VICTOR DANTAS
DIVULGAÇÃO/PRIME VIDEO
Flavio Tolezani interpreta o policial Luiz Victor Dantas Lomba na série Dom, do Prime Video
Retratado em Dom como um ex-policial "herói" preocupado com a família, Luiz Victor Dantas Lomba (1944-2018) foi quem deu as principais informações para o diretor Breno Silveira (2 Filhos de Francisco) construir a trama da série disponível no Prime Video. Mas o pai de Pedro Dantas (Gabriel Leone), o Dom, era considerado violento por uma das filhas e integrou um grupo conhecido como esquadrão da morte, força policial que deu origem às milícias no Rio de Janeiro ainda nos anos 1960.
O surgimento dos grupos paramilitares deverá ser abordado na segunda temporada da série, já confirmada pela Amazon. A obsessão do pai em transformar a história do filho bandido em produção audiovisual agora é alvo de uma disputa judicial que envolve a mãe e a irmã de Dom. Mas quem foi o policial civil que participou do grupo que fundou as milícias no Rio de Janeiro?
Dom é baseada na história real de Pedro Machado Lomba Neto (1981-2005), que ganhou a alcunha de Pedro Dom e se tornou um dos bandidos mais conhecidos do Rio de Janeiro no início do século. Jovem de classe média, ele começou a usar cocaína ainda adolescente e, para sustentar o vício na droga e em adrenalina, passou a assaltar mansões na cidade.
Na série, o bandido se chama Pedro Dantas (Gabriel Leone), filho do policial Victor Dantas (Flavio Tolezani), um mergulhador que havia sido convocado nos anos 1970 para fazer parte dos "12 Homens de Ouro da Polícia Carioca", grupo de elite formado para "limpar a cidade da criminalidade", em especial os traficantes que começavam a ganhar poder no morro.
Luiz Victor Dantas Lomba, pai do Pedro Dom da vida real, de fato esteve envolvido com o tal esquadrão de ouro --os seletos policiais ficaram conhecidos com um epíteto bem mais apropriado às suas ações nas comunidades: esquadrão da morte.
O esquadrão da morte foi um desdobramento da Scuderie Detetive Le Cocq, formada em 1964 dentro da polícia para vingar o assassinato do detetive Milton Le Cocq. Prestigiado entre os colegas e conhecido por ter feito a guarda pessoal do ex-presidente Getúlio Vargas (1882-1954), ele foi morto por um bandido que se chamava Manoel Moreira, que tinha o apelido de Cara de Cavalo e extorquia bicheiros.
Le Cocq foi morto na noite em que armou uma tocaia, a pedido de um contraventor, para tentar surpreender Cara de Cavalo. Na troca de tiros, o detetive levou cinco balas e não resistiu. Ele tinha 44 anos. O caso gerou uma mobilização de centenas de policiais em busca do criminoso.
Em 3 de outubro de 1964, menos de dois meses depois do assassinato de Le Cocq, o bandido foi encontrado e morto com 61 tiros, a maioria na região do abdômen. Aquela foi a primeira morte da Scuderie, organização que chegou a ter sete mil associados e só foi extinta no início dos anos 2000, segundo informações do jornal O Globo.
REPRODUÇÃO/JORNAL O GLOBO
Edição do jornal O Globo em outubro de 1964
Nos anos 1970, o policial Victor Dantas foi convidado para integrar o grupo dos chamados 12 Homens de Ouro, esquadrão da morte que atuava como uma "braço" da Scuderie Detetive Le Cocq. Essa associação era apoiada por parte da sociedade e tolerada pelo Estado.
Pesquisadores e especialistas apontam que esses grupos serviram de base para a criação das equipes paramilitares atuais. A premissa é a mesma: policiais, militares e até políticos que atuam na surdina e fora da lei para eliminar criminosos --ou exterminar adversários que surjam em seu caminho.
Na vida real, o grupo fez muito mais do que caçar traficantes. Criado em plena Ditadura Militar (1964-1985), passou a perseguir também pessoas que se opunham ao regime, com métodos violentos, que iam da tortura à execução sumária.
No livro Cidade Partida, lançado em 1994, o escritor, colunista e jornalista Zuenir Ventura tratou sobre a criação das milícias no Rio de Janeiro. Em entrevista em 2019 ao Blog do Acervo, do jornal O Globo, ele falou do tema:
A gente olha para aquela época [anos 1990] como se fosse a era dos anos dourados, mas, na verdade, era uma espécie de 'ovo de serpente', um laboratório do que viria depois e de toda a corrupção e violência que vemos hoje. Esses esquadrões da morte subiriam morros, invadiriam barracos e desentocariam assaltantes, caçando-os como ratos. 'Limpariam a cidade'. Isso já tem 50, 60 anos, e a proposta de hoje é a mesma daquela época. O Esquadrão da Morte já tinha como objetivo vender essa ilusão de que eles acabariam com a violência. A milícia de hoje é o esquadrão da morte aprimorado.
Luiz Victor Dantas Lomba, o pai de Dom, acabou expulso da organização por desonra e, em entrevistas posteriores, afirmou que seu envolvimento com o esquadrão foi "a pior coisa que fez em sua vida". O policial aposentado morreu em 2018, vítima de um câncer de pulmão.
Ele sempre foi o maior interessado em transformar a história do filho em uma produção para o cinema ou para a TV e "bateu" diversas vezes na porta de Breno Silveira. De acordo com o cineasta, no final da vida, Dantas se arrependeu por ter dedicado boa parte da carreira na polícia à guerra contra as drogas, da forma que criou o filho Dom e considerava que havia lutado da forma errada, por isso passou a defender que os entorpecentes deveriam ser legalizados.
Na última segunda-feira (12), Erika Grandinetti, 47 anos, criticou a forma como a história do irmão foi contada na plataforma de streaming da Amazon. Na trama disponível no Prime Video, Victor Dantas é retratado pelo ator Flavio Tolezani como um herói que busca a redenção do próprio filho. Segundo ela, Dantas não era assim.
"Meu pai cuspia no chão de dentro de casa, era violento, quando brigava com a minha mãe 'enquadrava' ela como se estivesse falando com um estuprador! Este é o Victor Dantas. Toda intimidação e violência que meu irmão praticou foi aprendida com o pai. Esse pai herói nunca existiu. Meu irmão sempre sentiu dor, mas o pai ensinou que homens não choram", relembrou ela.
Ao Notícias da TV, a irmã de Pedro Dom --morto em 2005 durante uma operação policial-- chorou ao falar sobre o assédio que sua mãe sofreu após a partida do herdeiro. Segundo Erika, o pai começou a insistir na comercialização da história de vida do criminoso, mas ouviu diversas negativas.
Mesmo assim, ele chegou a negociar com a produtora responsável pela série. "Em 2010, minha mãe ligou para a Conspiração Filmes e fez um escândalo, e eles pararam o projeto, depois eles retomam e não comunicaram. Ela não autorizou. Tem um processo rolando, mas nós já perdemos dois", revelou.
Erika reforçou ainda que sua família está longe de ser da forma como é retratada pelo diretor Breno Silveira: "Na série é uma família margarina. A minha família era uma família disfuncional". A irmã de Dom e a mãe, Nídia Sarmento, processam a Amazon na tentativa de retirar a série do ar.
Após as críticas de Erika e da mãe, Breno Silveira explicou que "toda a história é contada a partir de um ponto de vista, o ponto de vista que chegou a mim". O cineasta argumentou que, além de Victor Dantas, uma outra irmã de Dom também queria que a história virasse uma produção audiovisual.
"Pai e filha são sócios do livro que foi base de tudo e da série. Um livro que nunca foi contestado antes por nenhum dos dois lados partes dessa família", disse. Em carta ao elenco de Dom, Silveira se defendeu afirmando que as declarações de Erika foram "imprecisas e complicadas". "Parte dos frutos dessa obra [Dom] foram destinados ao futuro do filho que o Pedro deixou ainda bebê, como acordado com Victor e sua filha mais nova".
"Quando tive contato com essa história pela primeira vez, foi o próprio Victor que a trouxe até mim. Um pai e uma filha querendo contar sua própria história. Do outro lado, uma mãe e uma outra filha não querendo falar sobre essa mesma história. Infelizmente, uma família rompida", argumentou o cineasta.
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