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DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Cadê o protagonismo negro? Canais fazem festa sem mostrar mudanças

ARTHUR MENINEA/TV GLOBO

Emilio Dantas usa terno e gravata e Giovanna Antonelli vestido branco em cena de Segundo Sol com ator negro de costas

Emilio Dantas e Giovanna Antonelli contracenam com ator negro do elenco de apoio em Segundo Sol

MÁRCIA PEREIRA

marcia@noticiadastv.com

Publicado em 20/11/2020 - 7h15

Avançar na luta contra o racismo e acabar com a falta de representação racial na TV é mais que uma necessidade. Nos últimos dias, um boom do Dia da Consciência Negra invadiu a programação dos canais, com homenagens e debates que convidam o telespectador à reflexão sobre a comemoração desta sexta (20). Porém, o protagonismo negro não é realidade, e as mudanças ainda são tímidas para chegar à igualdade.

Esse despertar tardio é importante e reconhecido, mas não apaga o passado nem episódios recentes de desigualdade que provam que nem tudo é o que parece ser no universo televiso.

O ator Sidney Santiago, 35 anos, que está no ar na Record com a reapresentação de Escrava Mãe (2016), lembra que a televisão no Brasil está em atividade há 70 anos e foi o grande entretenimento das famílias brasileiras nas últimas décadas, mas sempre esteve distante de ser um retrato da população do país.

"A gente não pode não levar em consideração que nesses mais de 50 anos produzindo imagens, a telenovela foi muito coautora do crime de racismo no Brasil. Porque, através das novelas, a gente alimentou na população a doença da autoimagem. É um país que não consegue se olhar no espelho porque ele não se reconhece", dispara o intérprete do personagem Sapião. 

"Quando você pega uma novela das nove, e ela tem 200 personagens brancos e três participações negras, e esse personagens negros estão na periferia da imagem, isso é criminoso num país que tem a dimensão populacional tão significativa de população negra", aponta o artista.

Para Zulu Araújo, 68 anos, arquiteto, gestor cultural e mestre em cultura e sociedade pela Universidade Federal da Bahia, a televisão brasileira não só demorou a entender o seu papel no combate ao racismo, como foi tímida em excesso para romper com esse estigma.

O ator Sidney Santiago (Divulgação)

"Em qualquer espaço da televisão brasileira nos últimos 50 anos, a presença do negro sempre foi diminuta e quando ocorreu se deu de forma estereotipada ou folclórica. Nos telejornais era praticamente inexistente, nos seriados e telenovelas era quase que cativo o lugar de marginal ou empregada doméstica, e na direção ou protagonismo, praticamente zero", explica o ex-presidente da Fundação Palmares.

Ele afirma que existe mudança, mas não protagonismo. "As mudanças representam avanços importantes, pois colocam na luz do dia o problema do racismo na TV. Mas, protagonismo é outra coisa. Para isso, acontecer teríamos que ter uma mudança significativa na sociedade", comenta o gestor cultural.

Apesar do esforço da TV aberta e paga para promover debates, episódios recentes de desigualdade estão frescos na memória. O mais emblemático ocorreu há dois anos, quando a Globo foi questionada por embranquecer a Bahia na novela Segundo Sol (2018).

Dispostos a evoluir

Esse também foi um dos raros capítulos em que a emissora líder de audiência baixou a guarda, assumindo o erro na escalação do elenco da história ambientada em Salvador, cidade conhecida como a mais negra fora continente africano, e se posicionando disposta a trabalhar e evoluir nessa questão.

No mês passado, o assunto voltou à tona porque o próprio autor do folhetim, João Emanuel Carneiro, assumiu que aprendeu com essa falha na entrevista que concedeu ao programa Conversa com Bial. "Foi uma lição para mim", disse o novelista na edição exibida em 16 de outubro.

No entanto, é preciso lembrar de que os envolvidos só se pronunciaram após pressão externa e interna, com a mobilização dos artistas negros e de críticas que repercutiram na mídia até o fim da exibição da novela.

"Televisão é concessão pública e deveria, ao meu ver, contribuir para a promoção da igualdade e o combate ao racismo em nosso país e não reforçar o racismo e a discriminação", observa Zulu Araújo.

Santiago, que fez Caminhos das Índias (2009) na Globo e participou da série Segunda Chamada no ano passado, está otimista com a chegada do streaming e de um cinema mais antenado para que a situação realmente comece a mudar.

"Mas não acho que a gente vá ver um retrato fiel, respeitoso e que envolva contradições, na telenovela. Acho que ela vai permanecer atrelada a velhos preconceitos porque ela é produzida em sua maioria por pessoas privilegiadas, mas não só por isso. Porque essas pessoas não manifestam através de sua arte um interesse real pelo país."

O ator pede para o público se perguntar quais são os dez atores negros que mais se destacaram na TV brasileira nos últimos três anos. Ele diz que, provavelmente, quem tentar vai ter dificuldade.

"Existe uma falsa ilusão de um número maior de atores e de personagens negros, que pode até existir em termos numéricos, mas eles estão distantes da ação. Não sabemos quem eles são, esses personagens negros, mesmo que estejam em lugares centrais, não estão vivendo como poderíamos viver", finaliza o artista. 


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