Memória da TV
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Imagem da inauguração da TV Tupi, em 1950; emissora saiu do ar em 1980, com muitas dívidas
THELL DE CASTRO
Publicado em 3/11/2019 - 4h38
Em meio à guerra declarada entre Jair Bolsonaro e a Rede Globo, evidenciada quando o presidente ameaçou não renovar a concessão da emissora em 2022, vale relembrar o mais célebre caso do gênero já ocorrido na TV brasileira. Em 1980, a Rede Tupi, primeiro canal a ir ao ar no país, em 1950, saiu do ar após não ter sua concessão renovada pelo governo.
Em grave crise financeira, a Tupi saiu do ar em 18 de julho de 1980, dois meses antes de completar 30 anos de existência. Um dia antes, o então presidente João Figueiredo (1918-1999) assinou um decreto declarando peremptas, ou seja, não mais renováveis, sete das nove emissoras da Rede Tupi. A decisão foi tomada após longa reunião com ministros do governo.
Dessa forma, saíram do ar as emissoras de São Paulo (SP) e do Rio de Janeiro (RJ), a TV Itacolomi, de Belo Horizonte (MG), a TV Rádio Clube de Pernambuco, de Recife (PE), a TV Marajoara, de Belém (PA), a TV Rádio Clube, de Fortaleza (CE), e a TV Piratini, de Porto Alegre (RS).
Continuaram operando apenas a TV Brasília, de Brasília (DF), e a TV Itapoan, de Salvador (BA), que tiveram suas concessões renovadas e estão no ar até hoje, respectivamente como afiliadas da RedeTV! e da Record.
"Com a decisão adotada pelo governo, perdem sentido as negociações que vinham sendo feitas para a compra da rede. Agora, os interessados deverão esperar a licitação dos canais retomados através do decreto presidencial", explicou o Jornal do Brasil de 17 de julho daquele ano.
"Segundo o ministro da Comunicação Social, Said Farhat (1920-2014), 'no mais breve prazo possível' o governo colocará em licitação os canais retomados, e as dívidas das emissoras serão executadas judicialmente através da Procuradoria Geral da Fazenda", completou a reportagem.
De acordo com o ministro, "O que o governo resolveu foi dizer que chega, que basta" e que as concessões não poderiam continuar em mãos "de quem não paga salários aos empregados, não recolhe as contribuições sociais obrigatórias e atrasa o pagamento dos serviços prestados pelo governo e empresas privadas", diz a reportagem do JB, que indicava que somente a Tupi da capital paulista devia 4 bilhões de cruzeiros de impostos ao governo.
Além das inúmeras negociações, os próprios funcionários se ofereceram para tocar as emissoras, proposta que foi recusada pelo governo. Após vigílias dos profissionais nos estúdios de São Paulo e do Rio de Janeiro, os transmissores foram lacrados, e os canais saíram do ar para nunca mais voltarem.
As emissoras dos outros estados, que não enfrentavam crise financeira grave como os de São Paulo e Rio de Janeiro, entraram no pacote para que pudesse ser formada uma nova rede nacional, que visava garantir a existência de concorrência e evitar o monopólio da Rede Globo.
Na época, a Bandeirantes se estruturava para tentar crescer, enquanto a Record, que havia sido líder de audiência nos anos 1960, também passava por problemas financeiros e focava suas transmissões somente para os paulistas.
Ao mesmo JB, o procurador dos Diários Associados no Distrito Federal, Paulo Cabral (1922-2009), considerou a decisão do governo "uma posição unilateral". Para ele, a melhor solução seria a negociação para a transferência dos canais para outros grupos. "Com a decisão do governo, fica demonstrado que, apesar das declarações de autoridades governamentais, não existia nenhuma negociação", destacou.
Em 1981, após muitas conversas nos bastidores, o governo organizou dois pacotes de canais que estavam inativos e os concedeu aos empresários Silvio Santos, que montou o SBT, no mesmo ano, e Adolpho Bloch (1908-1995), que colocou a Rede Manchete no ar em 1983 –a emissora foi extinta em 1999, dando lugar à RedeTV!.
THELL DE CASTROé jornalista, editor do site TV História e autor do livro Dicionário da Televisão Brasileira. Siga no Twitter: @thelldecastro
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