CICLO DO ABUSO
FOTOS: REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Sônia (Hermila Guedes) chora após ser agredida em Segunda Chamada; drama é vivido por muitas mulheres
Uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil a cada dois minutos, de acordo com dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em Segunda Chamada, essa cruel realidade é retratada por meio da professora Sônia (Hermila Guedes). O drama vivido pela personagem mostra como funciona o chamado ciclo da violência, um método utilizado para identificar abusos em uma relação.
De acordo com a psicóloga Laís Nicolodi, esse processo é dividido em quatro fases: momento da tensão, explosão, reconciliação e lua de mel. Na primeira etapa, o agressor demonstra um comportamento de manipulação, podendo expressar ciúme excessivo e agredir verbalmente a vítima. O acúmulo da tensão leva à explosão, a fase mais extrema do ciclo, na qual ocorre a violência física, sexual e/ou psicológica.
Em seguida, acontece a reconciliação, etapa em que o companheiro diz se arrepender das atitudes, demonstra remorso e, em alguns casos, usa até chantagem emocional para manter a mulher ao seu lado. A última fase é a lua de mel, quando o agressor promete que mudou e será uma pessoa diferente.
É na lua de mel que muitas mulheres se convencem a dar mais uma chance ao companheiro. Porém, em grande parte dos casos, a promessa de que a violência não vai mais ocorrer dificilmente é cumprida, e as agressões voltam a acontecer, sempre seguindo o mesmo ciclo de abusos. Em casos mais extremos, a volta da explosão pode ter como consequência final até o feminicídio.
A personagem de Hermila Guedes na série da Globo passa por esse ciclo violento. Sônia sofre constantes ataques de Carlos (Otávio Müller), que não se intimida nem com a presença dos filhos. Ciumento, o marido controla os passos da mulher e explode sempre que desconfia de qualquer atitude da companheira.
Mas, logo depois, ele diz estar arrependido, perde perdão e afirma que a violência jamais vai se repetir. Mesmo sabendo que é mentira, a educadora segue com a relação conturbada por não enxergar uma saída.
Laís Nicolodi explica que é importante analisar as condições em que a vítima está inserida e os dispositivos de controle que o agressor tem. No caso de Sônia, Carlos assume o poder de controlar o local onde a professora mora. Se ela sair da casa da sogra, para onde mais poderia ir?
A psicóloga ressalta que a escolha de sair de um relacionamento nunca é fácil. "Na sociedade patriarcal em que a gente vive, é muito valorizada uma mulher que tenha um marido. Uma solteira normalmente é malvista, ainda mais a divorciada", afirma.
Sônia (Hermila Guedes) é agredida por Carlos (Otávio Müller), com quem é casada e tem filhos
Envergonhada, Sônia tenta esconder os roxos com blusas de manga longa. Em um episódio, ela chega até a dizer que se machucou enquanto brincava com as crianças. Uma desculpa muito usada por mulheres vítimas de violência, assim como "caí da escada", "bati o braço na porta" ou "tropecei e bati o olho".
Assim como todos os personagens de Segunda Chamada, a professora de história acumula martírios. Ela cuida das crianças praticamente sozinha, vive de favor na casa da sogra (que acoberta as agressões), precisa usar medicamentos clandestinos para conseguir dar aulas à noite, ficou sob a mira de um revólver e também foi atacada por um estudante.
Além de todo esse drama, ela ainda tenta ajudar os alunos nos conflitos deles. A educadora tenta, por exemplo, aconselhar Natasha (Linn Da Quebrada) a superar um relacionamento abusivo. "Isso aqui é o que acontece quando a gente esquece de se amar. E é difícil a saída", afirma a personagem ao mostrar seus machucados.
Porém, a violência doméstica também interfere negativamente nos conselhos dados às estudantes. Sônia chegou até a desaconselhar Aline (Ingrid Gaigher) a denunciar o namorado agressor. Repreendida pela recomendação dada à garota, a professora revelou seu drama a Marco André (Silvio Guindane), por quem se apaixonou.
O professor Marco André (Silvio Guindane) se envolve com Sônia (Hermila Guedes) na série
Em meio a tantas angústias, Sônia encontrou um pouco de paz nos braços do professor de Artes. Ela se envolveu com Marco André de maneira inesperada e repentina. O primeiro beijo do casal aconteceu depois que eles tentaram ajudar Rita (Nanda Costa), que acabou morrendo após fazer um aborto clandestino.
O romance dos professores evoluiu a ponto de a personagem expor a violência que sofre pelo marido. O educador encorajou sua amada a sair da relação abusiva e ofereceu sua casa para ela morar com os filhos. Marco André chegou a levar Sônia até o apartamento para fazer suas malas e pegar as crianças. Porém, ela desistiu do plano assim que encontrou o agressor.
Mesmo decepcionado, o professor não desistiu do amor que sente pela colega. A aproximação dos dois causou desconfiança em Carlos, que teve um novo surto e agrediu a mulher na frente dos filhos. Após o ataque, a série mostrou Sônia chorando sozinha no banheiro. Em uma cena emocionante, Giovana (Giulia Benite) entrou no cômodo e deu um basta na situação. "Chega, mãe!", pediu a garota.
Laís Nicolodi afirma que o papel da família é muito importante ao incentivar que a vítima saia de uma relação abusiva. "É fundamental que a mulher se nutra de vínculos sociais que estejam para além do marido. Vínculos sociais saudáveis, de pessoas que a amam e querem o bem dela", explica a psicóloga.
[Atenção: spoilers do último episódio de Segunda Chamada]
O apoio da filha foi crucial para a educadora decidir se livrar do casamento. No último episódio desta temporada, no ar nesta terça (17), Sônia finalmente sai da casa da sogra e dá indícios de que realmente vai abandonar o marido agressor. Ela se muda com os filhos para a residência de Eliete (Thalita Carauta) e conta que fez uma denúncia contra o marido na delegacia.
Violento, Carlos vai até a escola parar tirar satisfação. A personagem de Thalita Carauta defende a amiga e ameaça chamar a polícia para prender o agressor em flagrante. Apesar de estar livre e poder viver seu amor por Marco André, a professora de História pede um tempo ao amado para se acostumar com sua nova vida.
Porém, Laís Nicolodi alerta para o fato de que pode acontecer uma recaída. "A questão é de que forma as condições do ambiente dela estão contribuindo para aumentar as chances dela de voltar ou aumentar as chances dela de se manter longe", explica a profissional.
Por enquanto, Sônia tem o apoio dos filhos, um lugar para ficar e já se desvencilhou da dependência emocional e financeira. Resta esperar a próxima temporada para saber se a professora vai se livrar de vez dessa situação.
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