Fantasia na Netflix
Imagens: Divulgação/Netflix
Henry Cavill na primeira temporada de The Witcher; drama fantasioso foi um dos mais vistos na Netflix em 2019
JOÃO DA PAZ
Publicado em 1/1/2020 - 5h19
Dez dias após estrear na Netflix, a badalada The Witcher entrou na lista das séries mais vistas na plataforma, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Na mesma proporção que ganhou fãs fervorosos, o drama recebeu críticas pesadas da imprensa por vacilos que levaram a produção a entregar episódios abaixo do esperado.
Percebe-se em debates que até o defensor mais voraz da série tenta contornar tropeços claros, como a trama confusa ou o acabamento a desejar com figurinos dignos da 25 de Março (rua de comércio popular em São Paulo), para tentar exaltar algum ponto positivo da série. Mas, infelizmente, escorregões são nítidos e sobrepõem qualquer qualidade que a atração eventualmente tenha.
Confira abaixo os cinco principais erros de The Witcher:
A internet está cheia de textos do tipo: "Perdido com a linha do tempo de The Witcher? Entenda tudo" ou "Um guia para decifrar a linha do tempo de The Witcher". Esses registros não servem somente como apoio ao telespectador, mas se tornam essenciais para compreender o que de fato aconteceu na série, indício de que os episódios em si não foram suficientes.
O grande problema da primeira temporada neste quesito é que não há demarcações óbvias das três linhas do tempo diferentes --histórias distintas sendo narradas.
Não é nem questão de usar recursos preguiçosos, mas o drama poderia aplicar soluções simples para deixar evidente ao público em qual linha do tempo uma determinada cena se passa.
Os exemplos de como isso poderia ser feito são variados. O drama teen 13 Reasons Why fez o personagem Clay Jensen (Dylan Minnette) sofrer um acidente logo de cara e ter um ferimento na cabeça. O telespectador saca de bate-pronto que as cenas com ele sem o curativo na testa são do passado.
Isso sem falar nos sempre úteis e eficientes filtros que mudam o visual dos episódios quando se tem uma cena do futuro ou do passado, como executam muito bem séries do nível de You e How to Get Away with Murder.
Paralelamente a essa confusão, há uma história quase indecifrável. Não é a toa os vários relatos de pessoas que largaram a série após o segundo ou terceiro episódio por um detalhe: não estavam entendendo nada. E não é por falta de atenção. The Witcher tratou os episódios iniciais como se quem estivessem os assistindo fosse um iniciado nesse universo, ou seja, que porventura já tivera um contato com o game de sucesso ou com os contos nos quais o drama se baseia.
Séries complexas como The Witcher precisam de um personagem-guia dentro da trama, com a função de fazer perguntas do tipo "mas que ca*** você está querendo dizer com isso?" ou incorporar uma espécie de assistente virtual e explicar termos falados pelos personagens.
A difícil Watchmen melhorou sensivelmente na reta final a partir do momento em que a protagonista Angela Abar (Regina King) passou a fazer perguntas e pedir que os cabeçudos da história explicassem direito o que estavam falando.
Flash fez isso muito bem nas primeiras temporadas, com o detetive Joe West (Jesse L. Martin) no papel de um civil normal (simbolizando o telespectador) que não entendia bulhufas do que se comentava na série sobre viagem no tempo e afins. "Agora fala isso em inglês [português] para eu entender" era um frase comum dita pelo policial, principalmente para o engenheiro mecânico Cisco (Carlos Valdes).
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The Witcher custou caro, com a primeira temporada saindo por US$ 80 milhões (R$ 312 milhões). Por isso, é decepcionante ver como o acabamento da série deixou a desejar, incluindo aí a computação gráfica. São perucas bregas, mal-feitas, e coroas de reis e rainhas de gosto duvidoso aliadas a figurinos péssimos, que podem ser encontradas facilmente na ladeira Porto Geral, polo popular de fantasias localizado no centro de São Paulo.
Há ainda uma construção de cenários pobre para uma produção desse calibre. Por mais que The Witcher tenha sido gravada na Europa, assim como Game of Thrones (2011-2019), as locações internas são sofríveis. Faltou um cuidado com a iluminação, pois as luzes artificiais não enganam ninguém e, contraditoriamente, diminuíram o brilho da série.
Além desse acabamento mal-feito, o que The Witcher surpreendentemente apresentou de ruim foi a edição. Os episódios foram cheios de cortes abruptos com erros de continuidade do nível de comédias como Friends (1994-2004) e The Big Bang Theory (2007-2019), nas quais não há preocupação crucial nesse quesito, já que outras coisas são mais importantes.
Em The Witcher, foi comum cenas em que um personagem aparecia com posturas diferentes na mesma interação com outro personagem, um descuido crasso na edição. Nesse caso, houve mãos à mostra em lugares diferentes a cada corte, assim como pessoa ajoelhada e que, segundos, depois aparecia sentada.
Esse é outro ponto que assustou. The Witcher mostrou uma abundância de palavras esquisitas soltas aos montes sem qualquer explicação. O telespectador ficou por muito tempo sem saber o que era NiIfgaard, Kikimora, Ebbing, Vasemir, Blaviken, Skellige (alguns pequenos exemplos ditos somente no primeiro episódio). Eram lugares? Pessoas? Coisas? Bichos?
Aqui, a série não se esforçou para destrinchar detalhadamente tudo isso. O que piorou quando, do nada, alguns personagens passaram a falar em uma língua antiga, como a série se referiu a um idioma, sem especificar qual e por que aquilo foi introduzido.
Em certo momento, antes de uma batalha quentíssima (The Witcher tem de positivo as cenas de luta, diga-se), um personagem citou uma tal Lei da Surpresa e todo mundo começou a falar dela, se desentenderam, se enfureceram... E o público ficou à deriva pois ninguém no meio da discussão esclareceu do que aquilo se tratava.
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