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REALIDADE NA FICÇÃO

Como as séries da HBO usam racismo do passado para alertar o presente

IMAGENS: DIVULGAÇÃO/HBO

Sentados em uma cabine dentro de um restaurante, Courtney B. Vance com Jonathan Majors e Jurnee Smollett aparecem em Lovecraft Country

Courtney B. Vance com Jonathan Majors e Jurnee Smollett no primeiro episódio da série Lovecraft Country

JOÃO DA PAZ

Publicado em 23/8/2020 - 6h50

Enquanto os Estados Unidos vivenciam uma conturbada tensão racial, que afeta o mundo todo, a HBO cumpre um papel importante. Séries do canal premium usam episódios reais de racismo para alertar o presente de que pouca coisa mudou com o avanço do tempo. Leis podem ter caído, mas princípios que elas carregavam estão de pé.

Lovecraft Country, terror com episódios inéditos sempre aos domingos, às 22h, é a recém-chegada nesse grupo de atrações, com uma mistura de elementos surreais (monstros, no caso) com fatos. Watchmen (2019), favorita ao Emmy de minissérie, bebe da fonte dos heróis. Já Perry Mason, lançada em junho e renovada para a segunda temporada, conta a sua trama didática dentro de uma delegacia.

Com uma dupla de produtores de ouro, Jordan Peele (Corra!) e J.J. Abrams (Lost, Westworld), Lovecraft Country tem traços de um filme de horror em sua narrativa fincada na realidade. A premissa é fácil de entender.

Ex-soldado do Exército americano, o jovem Atticus "Tic" Freeman (Jonathan Majors) embarca em uma aventura para encontrar o pai desaparecido. Durante a viagem, de Chicago à costa leste americana, ele se depara com bichos assustadores e experimenta o terror da discriminação racial.

A série introduz situações vividas por negros nos EUA dos anos 1950. Naquele período, a segregação racial em lugares públicos era permitida por lei. Lovecraft mostra a separação que ocorria nos ônibus e encena o toque de recolher em algumas cidades: após o pôr do sol, não era permitido que nenhum negro estivesse dentro do perímetro do munícipio. A polícia tinha autorização para atirar no infrator.

Outro resgate de Lovecraft é o green book, um livro de viagem voltado ao público negro que mostrava restaurantes e hotéis seguros de serem visitados no território americano, sem discriminação. Quem assume a missão de fazer essa catalogação é o tio de Tic, George Freeman (Courtney B. Vance), seu parceiro nessa jornada.

Oficialmente, a segregação racial acabou nos EUA em 1964, com a Lei dos Direitos Civis. Porém, até os dias de hoje o preconceito pode ser visto, velado ou até mesmo explícito, tanto em estabelecimentos como em cidades, que deixam claro que uma pessoa não é bem-vinda apenas pela cor da sua pele.

Dajour Ashwood, Steven Norfleet e Alexis Louder em momento emocionante de Watchmen


Massacre acobertado

A confusa Watchmen é na essência uma série de super-heróis, a primeira do gênero feita pela HBO. Tem como base uma HQ (elogiada), que também já rendeu um filme. A adaptação para a TV trouxe o elemento do racismo, dentro ou fora da polícia. E chamou a atenção para isso logo no primeiro capítulo.

A cidade de Tulsa (Estado de Oklahoma) apareceu sendo atacada por um monte de pessoas brancas, que simplesmente eliminaram as negras que viam pela frente. O evento entrou para a história como o Massacre de Tulsa, ocorrido em maio de 1921. Aquela que era a Wall Street Negra, uma região muito próspera, ficou arrasada.

Poucos americanos sabiam da existência desse homicídio em massa, pois a carnificina nunca teve um espaço de destaque em livros didáticos. O público ainda desconhecia que nesse ataque, ocorrido durante 18 horas, quase 20 mil homens e mulheres ficaram desabrigados. Houve cerca de 300 mortes.

Com 26 indicações ao Emmy, Watchmen deu uma verdadeira lição aos telespectadores. Uma demonstração clara da importância de se dar liberdade criativa para que histórias como essa possam ser retratadas. Assim como a discriminação sofrida por um policial negro nos anos 1930, como o drama relatou.

Will Reeves (Jovan Adepo) foi linchado por colegas de corporação porque ele queria a prisão de um homem branco que incendiou a loja de um judeu. Foi vítima de racismo, ouviu ofensas e deu o troco. Ele se tornou um herói justiceiro.

Em Perry Mason, Chris Chalk viveu dilemas dentro da polícia de Los Angeles, nos anos 1930


Corrupção na polícia

Com um timing perfeito, o drama Perry Mason também viajou aos anos 1930 para detalhar como o procedimento na polícia mudou pouco em quase um século. Na série, o policial Paul Drake (Chris Chalk) sofreu preconceito descarado no meio das piores pessoas possíveis, isso dentro do departamento de polícia em Los Angeles. Foram exibidos comportamentos que ainda podem ser vistos nos dias de hoje, de piadinhas a atitudes que mostram o branco como superior.

Forçado a participar de uma corrente de corrupção e acobertamento de um crime, Paul viveu o dilema de muitos policiais negros, que é fazer valer a lei sem ofender nem oprimir a comunidade mais carente, a sua origem. Ele até tentou combater o sistema que agia contra os seus valores, mas sua mulher o convencia do contrário: "Não há razão para lutar por algo que não vai mudar", dizia.

No fim das contas, Paul tomou um posicionamento após, juntamente com amigos e sua parceira, ser expulso por um policial branco da praia de Santa Monica. O fato de ele ser um colega de uniforme não ajudou em nada.

Assim, ele percebeu que não importava qual profissão exercia, no olhar do racista, ele seria apenas um homem negro inferior, sem o direito de passar o domingo de sol deitado em uma areia observando o mar. Mesmo no fim das duas primeiras décadas do século 21, o que deveria significar um avanço no pensamento da humanidade, a cor da pele ainda é motivo para segregação e julgamento.

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