ANÁLISE
Reprodução/Facebook
O presidente Jair Bolsonaro durante live no Facebook em que ofendeu e ameaçou a Globo
Em resposta à reportagem do Jornal Nacional que mostrou que Jair Bolsonaro foi citado nas investigações policiais do assassinato de Marielle Franco, o presidente da República ameaçou seriamente a emissora:
"Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá. Porque o processo de renovação da concessão não vai ser perseguição. Nem pra vocês nem pra TV nem rádio nenhuma. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês, nem pra ninguém".
A pergunta que não quer calar: Bolsonaro pode mesmo acabar com a maior rede de TV aberta do Brasil, uma das maiores do mundo, com uma simples canetada, ao não renovar suas concessões, que vencem em 7 de outubro de 2022, no último ano de seu mandato?
Por lei, é prerrogativa do presidente da República determinar se as concessões de frequências eletromagnéticas devem ser renovadas ou não, a cada 15 anos. Mas a decisão final cabe ao Congresso Nacional. Para a renovação, bastam três quintos dos senadores. Para cancelar, a missão é mais difícil: são necessários os votos de dois quintos dos deputados e senadores.
Para derrubar a Globo, o presidente terá que se empenhar em um esforço político hercúleo. A Globo será dura na queda. Além da popularidade, haja vista o sucesso de suas produções, seu lobby é poderoso, principalmente na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e no Senado Federal. Ou seja, Bolsonaro enfrentará resistência no próprio governo, uma vez que a Anatel faz parte da estrutura do Executivo.
Anatel e Senado agem nas duas pontas do processo que pode levar à cassação de uma licença de emissora de TV. Para decretar a "morte" da Globo, Bolsonaro terá que demonstrar que a emissora não observou as "exigências legais e regulamentares afetas à renovação", de acordo com a Lei 13.424, assinada por Michel Temer em 28 de março de 2017.
Que exigências são essas? Há uma série de documentos fiscais, como certidões negativas de débitos com a Receita, o INSS e o FGTS. Nisso, a Globo não deverá enfrentar dificuldade. Ela também terá que demonstrar que sua programação atende a finalidades educativas, culturais e informativas. Por mais subjetiva que seja a avaliação, é difícil argumentar que a Globo não cumpre isso.
No processo de renovação dentro do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o maior risco para a Globo seriam irregularidades encontradas na eventual fiscalização de suas operações e de sua programação. Quem faz essa fiscalização, ou melhor, não faz, é a Anatel.
À Anatel compete a fiscalização relativa às características técnicas das estações de telecomunicações, das estações de radiodifusão, de retransmissão e de repetição de televisão. A partir da publicação de convênio celebrado com o MCTIC em 2011, a agência passou a fiscalizar e instruir também os processos de apuração de infrações quanto ao conteúdo da programação.
O número de fiscalizações vem caindo ano após ano. Até setembro de 2017, a Anatel tinha realizado 282 ações sobre a radiodifusão. Em todo ano 2018, foram apenas 151. Ainda não foram publicados os dados de 2019, mas, segundo fontes na agência, tende a ser ainda menor do que em 2018.
E agora o que é mais importante: não há qualquer registro de ação de fiscalização em andamento na Anatel contra as empresas do Grupo Globo. Esse quadro é favorável à emissora, uma vez que a existência de punições comprometeria a renovação de suas concessões.
Essa realidade não deve mudar nem mesmo com a ira de Bolsonaro. A Anatel é um território pró-Globo. Seus atuais presidente e vice-presidente, respectivamente Leonardo Euler de Morais e Emmanoel Campello, estão alinhadíssimos com a emissora em assuntos estratégicos, como a propriedade cruzada de empresas de telecomunicação e de radiodifusão e a fusão da AT&T com a Warner.
Morais e Campello também estão ao lado da Globo na briga com as operadoras de telefonia, que irão ocupar as frequências hoje captadas livremente por antenas parabólicas, deixando cerca de 22 milhões de casas sem TV. A Globo quer que as operadoras banquem a migração desse sistema para outra banda.
O elo entre a Anatel e a Globo é o advogado Marcelo Bechara. Ele virou diretor de Regulação e Novas Mídias do Grupo Globo em fevereiro de 2016, depois de passar quase seis anos como conselheiro e procurador-geral da Anatel, onde atuou a favor de interesses da rede de TV na aplicação da Lei 11.485/2011, marco regulatório da TV paga.
O executivo até hoje transita com desenvoltura pela agência e também tem forte atuação nos bastidores do Senado, casa que abriga políticos donos de emissoras afiliadas da Globo.
Diante desse cenário, constata-se que a Globo não precisa de "jeitinho" de Bolsonaro. Ela tem um "jeitão".
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