CASOS DO PASSADO
REPRODUÇÃO/YOUTUBE e SBT
Atrizes como Samara Felippo e Maria Zilda Bethlem trataram recentemente sobre o assédio na TV
Tema até pouco tempo atrás tratado como "folclore" ou tabu, o "teste do sofá" passou a ser debatido publicamente por artistas que fizeram carreira na Globo. Em lives ou entrevistas, alguns ex-funcionários que integravam o elenco da principal produtora de conteúdo audiovisual no Brasil confessaram que o assédio de diretores acontecia com frequência nos bastidores das produções.
O relato mais recente foi feito por Samara Felippo, atriz atualmente com 43 anos e que fez novelas como Malhação, Chocolate com Pimenta (2003), Da Cor do Pecado (2004) e América (2005) na Globo. Além dela, nomes como Maria Zilda Bethlem, Oscar Magrini e Helio de La Peña também tocaram o dedo nessa ferida recentemente.
Em entrevista na última semana ao canal de Rafinha Bastos no YouTube, Samara revelou que viu colegas de profissão perderem oportunidades de trabalho por se recusarem a ter relações sexuais com diretores.
"Vejo amigas que perderam papéis porque não deram para o diretor. Existiu esse lugar. Existiu o lugar onde eu sentei para pegar um papel, e a pessoa falou: 'Você ia fazer a protagonista, mas você não tem cara de virgem'. Virgem tem cara?", relembrou.
Apesar de ter falado abertamente sobre o tema, a atriz com passagens recentes em produções da Record confessou que o assunto ainda é um tabu pelo medo que artistas, sobretudo mulheres, têm de terem as carreiras prejudicadas por trazerem à tona episódios de assédio.
É uma pressão bizarra, em todos os sentidos. Para a mulher principalmente. Acho que isso ainda acontece, temos denúncias que jamais se imaginou que pudessem ter acontecido. É um pouquinho esse buraco que a gente vai se enfiando. É uma mão na sua coxa em um jantar, é um 'vem cá conversar só eu e você'. Todo papel eu tinha que estar dois quilos mais magra. E sempre fui magra. Já vem a pressão estética para a menina.
Em julho, durante o podcast Inteligência Ltda, Helio de La Peña também falou sobre o assunto. Famoso pelo Casseta & Planeta (1992-2010), o humorista disse que, no fim do século passado, "tinha uma coisa de uma libertinagem, de um abuso, um assédio, e quem não cedesse, de fato, não ia pra frente e não subia [na carreira]. Enfim, era uma coisa realmente institucionalizada".
"Tinha uma coisa assim que era o tal do teste do sofá. Pra menina fazer uma figuração, os diretores e os produtores assediavam. Eu não via, mas ouvia falar. Era corriqueiro. Porra, tinha produtor que tinha contato com cafetina e botava as meninas como figuração", confessou Helio de La Peña.
Veja a entrevista de Samara Felippo abaixo:
Nos anos 1980 e 1990, além do assédio frequente, algo comum nos bastidores era o uso de drogas. Além de o ex-Casseta ter falado sobre isso, em outubro do ano passado, durante uma live com Oscar Magrini, Maria Zilda Bethlem e o ator revelaram algo parecido, ao afirmarem que a Globo tinha o "quartinho do pó [cocaína] e o do cu".
A atriz, que foi casada com Roberto Talma (1974-2015), soltou o verbo. "Você trabalhou na TV Globo muitos anos, e eu também. Eu entrei na Globo em 1975. Você não vai dizer para mim que eu não sei como aquilo funciona. Até porque eu fui casada com diretor. Então, eu sei muito bem como aquilo funcionava. Não é o teste do sofá. É o teste do cu", exclamou.
Magrini, que esteve recentemente no elenco de Gênesis (2021), relembrou uma história com Cleyde Yáconis (1923-2013). "Ela não me conhecia. Em 1988, eu já era modelo. Ela olhou para mim e falou: 'Para você entrar tem que passar no quartinho do PC'".
"Eu falei: 'PC? Quem é?'. Ela: 'É o quartinho do pó e do cu. Você cheira?'. Falei: 'Não!'. 'Você dá o cu?'. 'Não!'. 'Então, não vai entrar'. E ela deu risada. Uma senhora! Imagina?", recordou o ator, aos risos.
Criador da programação da Globo nos anos 1970 e chefão da emissora entre entre 1980 e 1997, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, comentou que existe muito "folclore" em torno do teste do sofá. O empresário abordou o tema durante uma entrevista ao programa Roda Viva, da Cultura, em setembro do ano passado.
"A gente tem que pensar que há muito folclore. Eu não acredito que no meu tempo tivesse algum outro critério para escolher um artista que não fosse talento, competência e capacidade. Se, eventualmente, os bozós da época fizessem alguma coisa, a gente mandaria imediatamente embora", argumentou Boni, que complementou:
Durante todo o período de 31 anos que passei na TV Globo, nunca ninguém entrou na minha sala dizendo 'fui assediada' no sentido de permutar a admissão, trabalho ou escalação por qualquer outra coisa, seja sexo ou amizade. Nunca entrou uma só pessoa na minha sala para fazer esse tipo de queixa.
A cultura do assédio tem sido combatida nos últimos anos, de acordo com os próprios relatos de integrantes da indústria. As empresas têm adotado mecanismos e grupos para incentivar denúncias das vítimas. Recentemente, acusações contra nomes como José Mayer e Marcius Melhem se tornaram públicas e fizeram com que eles perdessem os cargos que tinham.
Segundo Helio de La Peña, a política da Globo nesse sentido de o assédio de diretores e produtores de elenco ser algo institucionalizado começou a mudar durante os anos 2000, algo que as pessoas até estranharam na ocasião.
"Depois que mudou a direção da emissora [Globo], eles foram atrás e demitiram os produtores que faziam esse tipo de jogada, tentando criar um ambiente mais profissional, mais correto e mais decente pra televisão. Algumas pessoas até estranharam um pouco e falaram: 'Ué, mas isso não é mais televisão'", relembrou o comediante.
Em Hollywood, o sindicato dos atores criou, na semana passada, um comitê para acabar com "teste do sofá" e prevenir assédio sexual na indústria. Entre os mandamentos impostos pelo novo código, estão o banimento de reuniões em quartos de hotel e residências privadas, além de parceria com coordenadores de intimidade para padronizar a profissão e ajudar a mudar a cultura em sets nas cenas de nudez e sexo.
Assista à entrevista de Helio de La Peña abaixo:
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