'. Perdemos um roteirista brilhante, um dos poucos suburbanos escrevendo para personagens suburbanos.

A implicância ou perseguição, por parte do elenco, com o autor não é de hoje. Desde o ano passado, André Gabeh vem sendo melindrado e diminuído. E mesmo assim, seguia exercendo seu trabalho com empenho e competência.

Recebemos com consternação a notícia de que ele havia sido demitido faltando menos de um mês para encerrarmos a sala de roteiro. Nosso trabalho é feito em equipe, e uma perda dessas, além de injusta, pois o mesmo nunca deixou de cumprir prazos e realizar seu trabalho com excelência, abala a todos. Somos profissionais, mas antes de tudo, seres humanos.

Como artistas, respeitamos todos os talentos que fazem do Vai que Cola o maior programa de humor do país. Infelizmente, o respeito não é recíproco. A maioria dos roteiristas deste programa trabalha há anos no mercado e já fez parte deste e de outros projetos muito bem-sucedidos e premiados. Temos certeza de que entregamos roteiros com qualidade, mesmo levando em conta as difíceis exigências impostas para a feitura das sinopses, escaletas e roteiros, tais como: prazos apertados, ausência de personagens importantes, indisponibilidade do elenco para gravação etc.

Atualmente, a atmosfera de trabalho é de apreensão e medo, pois os roteiros recebem diversas críticas infundadas e abstratas. Críticas estas que dizem respeito, na maior parte dos casos, aos gostos pessoais e não à técnica e podem ter consequências desastrosas, como a recente demissão do roteirista André Gabeh.

Gostaríamos de deixar bem claro que não somos contra as críticas construtivas, que são sempre acatadas, sem discussão, quando é o caso de enriquecimento e melhoria do resultado final do roteiro. Acreditamos também que é muito saudável ter uma troca com os atores, desde que essa troca seja respeitosa de ambos os lados. Sempre estivemos abertos a fazer adaptações de maneira que cada ator ou atriz brilhe em cena e fique feliz com seu personagem. Contudo, o que vem acontecendo é uma violência psicológica.

A falta de respeito com o programa e com os roteiristas pode ser exemplificada com o fato de que parte do elenco não lê o texto antecipadamente e não lê o roteiro em sua integridade (apenas as falas de seus próprios personagens), o que naturalmente dificulta o entendimento geral da trama de cada episódio.

Pensamos que escrever um programa de comédia deve ser prazeroso; afinal, estamos levando alegria para milhões de brasileiros. Em sua maioria, trabalhadores (como André Gabeh) que fazem este país girar, que precisam rir e se distrair de suas duras realidades. Amamos escrever para o Vai que Cola, mas prezamos muito pela nossa saúde mental, e abrir mão dela é inegociável.

Esperamos mudanças para que o Vai que Cola se torne um lugar saudável e acolhedor não apenas para nós, mas para todos os roteiristas que virão depois e para todos os profissionais envolvidos nessa engrenagem. Não queremos de forma alguma que este momento seja interpretado como uma 'guerra de bastidores entre elenco e roteiristas', mas sim como um pedido de paz e respeito.

Gostaríamos também de ressaltar que existem pessoas no elenco que nada têm a ver com isso, cumprindo suas funções com brilhantismo, profissionalismo e cordialidade. Aguardamos retorno com uma proposta de ação concreta.

Atenciosamente, equipe de roteiro do Vai que Cola."


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